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Ascânio Rubi

Ascânio Rubi é um trabalhador autodidata, que gosta de ler e de pensar. Os amigos me dizem que sou fisicamente parecido com certo “velho barbudo” de quem tomo emprestada a foto ao lado.

Coluna

Houve racismo em escola da burguesia identitária?

Política identitária não faz avançar luta contra o racismo

Ganhou repercussão na imprensa, na semana passada, um caso de ofensa de cunho racial entre adolescentes ocorrido em escola da elite paulistana. A vítima foi uma menina de 14 anos, filha mais velha da atriz Samara Felippo com o jogador de basquete Leandrinho. A garota teve um caderno surrupiado por duas colegas, que, além de arrancarem as folhas de um trabalho ali escrito, inscreveram nele a expressão “cu preto”, que vem sendo considerada uma “grave ofensa racista”.

O que se sabe é que a autoria do ato ofensivo coube a duas outras meninas, uma das quais de 13 anos. Todas cursam atualmente o 9º ano do ensino fundamental na Escola Vera Cruz, reduto da pequena burguesia identitária. Samara Felippo, além de reivindicar a expulsão das “agressoras”, registrou um boletim de ocorrência na delegacia de polícia, que abriu investigação de crime de injúria racial. Como o delito se deu entre menores de idade, é provável que seja arbitrado em um Conselho Tutelar.

A escola promoveu uma conversa entre as alunas e suspendeu as autoras do ato por tempo indeterminado, impedindo sua participação em uma excursão para trabalho de campo na Serra da Canastra, mas, no grupo de WhatsApp de pais, isso aparentemente foi considerado pouco diante da suposta gravidade do delito, classificado por um casal de “crime de ódio”. Querem expulsão.

O pai de uma das autoras da referida injúria, que se diz progressista, pede cautela no julgamento de uma adolescente ainda em formação, sujeita a cometer erros. Como os outros pais, que também se consideram progressistas, não querem “passar pano para o racismo”, ele optou por tirar a filha da escola. Os pais da outra acusada aguardam a decisão da diretoria.

A imprensa burguesa, como de hábito, trata o caso como “ataque racista”, evitando reproduzir as palavras exatas, provavelmente sob a alegação de que a divulgação dos termos exporia ainda mais a vítima. Por outro lado, ao omitir o teor da ofensa, imediatamente tachada de “racismo”, a mesma imprensa dá o veredito antes do julgamento, expondo a outra adolescente à sanha punitivista dos identitários de todas as cores.

A expressão chula, curiosamente, é bastante comum em memes veiculados em plataformas de vídeos curtos, muito acessados por adolescentes, além de ser alcunha de participantes de jogos eletrônicos e até de gente com perfil no LinkedIn, a rede social de empresas, executivos e outros profissionais. Segundo o Dicionário Informal, site colaborativo que reúne expressões populares de todo o Brasil, “cu preto” é um sujeito de sorte ou “que é bom de acerto” (exemplo do site: Fulano é um cu preto).

O site Jus Brasil, no entanto, informa que uma pessoa foi condenada por injúria racial por ter dito à outra “Vai tomar no seu cu preto”, o que foi entendido como ofensa que envolve preconceito racial. O uso da cor, no caso, foi a comprovação de que o insulto foi racista. (No último período eleitoral, quando, em seu show, a cantora Marisa Monte ouviu a plateia gritar “Bolsonaro, vai tomar no cu”, ela pediu que não usassem a expressão por ser ofensiva aos homossexuais, mas o Judiciário, por ora, ainda não chegou a esse refinamento.)

A escola não quis expulsar as meninas, que assumiram a culpa e se apresentaram com seus pais para conversar. Enquanto isso, o caso ganhou as páginas de fofocas de TV, onde Samara Felippo costuma bater o ponto, inclusive porque já usou as redes sociais para divulgar seus problemas com o ex-marido, que queria reduzir o valor da pensão das filhas e que teria lançado mão de um truque para não fazer a correta partilha dos bens na separação. Agora ela espera algum tipo de reparação da escola.

Thales Vieira, do “Observatório da Branquitude”, disse no UOL que “não há um consenso sobre a expulsão de agressores em casos como o da filha da atriz”. Nas palavras dele: “É violento que a vítima tenha que conviver com seus algozes, mas, por outro lado, a escola é um espaço de educar. Quando a escola expulsa um aluno, ela declara que falhou no processo educacional e individualiza um problema que não é isolado”. A opinião é sensata, apesar do peso dos termos vítima/algoz. Ao fim e ao cabo, o episódio é traumático para todos e, sendo judicializado, não se sabe que consequências poderá ter.

A ironia dessa história é ter ocorrido entre pessoas “do bem”, defensoras das políticas identitárias, que, provavelmente, evitam dizer “buraco negro” ou “caixa-preta” acreditando ser essa a sua parte na luta contra o racismo. Se a menina tivesse apenas rasgado o trabalho da outra, o problema seria resolvido na escola. Ao escrever “cu preto”, seja lá o que isso queira dizer, a coisa escalou para o nível de injúria racial, crime inafiançável, que, sendo cometido por mais de uma pessoa contra uma terceira, tem aumento de pena.

Enquanto isso, a imprensa noticia um aumento de 138% no índice de letalidade da Polícia Militar de São Paulo sob a gestão de Tarcísio de Freitas. Não temos os números, mas sabemos quem são as principais vítimas dos policiais, que, no entanto, não são chamados de “algozes”.

O mesmo Thales Vieira acrescenta: “Os alunos precisam também de exemplos positivos. A força da imagem se sobrepõe à palavra. Com quem seu filho convive de forma igualitária? Ele convive com pessoas negras de forma igualitária ou só quando pessoas negras estão em uma posição social inferior a ele?”.

Esse é o ponto que os identitários não querem ver. A escola, cuja mensalidade gira em torno de R$5.000, tem apenas 7% de alunos não brancos. Não basta fazer discurso antirracista. O racismo só vai acabar quando a população negra, de conjunto, deixar de estar em posição social inferior. É a associação com a pobreza – ou com a origem pobre – o que nutre o racismo. Defender os negros é também defender aqueles que são assassinados nas favelas simplesmente por serem pobres.

O identitarismo, porém, é uma política unicamente para a classe média e, como se vê, não resolve o problema nem no interior de seu estrato social. O leitor tire suas conclusões.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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