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São Paulo

Tarcísio cria lei para aumentar a perseguição política

Decreto publicado pelo governador bolsonarista permite antecipar punições, mesmo antes da apuração das denúncias

Poucos dias após o The Intercept Brasil publicar denúncia contra o professor da faculdade de Direito da USP Alysson Mascaro, o governador do estado Tarcísio de Freitas publicou decreto fragilizando o direito à defesa dos servidores públicos do estado. Uma matéria publicada pelo sítio de esquerda Brasil 247 destacou ainda que no mesmo dia de publicação do decreto, o mesmo foi usado pelo Centro Acadêmico da Faculdade de Direito em pedido pelo afastamento do professor. O decreto permite antecipar o afastamento do servidor ainda durante a análise preliminar em casos de assédio sexual, assédio moral ou conduta discriminatória.

O artigo 266 da Lei nº 10.261 de 1968, citado no decreto, estabelece o desconto de um terço do vencimento ou remuneração durante o período de prisão ou suspensão preventiva do funcionário. Em todos os demais casos, essa punição só pode ser aplicada após o encerramento da apuração preliminar.

Ou seja, o mecanismo criado permite antecipar a punição diante de denúncias de assédio sexual, assédio moral ou conduta discriminatória. Para uma parte da esquerda, isso seria positivo, pois aderiram ao mote punitivista tradicional da direita, segundo o qual o problema do crime se resolve com punições cada vez mais severas.

Até poucos anos, muitos desses esquerdistas denunciavam as arbitrariedades do Judiciário na condenação de políticos do PT, em especial Luiz Inácio Lula da Silva. Naquele momento, ficava mais evidente como juízes e promotores agem cotidianamente.

Em geral, seu alvo principal são os trabalhadores, mantidos “na linha” por uma estrutura repressiva que vai dos magistrados até a Polícia Militar. Diversos políticos de esquerda e um número enorme de militantes conhecem essas arbitrariedades de perto, mas o caso Lula serviu para expor ainda mais essa realidade.

Pouco tempo depois, porém, esse aprendizado parece ter sido apagado da memória de setores da esquerda pequeno-burguesa. Diante da crise da burguesia nacional, que recorreu a Jair Bolsonaro para ocupar o vazio deixado pelo derretimento eleitoral dos partidos tradicionais da direita, como PSDB e MDB, o Poder Judiciário foi alardeado como um garantidor da tal “democracia”. A política de castração das iniciativas do governo Bolsonaro e de ataques a alguns de seus militantes foi apresentada como uma cruzada moral do Judiciário, especialmente do Supremo Tribunal Federal.

Desde então, têm sido frequentes as manifestações de figuras da esquerda pedindo por leis mais rigorosas e até pelo atropelo de direitos democráticos. Setores da esquerda agem como se tivessem a caneta dos juízes na mão.

Essa percepção, no entanto, não poderia estar mais distante da realidade. Os juízes são os mesmos de antes. Essa parte fundamental da burocracia estatal não se transforma de uma hora para outra, sem mudanças radicais na sociedade. O episódio atual reflete essa conjuntura.

A suposta defesa de vítimas de abusos tornou-se a justificativa para o rebaixamento dos direitos dos funcionários públicos. Pelo Estatuto da categoria, o servidor só poderia ser afastado de suas funções mediante processo administrativo ou sindicância, que exigem denúncias identificadas.

Com o mecanismo inserido pelo decreto, qualquer funcionário fica à mercê de denúncias anônimas, como ocorreu com Mascaro. Uma ferramenta útil para derrubar funcionários que denunciem superiores, por exemplo. Afinal, se mesmo com denúncias identificadas é comum fabricar casos fajutos, com o anonimato a situação degringola de vez.

Já passou da hora de a esquerda abrir os olhos para esse avanço das arbitrariedades e do punitivismo. Que todas as acusações sejam devidamente apuradas e que os poucos direitos democráticos que restam sejam respeitados.

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