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Carla Dórea Bartz

Jornalista, com 30 anos de experiência (boa parte deles em comunicação corporativa). Graduada em Letras e doutora pela USP. Filiou-se ao PCO em 2022.

Coluna

Hotel Ruanda e a representação da barbárie

Ao escolher o herói amigo do capitalismo, filme esconde a natureza imperialista do genocídio

Hotel Ruanda (2004), dirigido pelo irlandês Terry George com produção norte-americana, é um filme que aborda o genocídio em Ruanda, em 1994. Segundo dados, cerca de um milhão de pessoas foram assassinadas em um período de 100 dias.

Genocídios aconteceram durante todo o século XX, muitas vezes esquecidos como notícias velhas. Um filme como esse, que fez muito sucesso e ainda está na memória de muitas pessoas, tem essa capacidade de resgatar a memória de um fato tão tenebroso.

Hotel Ruanda tem alguns momentos muito bons e que nos fazem lembrar do genocídio que atualmente assistimos na Palestina.

O principal deles é ver a reação da personagem principal quando descobre que os países imperialistas não farão nada para impedir o massacre e sua relação com represantes da mídia.

No entanto, como obra que revisita o episódio 10 anos depois, Hotel Ruanda tem contradições formais impossíveis de esconder e que enfraquecem a abordagem do tema, quando não anulam totalmente suas intenções.

Os produtores escolheram como enredo a história de Paul Rusesabagina (Don Cheadle), um sobrevivente. Casado, pai de três filhos, gerente de um hotel pertencente a um grupo belga, ele tem uma vida integrada. Durante os eventos, ele usa o hotel com um centro de refugiados, salvando centenas de pessoas, inclusive a própria família.

Vivendo em uma terra de escassez, as habilidades de negociar e de trocar favores são os pontos fortes do personagem, que lhe dão vantagem durante o extremismo.

Obviamente, o filme escolhe a figura de Paul como herói e é através de seu ponto de vista que compreendemos o alcance e o absurdo do genocídio. Aí está o ponto fraco do filme. Ele necessita de sua audiência que se identifique com as mazelas de Paul e, para isso, esvazia o que há de Ruanda no personagem.

Se pensarmos na camada média de audiência norte-americana, Paul é construído para que seja percebido como um deles. O ator é bem conhecido do público americano e o inglês é falado sem sotaque. A língua oficial do país é o quiniaruanda, além das línguas dos colonizadores, como inglês, francês e alemão.

A casa de Paul lembra muito uma casa de classe média dos subúrbios norte-americanos e ele sempre está impecavelmente vestido com terno e gravata. As favelas de Ruanda são vistas à distância, no máximo de dentro de carros. Paul entende as questões políticas de seu país, mas acredita nas instiuições e nas forças de paz da ONU.

Paul é civilizado de acordo com os valores ocidentais e acredita na democracia. Quando tudo explode, sua fé no “Ocidente” continua inabalada, apesar de compreender sua fragilidade por ser africano.

Essa posição é corroborada pela ajuda que recebe dos emissários da ONU, da Cruz Vermelha, do jornalista e até de seu patrão, o belga dono do hotel, todos do lado civilizado dos fatos.

Mas, o filme falha, e muito, em mostrar as causas do genocídio e o ressentimento histórico criados artificialmente pelos belgas no início do século como parte de seu controle do país como colônia. O racismo artificial que opõe as etnias hutu e tutsi provocou vários episódios de violência extrema, inclusive o genocídio de 1994.

Podemos até inferir que a cultura identitária atual no Brasil, importada dos Estados Unidos, também tem como objetivo a exploração de ressentimento histórico.

Na figura de Paul, o gerente que preserva o hotel de seu patrão a todo custo, quem se salva no filme é o capitalismo. Essa é a função do personagem. Ele tem algo de Oskar Schindler, o capitalista bonzinho de A Lista de Schindler, que salvou judeus dos campos de concentração alemães, no famoso filme de Steven Spielberg, produzido em 1993.

O filme aponta o esquema belga, mas esconde que os interesses imperialistas norte-americanos e europeus na região permitiram o massacre. Realizado 10 anos depois da barbárie, mostra o genocídio como um ato inconsequente de nazistas ruandeses.

Paul Rusesabagina escapou e hoje vive nos Estados Unidos com as filhas. Ele é uma dessas figuras cooptadas, como Malala. Quanto a Ruanda, continua na sua eterna posição de país explorado e violento.

Um bom artigo sobre as causas dos genocídios em Ruanda está nesse link: https://www.marxist.com/50-years-since-burundi-genocide-the-endless-horror-of-western-imperialism.htm.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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