O episódio que tirou do ar o podcaster Monark, acusado de fazer apologia do nazismo, ainda vem dando seus frutos. Como é bom lembrar, os entrevistados do programa eram os parlamentares Tabata Amaral (afilhada política do golpista das Lojas Americanas) e Kim Kataguiri (um dos fundadores do MBL, movimento direitista nascido no âmbito do golpe de 2016), tendo este último compartilhado com Monark a opinião de que a existência de um partido nazista não deveria ser proibida.
Enquanto o apresentador era cancelado nas redes sociais e sofria as consequências da execração pública, Kataguiri saiu de fininho, mas Márcia Tiburi, a “filósofa” de quem ele era um antigo desafeto, não deixou passar: nas redes sociais, acusou-o também de nazista. Foi processada por ele, que acaba de obter vitória na Justiça, passando a fazer jus a uma indenização de R$ 5.000. Tiburi foi buscar lã e voltou tosquiada.
Diante de um episódio como esse, a tendência da maioria das pessoas é tomar o partido de um lado ou de outro, segundo sua simpatia ou cor política. Diga-se que, no âmbito do Judiciário, de onde se esperam julgamentos “justos”, as coisas não são muito diferentes. O juiz Arnaldo Corrêa Silva, relator do processo, afirmou (segundo reportagem da Folha de São Paulo): “O que caracteriza o dano moral, quando há crítica à pessoa que desempenha um cargo público, em especial, os políticos, é o abuso do direito de criticar. No caso, a parte ré [Tiburi] nominou o autor de nazista”.
O juiz assistiu ao vídeo e concluiu que Kataguiri não defendeu o nazismo: “É senso comum que no Brasil hoje vive-se a intolerância com o pensamento e palavras daqueles que possuem posicionamento divergente. Banalizou-se discursos de ódio, sendo comum denominar as pessoas de nazistas, fascistas, comunistas e etc” [sic]. “Frisa-se que esses termos muitas vezes são proferidos sem que se saiba o real significado de cada um desses adjetivos” […]. “É grave a conduta de imputar a pecha de nazista a alguém”. O voto foi acompanhado pelos demais juízes, por unanimidade.
Como se vê, na opinião do juiz, Márcia Tiburi teria feito uso de “discurso de ódio” e pode até mesmo desconhecer o significado dos adjetivos “nazista”, “fascista” e “comunista”. É fácil imaginar que ela se sinta muito mal diante disso. Procurada pela reportagem, ela reforçou: “Ninguém que seja a favor da democracia pode defender partidos nazistas ou fascistas” […] “Ele defendeu um partido nazista, e o que eu apontei foi esse problema. Pode alguém defender o nazismo sem ser nazista? O nazismo é uma ideologia extremista de direita, ou seja, politicamente limítrofe, o que quer dizer que não suporta a democracia. Ou seja, onde há extremismo, não há democracia. Ninguém que esteja numa democracia pode defender extremismos”. E completou: “Eu ter que pagar em dinheiro para quem me persegue há tanto tempo é algo que explica o sistema da injustiça e o fato de que grande parte do Judiciário é fascista e machista e certamente está adorando ajudar na perseguição”.
O trecho final do desabafo de Márcia Tiburi talvez a aproxime do problema real, isto é, a quem cabe aplicar leis, julgar, punir. Ao dizer que “grande parte do Judiciário é fascista e machista”, talvez a filósofa tenha tido uma iluminação. É preciso, no entanto, ir um pouco além. Ao criminalizar aquilo que se diz, entra-se no terreno movediço da subjetividade. O juiz em questão usou o conceito de “discurso de ódio”, propalado pela esquerda, contra a própria esquerda, na pessoa de Tiburi – e seu voto foi seguido pelos demais.
Talvez não se trate apenas de determinados juízes serem fascistas ou machistas, como disse a filósofa, mas de o sistema judiciário dar sustentação ao Estado burguês. Mais do que ter tido azar no sorteio do caso, que caiu nas mãos de um machista/fascista, é preciso lembrar que toda a estrutura está a serviço dos interesses da burguesia. Por esse motivo, quanto mais crimes se inventam a cada dia, mais poder se concede a esse Estado e, consequentemente, à burguesia.
Chega a ser irônico que a professora de filosofia, que diz defender a democracia, seja ela própria uma defensora da criminalização do “discurso de ódio” e seja agora condenada exatamente por esse novo “crime”. É por essas e por muitas outras que virão que se deve defender a liberdade de expressão em vez de cair na armadilha de criminalizar palavras.