O golpe de Estado na Venezuela não está sendo apenas apoiado por setores da esquerda pequeno burguesa no Brasil, ele também é apoiado por uma esquerda de mesmo tipo na Venezuela. São como o PSTU no Brasil em 2016, com a diferença que não parece que Maduro terá o mesmo destino que Dilma. Uma dessas organizações é o jornal Lucha de Classes que publicou o artigo: “Por una posición de clase: comunicado sobre la crisis política venezolana”. A principal conclusão dele é que não há golpe de Estado e que Maduro é um inimigo dos trabalhadores, ou seja, apoiam o golpe ao criar essa confusão.
O texto começa: “antes de 28 de junho, o povo trabalhador se via obrigado a escolher entre a continuidade do desastre de gestão madurista a serviço da nova camada de ricos do PSUV ou a opção ultraliberal e privatizadora de tudo, sob a liderança da burguesia tradicional e seus amos imperialistas. Ambas as opções representavam duas faces diferentes da continuação do ajuste antioperário e antipopular, que fez com que os trabalhadores pagassem todo o custo da crise do capitalismo venezuelano”.
Ou seja, o texto começa com a tese absurda de que o governo Maduro, um governo nacionalista, é equivalente a um governo pró-imperialista controlado pelos EUA. Mesmo que fosse verdade que Maduro é um “antioperário e antipopular” ainda assim seria incorreto igualar Maduro à oposição fascista. Há casos de governos nacionalistas que não são muito esquerdistas. Atualmente há no Níger um governo nacionalista de base nas forças armadas. Seria correto afirmar que não faz diferença o governo do general Tiani e o governo de Macron? É totalmente absurdo.
Eles mesmo afirma que a outra opção é “ultra liberal e privatizadora de tudo”, ou seja, deixam claro que Maduro é muito melhor por não ser privatizador de tudo. E a verdade, que eles ocultam, é que o regime bolivariano mantém a maior riqueza do país, o petróleo, sob o controle do Estado. Ignorar isso é ignorar a questão central na Venezuela que é a tentativa do imperialismo de tomar controle desse petróleo.
Invés de colocar qual é a disputa real, do governo nacionalista contra o imperialismo, o Lucha de Classes afirma que: “a disputa entre os velhos e novos ricos abriu uma nova crise institucional que está afundando o país em uma espiral conflituosa, da qual o povo trabalhador não tem nada a ganhar”. Falar isso é o mesmo que dizer que na disputa que existia no Brasil de 1964, do governo nacionalista de Jango contra a oposição de militares pró-imperialista os trabalhadores não deveria tomar um lado. É óbvio que os trabalhadores terão uma enorme vitória derrotando o golpe imperialista.
O texto então afirma que: “ao contrário das guarimbas reacionárias de 2014 e 2017 – que sempre se concentraram em localidades de classe média alta –, em 29 de julho os pobres da Venezuela saíram às ruas repudiando um resultado que não reconhecem. A brutal política de ajuste antipopular do governo, combinada com repressão e confisco de direitos democráticos, entregou o apoio majoritário dos pobres aos braços da direita mais retrógrada. Essa é uma realidade que não se pode ocultar”.
Se isso é verdade porque os protestos de Maduro durante toda a sua campanha foram muito maiores do que os da oposição fascista? Por que os protestos após as eleições pareciam ser exatamente o mesmo que as guarimbas de 2014 e 2017? Até mesmo policiais foram assassinados, algo que só acontece em protestos violentos da extrema direita. E se os pobres estão em maioria com a direita retrógrada quer dizer que Maduro fraudou as eleições?
O Lucha de Classes ao aderir à tese de que a população está com a direita caiu totalmente na campanha do golpe de Estado. Eles estão afirmando que as eleições foram uma farsa e que portanto o povo teria direito de derrubar Maduro e colocar a oposição no governo, já que ela seria a verdadeira vitoriosa. O interessante é que essa é exatamente a mesma posição de Joe Biden. O presidente dos EUA também ignora todas as manifestações populares a favor de Maduro que são enormes e foca apenas no suposto movimento de massas contra ele.
O texto continua tentando diferenciar os protestos: “é necessário separar o enorme protesto popular de 29 de julho das expressões de vandalismo, saque e destruição que se seguiram, resultado da irrupção de elementos do lumpemproletariado que desvirtuaram o caráter inicial das manifestações. Além disso, ocorreram assassinatos e crimes de ódio contra ativistas populares maduristas, que rejeitamos de forma categórica”. Aqui dois fatores são importantes. Primeiro que o movimento posterior ao dia 29 foi o movimento real. Segundo que ele omite que esse lumpemproletariado é financiado pelos norte-americanos para derrubar Maduro. São os famosos guarimbeiros, que antes o texto afirmou que não estão presentes hoje.
Então o artigo afirma: “não acreditamos no falso disfarce “democrático” de uma direita que, no passado, organizou repetidos golpes de Estado na Venezuela, solicitou invasão de forças militares estrangeiras e promoveu sanções financeiras contra seu próprio país. Mas também repudiamos o falso discurso vitimista do mesmo governo que pulverizou salários e direitos trabalhistas, acabou com a liberdade sindical, se alinhou aos interesses dos grandes latifundiários, sufocou burocraticamente todas as instâncias de participação popular, saqueou o erário público para benefício da nova camada de ricos do PSUV e emana um discurso conservador anti direitos, enquanto negocia com Fedecámaras, Consecomercio e Conindustria”.
Aqui aparece o grande erro do Lucha de Classes, o erro da esquerda golpista em todo o planeta, considerar o governo “indefensável”. Outra pessoa que se declarou dessa forma foi Guilherme Boulos no ano de 2015. Naquele momento ele se recusou em defender Dilma e lançou uma campanha contra o governo com a política de “abaixo o ajuste fiscal”. O “governo indefensável” de Dilma se mostrou infinitamente superior ao que veio depois com Temer.
O artigo afirma que Maduro assumiu uma serie de políticas direitistas. Mesmo que todas elas sejam verdade isso é irrelevante. Aqui vale citar o caso mais famoso e mais importante de luta contra o golpe, o do Partido Bolchevique lutando contra o general Kornilov. Em 1917, antes da Revolução de Outubro, o governo provisório tomou uma série de medidas direitistas, chegaram ao ápice de prender os dirigentes bolcheviques, Lenin fugiu do país com medo de ser assassinado. Nessa onda reacionária a direita viu a oportunidade para dar o golpe, ele seria chefiado por Kornilov.
O que fez Lênin naquele momento? Denunciou o direitismo do governo? Afirmou que Keresnki e Kornilov eram farinha do mesmo saco? Atacou o governo provisório? Não. Os Bolcheviques foram a primeira linha na luta contra o golpe de Estado. O que ganharam com isso? A confiança da esmagadora maioria dos trabalhadores. Pouco tempo depois eles tomariam o poder. Essa é a política da esquerda contra golpes do imperialismo. Não importa contra quem sejam dirigidos, é preciso lutar contra eles e derrotá-los.