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Pedro Burlamaqui

Militante do Partido da Causa Operária (PCO) e da Aliança da Juventude Revolucionária (AJR). Editor e colunista do Diário Causa Operária. Estudante de Física na Universidade de Brasília (UnB)

Coluna

Imperialismo tenta impedir a morte do identitarismo

"Para a felicidade de muitos, a popularidade da política identitária está mais baixa do que nunca"

Para a felicidade de muitos, a popularidade da política identitária está mais baixa do que nunca. O imperialismo está em uma crise cada vez mais profunda, debilitando, portanto, sua capacidade de impor uma ideologia como o identitarismo, ideologia que, por sua artificialidade, não consegue se sustentar sozinha.

Não me levem a mal, não é que o identitarismo já morreu ou não possui mais nenhum efeito. Mas é cada vez mais difícil para o imperialismo utilizar o identitarismo para levar adiante as suas falcatruas dentro da esquerda.

Vejamos o caso da campanha por uma ministra negra no Supremo Tribunal Federal (STF). O imperialismo investiu muito tempo e dinheiro para tentar emplacar uma indicação simpática à sua política – teve até outdoor na Índia! -, mas ficou a ver navios. Nesse caso, a maioria dos petistas era muito mais pressionada pela política das direções do PT, que queriam a indicação de uma pessoa próxima a Lula, como é o caso de Zanin, do que pelo identitarismo.

Outdoor na Índia por uma ministra do STF negra

O caso Decothé, assessora de Anielle Franco que chamou a torcida inteira do São Paulo de “europeu safade”, também mostra isso. Em outros momentos mais favoráveis à política identitária, haveria quem defendesse suas declarações, inventando alguma teoria torta para explicar por que os são-paulinos seriam, de fato, “safades”, “racistes” e “misógines”. Mas praticamente ninguém botou a mão no fogo, a assessora foi prontamente afastada sem grandes protestos.

Ao mesmo tempo, existe uma tentativa ativa do imperialismo de impedir que o refluxo da política identitária se aprofunde ainda mais, trago dois exemplos disso.

Em 2020, a Internet parou para assistir ao julgamento de Johnny Depp contra Amber Heard. A atriz norte-americana havia acusado, por meio de uma coluna no The Washington Post, o ator de “abuso domésticos”, afirmando que ele a agrediu inúmeras vezes.

Por um lado, o julgamento provou factualmente que as acusações de Heard eram absurdas. A atriz saiu completamente desmoralizada do tribunal, ninguém mais acreditava em sua história farsesca. Por outro lado, uma análise política já indicava que esse era o caso.

A coluna de Heard foi publicada no âmbito do movimento identitário Me Too, criado e impulsionado por Hollywood para fazer demagogia com a luta das mulheres. Depp foi, nesse sentido, usado como bode expiatório para impulsionar o identitarismo, foi uma vítima de uma campanha política que nada tinha a ver com ele. Naquele momento, essa política, porém, estava em ascenso, ele não tinha chance contra essa máquina – tanto é que as alegações da atriz foram publicadas em um dos maiores jornais da imprensa imperialista.

Agora vem a tentativa de dar sobrevida ao identitarismo. Alguns anos após o julgamento, a Netflix resolveu lançar um documentário sobre o caso. Intitulado Johnny Depp X Amber Heard, o filme mostra não só gravações do julgamento e documentos e provas apresentados na ocasião, como também a reação da Internet a medida em que o caso se desenrolava.

Assim como determinou o juri, o documentário mostra que Depp é, indiscutivelmente, inocente. Ao final do documentário, entretanto, a Netflix sorrateiramente insere “provas” encontradas após o fim do julgamento de que Depp teria, sim, batido em Heard. Trata-se de uma suposta conversa entre o ator de Piratas do Caribe e um amigo na qual ele admite ter agredido Amber. Mas por que essa evidência acachapante não foi apresentada no tribunal? Porque uma perícia protocolada pela defesa de Depp já havia determinado a falsidade desse registro, algo aceito pela juíza que conduziu o caso.

Johnny Depp e Amber Heard

Essa tentativa de um desfecho do tipo deus ex machina deixa no ar a dúvida de se Johnny Depp é ou não culpado de agredir Amber Heard. Quando, na realidade, as provas deixam absolutamente claro que ela é autora de uma campanha de calúnias intensa contra o ator. Obviamente, essa tentativa fajuta da Netflix não emplacou, é raro encontrar alguém que defenda Heard nesse caso, mais uma demonstração da crise na política do identitarismo.

O segundo exemplo que trago a esta coluna é o da série britânica Doctor Who, produzida pela BBC. Trata-se de um dos programas de televisão mais populares e tradicionais de todo o Reino Unido, programa que já dura por mais de seis décadas.

Sua premissa é: o Doutor (ou o Doctor), personagem principal da série, é um alienígena do planeta Gallifrey que viaja no espaço e no tempo por meio de uma nave em formato de uma cabine telefônica inglesa antiga. Além disso, ele é praticamente invencível e, sempre que está perto da morte, se transforma em outra pessoa.

Em sua última reencarnação, o Doutor virou uma mulher – algo inédito na história de Doctor Who. A partir de então, a série deu uma guinada identitária insuportável: cada frase passou a ser formulada para “lacrar”, o roteiro, nesse sentido, tornou-se completamente idiota, destruindo as características fundamentais da série.

Em episódios recentes lançados como especiais de Natal, por exemplo, colocaram uma cadeirante para fazer o papel de uma agente que trabalha em uma espécie de serviço secreto da Coroa. O problema é que essa agente trabalha no campo, que instituição militar permitiria isso? Decerto que não restam elementos fantasiosos nas tramas de Doctor Who, o problema, nesse caso, é que a coisa é claramente feita para a BBC fingir que se importa com os cadeirantes – tanto é que é algo feito de maneira muito mal-feita.

Personagem cadeirante em um ambiente extremamente desafiador para sua locomoção

No mesmo episódio, uma das personagens – que é transexual – critica o Doutor por “assumir o pronome” de um alienígena. O alienígena, então, prontamente informa o “incauto” Doutor que seu pronome favorito é o indefinido (“The Meep”, ele diz). É, também, tão improvisado que parece uma sátira de Monty Python.

“The Meep”, da série Doctor Who

O problema, para a BBC e para o identitarismo, é que essa guinada na tradicional série britânica não emplacou. Muito pelo contrário, a série perdeu grande parde de seu público que, por sua vez, ficou furioso com a destruição de Doctor Who. Forma organizadas, inclusive, petições para apagar da história esse arco do programa, os fãs querem fingir que esse desastre nunca aconteceu.

Enfim, são alguns indícios que mostram a crise ideológica pela qual passa o imperialismo neste momento. O identitarismo – finalmente! – já não possui toda a pompa de antes, e a tendência é que se enfraqueça cada vez mais.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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