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Ricardo Rabelo

Ricardo Rabelo é economista e militante pelo socialismo. Graduado em Ciência Econômicas pela UFMG (1975), também possui especialização em Informática na Educação pela PUC – MINAS (1996). Além disso, possui mestrado em sociologia pela FAFICH UFMG (1983) e doutorado em Comunicação pela UFRJ (2002). Entre 1986 e 2019, foi professor titular de Economia da PUC – MINAS. Foi membro de Corpo Editorial da Revista Economia & Gestão PUC – MINAS.

Coluna

A política imperialista não comporta governos populares

O modelo neoliberal passou a fazer parte dos regimes políticos nacionais dos anos 90 e compensou o abandono da política de golpes militares

O modelo neoliberal passou a fazer parte dos regimes políticos nacionais dos anos 90 e compensou o abandono da política de golpes militares, fortalecendo o caráter arbitrário do poder judiciário, que passou a agir de forma a garantir que a “democracia” continuasse favorecendo o capital. No início do século XXI, as instituições de Bretton Woods, como o FMI e o Banco Mundial e fortalecem com a Organização Mundial do Comércio impondo a “globalização” como forma de manter a dependência e submissão dos países emergentes. . A política deu lugar à lei e o poder tornou-se um exercício econômico. Sobre essas bases, passa a se utilizar da lei e do direito para derrubada de governos populares, combinando-o com a guerra, isto é a utilização da força “legal”. Usam-se estrategicamente processos legais para enfraquecer, imobilizar ou desacreditar um oponente que não pode ser derrotado na política e, ao mesmo tempo, é uma guerra por meios legais ou uma tática para derrubar governos sem recorrer à intervenção da força militar. Trata-se do golpe “brando” promovido pela burguesia de cada país, com o único objetivo de manter o poder. Esta operação é comandada diretamente pelo imperialismo norte-americano, através de seu departamento de justiça, a CIA, e instituições paraestatais como o “National Endowment for Democracy” (NED) e os milhares de ONGs financiadas pelos EUA. Esse fenômeno passou a ser identificado por uma palavra em inglês, o “lawfare”. que significa simplesmente Guerra através da lei.

O lawfare no século XXI vem ocorrendo em todo o mundo várias vezes. Na América Latina ele foi caracterizado por acusações planejadas que começam com boatos, meias-verdades, falsidades, pós-verdades, até se tornarem processos judiciais, determinado a condenação criminal dos governantes de esquerda ou que defendem interesses da classe trabalhadora. Além da prisão, estes líderes são julgados politicamente pelo Congresso, encarregados do golpe final, “democrático” sem uso de tanques e governos militares. Outra característica é a ampla implantação de mídia pré-fabricada, até legitimar um “impeachment” e derrubar o presidente além de criminalizar o seu partido. As acusações variaram de má gestão do governo a tentativas de se perpetuar no poder. Os casos de Manuel Zelaya (Honduras), Evo Morales (Bolívia), Dilma Rousseff (Brasil), Fernando Lugo (Paraguai) e Pedro Castillo (Peru) têm mais semelhanças do que divergências nas acusações, mecanismos e instâncias que os julgaram.

Manuel Zelaya, presidente de Honduras entre 2006 e 2009, sofreu impeachment em 28 de junho de 2009, acusado de “ter convocado um referendo não vinculante” que “poderia” abrir as portas para a reeleição presidencial, o que, segundo seus oponentes, violava a constituição hondurenha. A Suprema Corte de Justiça de Honduras ordenou sua prisão e ele foi expulso do país pelas Forças Armadas. Embora Zelaya sempre tenha afirmado que sua iniciativa era legal, ele foi afastado por uma aliança entre a Suprema Corte, o Congresso Nacional e o Exército.

Fernando Lugo, presidente do Paraguai (2008-2012), sofreu impeachment no Senado em apenas algumas horas em 22 de junho de 2012, sob a acusação de “mau desempenho de suas funções”. O gatilho para seu julgamento foi um confronto armado no qual camponeses e policiais morreram durante um despejo em Curuguaty. Soube-se depois que o tiroteio foi realizado por franco atiradores estrategicamente disfarçados no meio do conflito, comandados pela CIA. É talvez o golpe mais rápido da história, praticado como um “golpe parlamentar”, que obrigou Lugo a não reagir sob a ameaça de ser preso sem garantias processuais e de um julgamento real. 

Dilma Rousseff, presidente do Brasil entre 2011 e 2016 pelo Partido dos Trabalhadores e eleita com 22 milhões de votos, foi submetida a um julgamento de impeachment que começou como um boato de “contas falsificadas” e terminou com seu impeachment em 31 de agosto de 2016. Ela foi acusada de um “crime de responsabilidade”, inexistente por supostamente manipular as contas públicas. Na verdade, as manobras fiscais conhecidas como “pedaladas fiscais” já eram utilizadas pelos governos anteriores que não sofreram nenhuma punição. O Senado da oposição votou a favor de seu impeachment sem evidências de que a presidente tivesse fraudado as contas públicas ou utilizado recursos públicos em benefício próprio. .

Evo Morales, presidente da Bolívia entre 2006 e 2019, renunciou sob pressão em 10 de novembro de 2019. A Organização dos Estados Americanos (OEA), após uma rápida auditoria politicamente direcionada, acusou Evo de quebrar a integridade das eleições para tentar se perpetuar no poder e colocou a sua reeleição em dúvida como uma “vitória controversa nas eleições de 2019”. Tempos depois, a própria OEA reconheceu que havia errado na análise dos resultados eleitorais. A ação da OEA deu base para uma rebelião policial coordenada pelas Forças Armadas e que obrigou o presidente eleito a se exilar como alternativa a ser assassinado. Um governo ilegítimo assumiu o poder, sendo posteriormente expulso do poder por uma insurreição popular.

Pedro Castillo, presidente do Peru desde 2021, foi impedido de governar através de derrubada de seus ministros e três tentativas de impeachment, sendo vítima do bloqueio total de seus projetos e governabilidade. Em 7 de dezembro de 2022, usando de um dispositivo constitucional, tentou dissolver o Congresso e convocar novas eleições, foi arbitrariamente preso, acusado do suposto crime de “tentativa de autogolpe”. Sua companheira de chapa como vice-presidente apoiou o golpe e reprimiu com armas de fogo as manifestações em defesa do presidente, matando pelo menos 70 manifestantes. Dina Boluarte mantém até hoje uma ditadura que transformou o país em uma pátria de desespero, fortes violações de direitos humanos, sendo amparada pelo governo Biden que enviou tropas ao país. 

O lawfare agiu sempre utilizando expedientes falsamente jurídicos baseados em ilegalidades, irregularidades e procedimentos inadequados, e acabaram instalando representantes da ultradireita no poder, sempre com a participação ou pelo menos o apoio do governo norte-americano. Na maioria dos casos, os golpes brandos se basearam em falsas acusações de má gestão de recursos públicos ou tentativas de minar as estruturas democráticas. Os pretextos específicos variaram entre motivações econômicas e administrativas. Nos casos de Dilma, Lugo e Castillo, a tática empregou mecanismos parlamentares e nos casos de Morales e Zelaya também houve intervenção militar direta ou judicial de dissuasão.

Os golpes brandos na América Latina refletem a existência efetiva de um modus operandi, projetado, planejado para realizar um “golpe de Estado” por meio da remoção de presidentes progressistas e de esquerda e instalar governos ilegítimos e ilegais, mas com apoio imediato para sua consumação de órgãos regionais como a OEA, governos relacionados aos Estados Unidos e partidos e alianças de ultradireita. As tensões têm como denominador comum romper o equilíbrio político-jurídico e, então, buscar a decisão “objetiva e imparcial” do judiciário e do congresso. O golpe suave é a violência jurídica, praticada por agentes apátridas e instrumentalizada pelo judiciário ou Congresso local, seus participantes criminosos, que causam feridas profundas na cultura da legalidade democrática e do Estado de Direito. São diretamente responsáveis por isso as burguesias locais, instrumentalizadas pelos planos de hegemonia política do imperialismo.

No caso do Brasil foram instaurados vários processos jurídicos que visaram não só afastar o presidente, mas criminalizar o maior partido de esquerda do país, o Partido dos Trabalhadores. Os exemplos são a Ação Penal 470, que ficou chamada de “mensalão” e, posteriormente, uma operação jurídico-policial, chamada “lavajato” que visava também prejudicar a economia nacional ao criminalizar as empresas estatais como responsáveis por grandes escândalos de corrupção.

Além de comprometer politicamente líderes e estruturas partidárias, o judiciário agiu arbitrariamente contra funcionários públicos, injustamente acusados de corrupção e que tiveram suas carreiras e vidas destruídas. O caso mais exemplar é o de Henrique Pizzolato, que era diretor de marketing do Banco do Brasil e foi acusado de desviar recursos de uma empresa privada, a Visanet, para uma agência de publicidade, dando origem a uma série de pagamentos a parlamentares e militantes partidários, na Ação Penal que ficou conhecida como mensalão. Apesar de ter ficado provado pela defesa de que Pizzolato não poderia, como funcionário público, desviar recursos de uma empresa privada, ele foi condenado a anos de prisão e de pagamento de várias multas de milhões de reais, o que o deixou sem renda e propriedades pelo resto da vida.

Assista ao documentário “O caso Pizzolato – uma questão de justiça” produzido por Silvio Tendler, renomado cineasta brasileiro, e que foi disponibilizado pelo artista para que haja ampla divulgação da arbitrariedade cometida.

O documentário está disponível no youtube no endereço: 

Maiores informações sobre o “lawfare” podem ser obtidas no site:

www.lawfarenuncamais.org

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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