Esquerda brasileira

Em defesa da vitória do Hamas

Esquerdistas não entendem que o cessar-fogo é mais do que uma simples pausa: é uma imposição feita pelo Hamas a "Israel"

O artigo Cessar-fogo em Gaza: vitória palestina não é garantia de paz, publicado pelo órgão do PCBR Em Defesa do Comunismo no último dia 22, segue uma política recorrente na esquerda pequeno-burguesa brasileira: a desmoralização da vitória do Hamas na Faixa de Gaza.

A insistência em minimizar o cessar-fogo em Gaza como uma “vitória limitada” é, na prática, uma manifestação de sectarismo que desmoraliza avanços revolucionários reais. Tomemos como ponto de partida o seguinte trecho:

“Entretanto, o cessar-fogo não é garantia de paz, como demonstra o ataque de Israel a Gaza horas depois de seu anúncio. Benjamin Netanyahu já prorrogou a discussão no gabinete ministerial sobre o acordo de cessar-fogo anunciado no Qatar, sob a então ameaça de que dois de seus onze ministros – Bezalel Smotrich, Finanças, e Itamar Ben Gvir, Segurança Nacional – renunciariam do gabinete de segurança caso assinado o acordo. Os ministros fascistas, que estão à direita de Netanyahu, tratam a limpeza étnica palestina como ponto absolutamente não negociável, e sua saída do gabinete entregaria o colapso do governo Netanyahu à oposição sionista – o que provavelmente teria como desfecho a sua prisão.”

Não se nega que “Israel” segue sendo um Estado sionista genocida e que sua política é orientada para a eliminação do povo palestino. Contudo, o cessar-fogo é mais do que uma simples pausa: é uma imposição feita pelo Hamas e demais partidos revolucionários da Resistência Palestina que demonstrou ao planeta uma força assombrosa ao obrigar o governo Netaniahu a sentar-se à mesa de negociação, meses após a ditadura sionista jurar que iria destruí-los.

O dilema enfrentado pelo governo israelense, incluindo a possibilidade de colapso de sua coalizão, é em si uma vitória que enfraquece o bloco de extrema direita no poder e ameaça a própria existência de “Israel”. A tentativa de diminuir essa conquista sob o pretexto de que não resolve o problema fundamental da ocupação ignora o impacto objetivo desse desdobramento: a reafirmação da força palestina frente a um inimigo superior em recursos militares. Avancemos na análise do trecho seguinte:

“Ademais, o histórico da ocupação israelense demonstra que ataques velados e operações militares a portas fechadas podem persistir, mesmo sob acordos formais, que nunca foram cumpridos pela entidade sionista. Nunca é demais ressaltar que a própria Operação Tempestade Al-Aqsa se inicia motivada pelos ataques velados israelenses às mesquitas palestinas, sobretudo a Mesquita de Al-Aqsa. Além disso, as condições impostas para a trégua evidenciam que a ocupação e o cerco à Gaza estão longe de serem resolvidos.”

Este raciocínio expressa a recusa em reconhecer as vitórias parciais como parte de um processo revolucionário mais amplo. A Resistência Palestina provou não ser composta por românticos ingênuos que acreditam em promessas, ainda mais de norte-americanos e sionistas.

Pelo contrário, ao impor condições que incluem a libertação de prisioneiros, a retirada de tropas e a entrada de ajuda humanitária, demonstraram uma maturidade política muito maior, por exemplo, do que a demonstrada pelo PCBR com sua análise sectária e por quase toda a esquerda brasileira. Esses avanços constituem etapas fundamentais para o fortalecimento da libertação da Palestina, tanto no plano interno quanto no campo diplomático internacional. Por fim, vejamos o trecho que afirma:

“Embora o cessar-fogo traga um momento de esperança, não se deve cair na ilusão de que ‘a paz venceu’. Muitos reféns e prisioneiros palestinos seguirão detidos, e a ocupação colonial da terra palestina permanece intacta, impune e amplamente financiada – inclusive pelo Brasil. Além disso, o plano de reconstrução de Gaza e a abertura das fronteiras dependem de negociações futuras que podem ser facilmente sabotadas por interesses políticos ou estratégicos.”

Essa colocação é um exemplo claro de como uma parte da esquerda prefere focar nos limites das conquistas revolucionárias a celebrar suas realizações. É evidente que a ocupação não foi desmantelada, mas ignorar que o cessar-fogo é fruto direto da luta armada e do sacrifício do povo palestino é um desserviço à causa anti-imperialista. Cada refém libertado, cada caminhão de ajuda humanitária que atravessa as fronteiras de Gaza, é uma derrota política para “Israel” e seus aliados imperialistas.

Ao insistir em tratar o cessar-fogo como uma “ilusão” ou um “respiro temporário”, o artigo desmoraliza uma das maiores vitórias revolucionárias do século XXI. A Resistência Palestina, enfrentando uma potência militar altamente financiada, demonstrou ao mundo que é possível confrontar o imperialismo e conquistar avanços históricos. A política adotada pelo PCBR subestima completamente essa conquista.

A verdadeira lição desse cessar-fogo é que a luta popular, organizada e determinada, é capaz de dobrar mesmo os inimigos mais poderosos.

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