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Coluna

Os quadrinhos de Brão

Brão e a expressão dos ritos eróticos nos quadrinhos

Embora o sujeito social seja contemplado nos discursos da diversidade sexual, os ritos eróticos raramente são temas dessas discussões. Em outras palavras, quando se fala de grupo sexual, sempre são mencionados gays, lésbicas, transgêneros, bissexuais etc., entretanto, quase nunca se fala de sadomasoquismo, exibicionismo ou voyerismo. Seria isso outra forma de repressão moral?

Felizmente, nas histórias em quadrinhos, os ritos eróticos são bastante debatidos; John Willie, Eric Stanton, George Pichard, Guido Crepax, Franco Saudelli são seus melhores exemplos. No Brasil, embora haja poucos desses artistas nos quadrinhos, há a “Cornucópia”, de Brão, lançada em 2015.

Antes de falar da trama, vale a pena observar a opção do Brão, nessa obra, pelo quadrinho de página inteira. Diferentemente da literatura, em que as imagens são imaginadas pelos leitores – pois quem lê palavras, por meio delas imagina, em seus pensamentos, o que se passa no enredo –, nas HQs as imagens são vistas. Tais imagens, entretanto, não são apresentadas de forma contínua, feito no cinema, aproximando-se, consequentemente, do encadeamento de pinturas, por meio das quais os conteúdos dos quadrinhos são expressos. Na pintura de apenas uma tela, por sua vez, as narrativas anteriores e posteriores à cena retratada não se explicitam; nessas pinturas, mostra-se somente uma cena, deixando seus desdobramentos por conta da imaginação, semelhantemente à literatura.

Em Cornucópia, quando é mostrada apenas uma cena por página, feito os quadros na pintura, destaca-se cada cena com ênfase, fazendo do álbum, na arte minuciosa de Brão, concomitantemente HQ e exposição de telas individuais. Entre outros efeitos de sentido, isso desacelera a leitura, enfatizando a descrição diante da narrativa e insistindo, enquanto HQ erótica, no fetiche com a imagem. Nessa semiótica, o leitor pode admirar cada cena para seu prazer, retardando o final do enredo; ao retardar o final, o suspense aumenta, aumenta a surpresa, aumenta a tensão, própria dos desfechos… enfim, algo parecido com a masturbação.

A trama, simplificando bastante, gira ao redor de uma dominadora, quem organiza um rito sexual sadomasoquista matizado por pessoas fantasiadas, paganismo, heresia, felação, sexo anal, sexo grupal e um interessante desfecho no qual, via metalinguagem, o leitor é convocado a participar da trama e ir além do voyeurismo a que estaria destinado desde a primeira cena.

 

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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