Em seu sítio na internet, o PCdoB publicou coluna de Pedro Luiz Teixeira de Camargo (Peixe), no dia 31 de janeiro, chamada “Frente Ampla também para governar”. Ali, o autor tenta fazer uma breve caracterização do governo Lula, elogiando em particular a presença dos elementos direitistas. É uma ode à frente ampla ou, se preferirem, uma ode à frente popular que significa a aliança de partidos de esquerda e com base de trabalhadores com a direita.
O autor critica os militantes que criticam as aliança com a direita e a entrada de políticos até mesmo bolsonaristas no governo: “Parte da militância de esquerda já começa a chiar vendo a montagem do governo (…) quem está sendo convidado a fazer parte da reconstrução nacional”. Deduz-se que, para ele, a militância não deveria chiar, deveria ficar calada e aceitar tudo. Em nome do quê?
Segundo ele, em nome de um “projeto que venceu nas urnas”. O autor acredita que a vitória de Lula foi motivada por questões outras que não as necessidades materiais do povo. Para o autor, a maioria dos trabalhadores votou em Lula pela propaganda pseudo-democrática que foi feita contra Bolsonaro, não porque esses trabalhadores veem em Lula a solução para seus problemas reais, materiais, de sobrevivência.
Não podemos nos esquecer que uma Frente Ampla, como fala o nome, não é só para ganhar e sim, principalmente, para governar. Figuras que, historicamente, não estavam em governos liderados pelo PT precisam fazer parte exatamente pela proposta que venceu nas urnas Não podemos cair no erro de achar que o governo Lula será um governo de esquerda, não será.
Aqui estamos diante de um dilema. Ou reconhecemos que Lula foi eleito para realizar uma política popular, de esquerda, ou acreditamos que o povo votou em Lula por causa da direita. Como acreditar nisso se a única direita que teve votos foi o bolsonarismo e a chamada terceira via foi um fracasso total?
Na história, o debate sobre a Frente Popular teve um conteúdo muito parecido. Tanto na Espanha e na França em 1936 quando na Europa do pós-Segunda Guerra, a luta contra o fascismo foi usada como pretexto para que não se fizesse um “governo de esquerda”, mas uma frente com os partidos burgueses.
Essa política, impulsionada pelo stalinismo, terminou em desastre total. Na Espanha, deu lugar ao fascismo de Franco. Na França, derrotou uma mobilização revolucionária que havia tomado conta do país.
No pós-guerra, a Frente Popular ressuscitou os partidos burgueses que haviam sido demolidos pela crise. Esses partidos foram responsáveis pela ascensão do fascismo. A população, depois de ter derrotado o fascismo com a mobilização, reconhecia nesses partidos burgueses a continuação do fascismo. A atuação dos partidos comunistas guiados pelo stalinismo acabou por recolocar os partidos burgueses de volta ao poder.
A política de Frente Popular levou ao fechamento do PCB e depois ao golpe de 1964. Esse é o exemplo.
No Brasil atual, o caso é bem semelhante. O autor acredita que a direita que se agrupou em torno da frente ampla o fez em nome do “estado democrático de direito”, mas se esquece que fo justamente essa direita que deu o golpe e fez nascer o bolsonarismo.
O desafio maior do terceiro mandado de Lula é pacificar o país, enterrar de vez o fascismo e fortalecer o estado democrático de direito, trazendo de volta a disputa política para o campo da política.
É muita ingenuidade do autor acreditar que os piores golpistas e fascistas, aqueles que, para derrubar o governo do PT e prender Lula colocaram na rua uma horda de fascistas, estão preocupados em pacificar o país.
O objetivo desse setor é se reciclar diante do eleitorado usando o prestígio de Lula e procurar controlar os rumos do governo no sentido de uma política contra o povo. Eles são inimigos de Lula, não seus aliados.
Outro erro do autor é considerar que a principal tarefa do governo seria a de “pacificar o País” e “fortalecer o Estado democrático de direito”. Nada poderia ser mais fora da realidade.
Lula não tem que pacificar nada, Lula precisa colocar em marcha um conjunto de medidas que estejam de acordo com as necessidades do povo. Medidas concretas: salário mínimo, fim das privatizações, uma política contra o desemprego etc.
Essas medidas podem não “pacificar o País”, já que vai desagradar a burguesia, incluindo a que está no governo, mas com certeza fará com que Lula adquira o apoio popular necessário para governar.
O autor acredita no que diz a rede Globo. Para ele, fortalecer o Estado democrático de direito é “vencer a máquina de fake news que segue a todo vapor mesmo com o gabinete do ódio, oficialmente, fora do poder.” Acredita também que o grande desafio no Congresso Nacional é “frear as mentiras espalhadas diuturnamente pelos extremistas.”
O colunista quer a repressão e a censura e acha que será mais difícil passar uma política dessa do que uma política econômica no Congresso Nacional. O que ele não compreende é que a maioria dos direitistas querem medidas para conter as chamadas Fake News, porque sabem que elas serão usadas contra o povo. Esse é o clamor de toda a direita, incluindo a rede Globo, não do povo.
A tarefa da militância não é aceitar calado tudo o que o governo fizer. A tarefa é mobilizar o povo para empurrar Lula a realizar uma política popular. A política do PCdoB, de defesa da frente ampla, é reacionária. Ao invés de apoiar Lula sempre que este coloque em prática uma política popular, o PCdoB quer deixar a direita dentro do governo fazer o que bem entender.
Na verdade, o que está propondo o PCdoB é que a direita tome conta do governo, traficando todos os elementos perniciosos do reacionarismo travestido de democrático a fim de imobilizar qualquer tentativa de independência de Lula desse setor, a fim de combater a ala esquerda da frente popular em prol de sua ala direita.
O PCdoB repete exatamente o que fizeram os seus antepassados stalinistas, que foram os principais responsáveis (mais do que a social-democracia) pela desmobilização popular e posterior derrota da esquerda para o fascismo. Os partidos stalinistas negociavam com a direita e pressionavam a liderança da frente popular, sabotando a esquerda, para conceder posições de liderança da ala direita. É o que o PCdoB quer neste momento, como fica explícito com o artigo de “Peixe”.