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Marcelo Marcelino

Membro Auditoria Cidadã da Dívida Pública (ACD) nacional, sociólogo, economista e cientista político, pesquisador do Núcleo de Estudos Paranaenses – análise sociológica das famílias históricas da classe dominante do Brasil e membro do Partido da Causa Operária – Curitiba.

Coluna

Primeiro presidente do BC: serviçal da ditadura e do imperialismo

Artigo baseado da parte da tese de doutorado do professor Marcelo Gonçalves Marcelino junto ao Programa de Pós-graduação em sociologia da UFPR

O primeiro presidente do Banco Central do Brasil, Dênio Chagas Nogueira, recebeu de prêmio pelos serviços prestados a implantação da ditadura militar e ao imperialismo de conjunto a condução; do que seria, a mais importante instituição econômica estratégica do país na atualidade. A partir dessa constatação histórica reproduzimos um trecho importante da entrevista do próprio Dênio Chagas Nogueira a Coleção “Histórica Contada do Banco Central do Brasil” onde o mesmo, revela sua participação no extinto IPÊS (Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais), uma organização financiada pelo imperialismo a partir da matriz dos Estados Unidos.

IPÊS – As articulações para a criação de uma entidade, nos moldes que veio a ter o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais – IPÊS, começaram ainda em 1961. A renúncia do presidente Jânio Quadros, em agosto daquele ano, e a subsequente posse de João Goulart – visto com desconfiança pelo empresariado devido às suas ligações com o movimento sindical – deram uma nova dimensão aos encontros que vinham sendo mantidos. Preocupados com a inflação, com a falta de planejamento econômico do governo e, sobretudo, com a suposta influência de comunistas e o aumento da intervenção estatal, os empresários resolveram intensificar as ações visando à criação de uma organização que defendesse seus interesses.

Fundado oficialmente em 2 de fevereiro de 1962, no Rio de Janeiro, o IPÊS resultou da fusão de grupos de empresários organizados no Rio e em São Paulo e rapidamente ganhou a adesão das classes produtoras das outras unidades da federação. O acirramento nos debates sobre as chamadas “reformas de base” – agrária, bancária, urbana, universitária e tributária, promovidas pelo governo Goulart – incitou nos membros do IPÊS a percepção de que o país marchava inexoravelmente para o comunismo e que cabia aos “homens bons” a interrupção desse processo.

Dessa forma, o instituto promoveu intensa campanha anti-governamental. Associando as propostas do governo ao comunismo, a entidade utilizou os mais diversos meios de comunicação na defesa da “democracia” e da livre iniciativa. Publicou artigos nos principais jornais do país; produziu uma série de 14 filmes de “doutrinação democrática”, apresentados em todo o país; financiou cursos, seminários, conferências públicas; publicou e distribuiu inúmeros livros, folhetos e panfletos anticomunistas, dentre os quais UNE, instrumento de subversão, de Sônia Seganfredo, dirigido aos estudantes universitários, então tidos como um dos pilares da infiltração comunista.

O IPÊS também atuou no financiamento de outras entidades contrárias ao governo Goulart, tais como os Círculos Operários carioca e paulista, a Confederação Brasileira de Trabalhadores Cristãos, a Campanha da Mulher pela Democracia (Camde) do Rio, a União Cívica Feminina de São Paulo, o Instituto Universitário do Livro, e o Movimento Universitário de Desfavelamento. O IPÊS-RJ auxiliava igualmente a Associação de Diplomados da Escola Superior de Guerra.

Em maio de 1963, a Câmara dos Deputados instalou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), acusado de financiar candidatos oposicionistas na campanha eleitoral de 1962 com recursos indevidos. O IPÊS foi arrolado na CPI, mas acabou sendo absolvido, em dezembro de 1963.

A participação do IPÊS na derrubada do governo Goulart, em 31 de março de 1964, pelos militares, foi preferencialmente resultado de um trabalho propagandístico. Todavia, isso não impediu que alguns de seus membros, individualmente, atuassem de maneira mais direta. O reconhecimento dos seus préstimos pelo regime militar, ocorreu em 7 de novembro de 1966, quando foi declarado “órgão de utilidade pública” por decreto presidencial.

IPÊS paulista foi completamente desativado em 1970, ao passo que o do Rio encerrou suas atividades em março de 1972.

Na entrevista abaixo, Dênio Nogueira declara abertamente a sua participação engajada no IPÊS (Instituto golpista imperialista em conluio com a burguesia nacional) e mostra que o primeiro presidente do Banco Central na gestão 1965-67 foi um ator estratégico, colaborador do golpe de Estado no Brasil.

Segundo a Coleção História Contada do Banco Central do Brasil (2019, p. 76-79):

Ipês-Rio × Ipês-São Paulo

Quais foram suas atividades no governo João Goulart?

Depois que recusei a Carteira de Câmbio em 1961, continuei na minha vida, trabalhando no Conselho Nacional de Economia e na Conjuntura Econômica até 1963, quando houve o plebiscito pelo parlamentarismo no governo Goulart – aliás, votei no parlamentarismo e continuo parlamentarista até hoje. Nessa ocasião, Garrido Torres tinha sido convidado para chefiar a assessoria econômica do Ipês e me chamou para trabalhar com ele.

E ele havia sido convidado por quem?

Não tenho certeza. Mas ele era muito ligado ao Jorge Oscar de Melo Flores e ao Haroldo Polland, que eram da direção-executiva do Ipês aqui no Rio. Talvez quem o tenha levado para lá tenha sido o Polland, mas não posso assegurar. O fato é que nós fomos para o Ipês para dar assessoria e preparar trabalhos sobre a parte econômica. Recebi muito bem o convite que o Garrido me fez, porque eu precisava de remuneração. Ainda estava com os problemas da compra do apartamento e teria mais uma fonte de renda. Fiquei muito satisfeito e me dediquei de maneira muito profunda ao trabalho.

A remuneração dos colaboradores do Ipês era por tarefa ou era mensal?

Tenho ideia de que era uma importância mensal que nós, colaboradores técnicos, recebíamos. O Ipês tornou-se mais ativo no final do governo Jango, e a lembrança que eu tenho é de que eu teria trabalhado lá cerca de 8, 9 meses. Acredito que menos de um ano. Logo que entrei, sugeri duas coisas, por intermédio do Garrido, à cúpula do Ipês aqui do Rio: que se fizesse um trabalho profundo sobre a reforma agrária e se publicasse também uma coletânea de ideias sobre as chamadas reformas de base do João Goulart. Porque o próprio presidente falava muito em reformas de base, mas não definia nenhuma delas. Ameaçava tirá-las na marra, era essa a expressão dele, do Congresso, mas sem defini-las. Eu, pelo menos, não conheço nenhum projeto que dissesse: são estas as reformas de base. Falava-se, assim, em termos muito gerais, em reforma bancária, em reforma agrária, mas não se dizia como se pretendia fazê-las. Então, preparamos uma série de reformas que nós do Ipês, pelo menos do Rio, achávamos que realmente deveriam ser feitas. Não preparamos os projetos, mas definimos cada uma delas e indicamos os pontos fundamentais que deveriam ser abordados e a maneira de resolvê-los.

Esse trabalho é que foi a origem do livro Reformas de base: posição do Ipês?

Exatamente. É um folheto. Estão lá a reforma agrária, a reforma bancária ou monetária, como seria o nome mais correto, a reforma fiscal. Essas eram as principais, mas havia outras: reforma dos serviços públicos eram umas 12 ou 15, por aí. O trabalho foi feito por mim, e a redação foi revista pelo Rubem Fonseca, que era o redator das nossas ideias. Por isso saiu tão bem escrito. Vale a pena ler. Rubem Fonseca é um grande escritor e já era bom naquela época. No caso da reforma agrária, recordo que eu não conhecia o tema suficientemente e, por isso, ele foi tratado por outras pessoas. Paulo de Assis Ribeiro foi o principal redator, não só do capítulo sobre a reforma agrária desse folheto, como também de um trabalho maior que foi publicado, um livro de formato grande, de maior profundidade. Mas eu me recordo de que partiu de mim a sugestão, que depois viria a ser adotada no projeto do governo Castelo – o chamado Estatuto da Terra –, de usar o mecanismo do imposto territorial rural para fazer a reforma agrária. Aquilo foi sugestão minha, mas não era invenção minha. Num dos cursos que fiz no exterior, estudei a utilização da política fiscal para promover a reforma agrária, coisa que foi feita por sugestão do Banco Mundial em vários países do mundo. É um sistema muito inteligente, porque foge à questão da definição de terra produtiva e terra improdutiva, que é o ponto fraco de todo projeto de reforma agrária. Dizer o que é produtivo e o que não é produtivo é uma definição muito subjetiva, é uma discussão sem fim, como ficou comprovado agora, na Constituição de 1988. Para fugir a isso, sugeri que fosse adotado um mecanismo muito simples: a alíquota do imposto territorial rural deveria ser diretamente proporcional ao tamanho da propriedade. Ou seja, quanto maior a propriedade, não só o imposto seria maior, como a alíquota do imposto cresceria – portanto, o imposto aumentaria numa razão geométrica. Mas, ao mesmo tempo, a alíquota deveria ser inversamente proporcional ao grau de utilização da terra. Então, vamos dizer, um latifúndio que não fosse utilizado pagaria um imposto muito alto, porque teria tudo o que faz subir a alíquota e não teria nada que a faz regredir. Ao passo que um latifúndio produtivo pagaria um imposto razoável, já que a alíquota cresceria com o tamanho da propriedade, mas decresceria com o grau de utilização. Já uma terra pequena e improdutiva, deixada só para valorização, pagaria uma alíquota não tão alta, mas também punitiva, para forçar o indivíduo a vender ou então a utilizar a terra. Um dos problemas sérios quando se quer fazer a reforma agrária, especialmente nos países em que existe inflação, é que a terra faz as vezes de moeda como reserva de valor. Ocorre, então, o que se chama de comprar terra para fins especulativos; quer dizer, o indivíduo compra a terra para fazer um investimento que poderá crescer não só com a inflação, como também com o progresso da região e, com isso, ele espera ter um lucro futuro. A reforma agrária, para nós, significava a utilização da terra. Mas, ao mesmo tempo em que o Ipês aqui do Rio aprovava a nossa proposta e publicava os nossos trabalhos, o Ipês de São Paulo, que tinha uma posição extremamente reacionária, financiava a edição de um livro chamado Reforma agrária, questão de consciência. Era escrito por dois bispos de direita e era contra a reforma agrária! Distribuíram aquilo de graça, e eu nem quis receber, porque me fazia mal, dava coceira nas mãos. Estou chamando a atenção para isso porque, tempos depois, saiu publicado aquele livro do René [Armand] Dreyfus sobre o Ipês, e, ou ele não tem seriedade, ou não tem capacidade, porque se estava fazendo uma análise do que tinha sido o Ipês, e se essa análise fosse de boa-fé, no mínimo deveria ter comparado o Ipês do Rio ao Ipês de São Paulo. Porque, realmente, eram a água e o vinho. Sei muito bem disso porque, toda vez que nós fazíamos um trabalho desses, eu ia a São Paulo para discutir com o grupo lá.

Eram realmente muito diferentes os dois braços do Ipês?

Muito. Havia dois Ipês, fundamentalmente distintos, e eu diria inclusive opostos. A doutrina do Ipês de São Paulo era de extremíssima direita. A nossa doutrina, no Rio, era de liberal para a esquerda.

A passagem do tecnocrata Dênio Nogueira a convite de Garrido Torres no IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais) do Rio de Janeiro revela nesse depoimento acima muito dos interesses da classe dominante brasileira e do papel importante do imperialismo estadunidense no investimento na formação política da classe trabalhadora e estudantes nesse período mais acirrado da democracia representativa antes do golpe de Estado de 1964. Acompanhando o depoimento acima compreendemos muito das ideias da elite financeira tecnocrática liberal brasileira naquele momento e seu papel de mobilização política e ideológica enquanto acadêmicos e técnicos a serviço da classe dominante e do imperialismo.

As contradições nessa passagem do depoimento de Dênio também revelam uma tentativa de separar radicalmente as posições políticas do IPES do Rio de Janeiro de Dênio do IPES de São Paulo como sendo diametralmente opostas em termos de ação política e até ideias. Algo que chamou a atenção também se refere à justificativa para a adesão ao trabalho no IPES no sentido da necessidade de remuneração para pagar o financiamento do seu apartamento, algo que soa a princípio estranho para um ator relevante no cenário tecnocrático brasileiro naquele momento.

Dênio Nogueira fez questão de frisar muito o seu trabalho em relação à crítica das reformas de base de João Goulart e por isso adotou uma visão no mínimo muito próxima aquela sugerida pelo Banco Mundial em relação à reforma agrária, bancária, tributária, entre outras. Muitos dos seus documentos elaborados a frente do IPES como colaborador serviram de parâmetro mais tarde para o governo Castelo Branco, segundo o próprio Dênio. Com tantos capitais acumulados até então, o tecnocrata Dênio Nogueira passou de um estágio ainda incipiente na tecno-burocracia de uma elite estratégica para um grau mais elevado de legitimidade junto a classe dominante.

Vamos relembrar que Dênio Nogueira ainda mantinha posições estratégicas no Conselho Nacional de Economia (CNE) e como redator-chefe da revista Conjuntura Econômica da Fundação Getúlio Vargas (FGV) ainda nos primeiros anos da década de 1960 e mais tarde já no governo João Goulart assumiu estrategicamente uma posição de colaborador do IPES do Rio de Janeiro contra as políticas de reforma de base de Jango. Isso lhe rendeu posições estratégicas relevantes no futuro governo do general Castelo Branco logo a frente.

Se estabelecermos uma relação entre o início da trajetória do Banco Central enquanto instituição estratégica do capital financeiro internacional e nacional e o papel dos seus presidentes desde a ditadura até o momento, iremos compreender que tanto Dênio chagas quanto Campos Neto são agentes tecnocráticos a serviço dos banqueiros e especuladores nacionais em total subordinação e conluio com o imperialismo.

Referência: Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca do Banco Central do Brasil – v. 3. Dênio Nogueira / Banco Central do Brasil. – Brasília: Banco Central do Brasil, 2019.

Artigo baseado da parte da tese de doutorado do professor Marcelo Gonçalves Marcelino junto ao Programa de Pós-graduação em sociologia da UFPR a partir da entrevista de Dênio Chagas Nogueira ao documento que se transformou em livro Histórias Contadas do Banco Central do Brasil de 2019.

Artigo publicado, originalmente, em 08 de abril de 2023.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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