Toda forma de arte produzida em um determinado momento histórico capta a estrutura de sentimento do período e devolve para a sociedade uma espécie de espelho de si mesma.
Um filme ideologicamente comprometido com a visão de mundo da classe dominante não deixa de expor a contradição gerada por essa visão de mundo. Quando confrontado com a conjuntura social e histórica, o filme muito ruim de Hollywood acaba expondo suas próprias fraquezas e distorções.
A função da crítica é desvelar essas contradições aparentemente escondidas e expô-las de modo que, ao assistir, possamos ter um olhar mais aguçado em relação à obra.
Foi isso que tentei fazer em textos como Não olhe para cima: o fim do capitalismo se aproxima, Hotel Ruanda e a representação da barbárie, A era dos covardes e a Mulher Maravilha, O cinema como arma da plutocracia norte-americana, O presente perfeito de Hollywood e outros que podem ser lidos nesta coluna.
Diante da barbárie que estamos presenciando na Palestina ocupada, é difícil encontrar filmes contemporâneos que consigam dar conta do momento histórico. Artistas lúcidos, coerentes e comprometidos precisam ter muita coragem para não desistir de sua profissão.
É o caso do cineasta inglês Ken Loach, cuja obra cinematográfica é uma das melhores que a classe trabalhadora pode ter. Loach, que hoje já tem 87 anos, vai lançar um novo filme em 2024. Devemos celebrar a produção como quem celebra um acontecimento revolucionário.
Seus filmes, desde os anos 1960, são atos de resistência política da classe trabalhadora inglesa. São mais de 50 anos – especialmente as cinco últimas décadas – retratados em suas histórias. É admirável. Aqui no DCO, escrevi sobre dois de seus filmes nesse texto: A interminável chuva de pedras.
Por razões da vida que passa, não teremos Ken Loach por muito tempo. Que bom que ele ainda está aí, produzindo seus filmes para nós. Que as novas gerações o considerem um exemplo.
Ele também é um dos cineastas mais perseguidos politicamente na atualidade. Na mesma terra que colocou Julian Assange na cadeia, seu mais importante cineasta vivo é acusado de antissemitismo por defender a Palestina. E não começou hoje. Essa situação já dura muito tempo.
O capitalismo, em sua crise atual, está atacando a classe trabalhadora com uma ferocidade só vista nos piores momentos dos séculos XIX e XX. Aqueles que não percebem o nível do ataque estão dormindo ou são canalhas.
Podemos dizer que voltamos para o século XIX. As condições materiais podem até ser muito diferentes, mas a subjetividade e as ideias da classe dominante são do capitalismo do século XIX.
O trabalho escravo se espalha e as condições para aqueles que ainda recebem salário estão se deteriorando cada vez mais rápido. Mesmo assim, no caso do Brasil, o governo celebra. Nós, da classe trabalhadora, ainda não estamos em uma senzala em um engenho de Pernambuco, nem em uma fábrica de tecidos de Manchester, mas o pensamento da classe dominante já está.
E ela está usando todo seu arsenal para impor sua vontade, seja através da apropriação simbólica de elementos como a religião ou a cultura, seja com a força da justiça, da repressão, das armas e da letalidade.
O tamanho da tarefa da classe trabalhadora organizada para o próximo período é parar esse retrocesso e forjar um caminho social sem os capitalistas. Não é nada fácil. No Brasil, o ambiente não poderia ser mais desolador diante de lideranças e organizações de esquerda capituladas e inertes.
Mas o experimento de destruição massiva de países, como acontece na Palestina ou na Argentina, pode gerar também as condições para que a luta social saia da inação. Partidos como o PCO estão na vanguarda desta luta.
O trabalho à frente é a única forma de não sucumbir ao sofrimento de uma vida indigna. O cinema pode contribuir captando essa demanda e colocando na tela a luta e suas contradições. Precisamos de mais diretores como Ken Loach. Precisamos das vanguardas, tal qual no início do século XX, quando os artistas tomaram para si o processo revolucionário.