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José Álvaro Cardoso

Graduado pela Universidade Federal de Santa Catarina, mestre em Economia Rural pela Universidade Federal da Paraíba e Doutor em Ciências Humanas pela UFSC. Trabalha no DIEESE.

Coluna

Uma conjuntura especialmente desafiadora

"No Brasil, para uma população de 203 milhões de pessoas, 56 milhões recebem o bolsa família, mais de um quarto da população vivendo da ajuda pública"

Os sintomas da crise internacional do capitalismo são inúmeros: derrota acachapante dos EUA no Afeganistão em 2021; operação militar russa na Ucrânia desde 2022; golpes militares anticolonialistas na África em 2023; Operação Dilúvio de Al Aqsa da resistência armada palestina em outubro de 2023 e o massacre dos palestinos na Faixa de Gaza; recente ataque iraniano a Israel (que teve resposta pífia). Esses acontecimentos refletem uma polarização ao nível internacional, entre o imperialismo e países subdesenvolvidos, que acaba por se refletir internamente nos países, como ocorre, por exemplo, em toda a América Latina. 

A gravidade da crise do imperialismo traz o risco nada desprezível dos conflitos escalarem, conduzindo a uma conflagração de nível mundial. Os EUA, que são uma máquina de guerra, aumentam sua agressividade em cada novo insucesso. O orçamento militar dos EUA para este ano é de US$ 886 bilhões (R$ 5 trilhões, quase metade do PIB do Brasil). A Rússia, que está impondo uma inevitável derrota aos EUA na Ucrânia, tem um orçamento de defesa de US$ 112 bilhões, 12,64% do orçamento dos EUA. Isso que a Rússia aumentou o orçamento neste ano em 68%, em decorrência da guerra na Ucrânia. 

A América Latina ilustra com riqueza a gravidade da crise internacional. A segunda economia da América do Sul tem um governo de extrema direita, fascista na política e ultra neoliberal na macroeconomia, que está destruindo a economia nacional. Esse governo aumentou em 3,2 milhões os novos pobres da Argentina no primeiro trimestre de 2024, é mais de um milhão todo mês. Se a população não parar Javier Milei, o imperialismo vai tentar implantar aquele padrão de política econômica, para toda a América Latina. Atualmente o país é uma espécie de laboratório de uma política de perda de direitos e poder aquisitivo, que nunca foi vista no subcontinente, em tempo nenhum. A direita está também nos governos de: Equador, Paraguai, Uruguai e Peru. Para completar, a previsão da CEPAL para a América Latina e Caribe, é de crescimento do PIB em meros 1,9%, para este ano.

Dentro deste quadro geral, o governo Lula, bastante pressionado, não consegue encaminhar ações que realmente façam a diferença para a maioria. De certa forma, o governo está se baseando em fórmulas que deram certo em outros períodos, mas que, face a uma conjuntura internacional bastante complexa, tendem a não funcionarem novamente. A situação é substancialmente diferente do período 2003 a 2014:

  1. Banco Central não está mais no comando do presidente da República, a instituição se tornou “independente” em 2021, ou seja, passou a ser diretamente comandada pelos banqueiros;
  2. Não existe mais, como ocorreu nos governos anteriores de Lula, o “boom” de procura por comodities, que deu uma folga ao governo e permitiu que tomasse medidas importantes, que melhoraram a vida de muitos trabalhadores;
  3. A crise capitalista se aprofundou em relação àquele período.

Com a economia crescendo pouco, e com contas públicas asfixiadas pelos gastos com a dívida pública, é muito difícil realizar ações que melhorem expressivamente a vida dos trabalhadores, especialmente os mais pobres. A história do mundo e da América Latina revela que nenhum governo nacionalista conseguiu fazer nada sem mobilização da população. Talvez o governo brasileiro devesse estudar o recente governo do peronista Alberto Fernandez, que nada fez de mais importante para os trabalhadores, a não ser manter as conquistas dos governos peronistas anteriores, e acabou pavimentando a estrada para o ultradireitista Javier Milei.  

A previsão é de um crescimento baixo para este ano, talvez chegando a 2%. As perspectivas de crescimento para 2025 também não são alentadoras. A política econômica atual, caracterizada por taxas de juros extremamente altas e pesada restrição fiscal, dificultam o desenvolvimento de programas de transferência de renda aos mais pobres e de melhoria da vida dos trabalhadores. A taxa básica de juros, a Selic, que atualmente se encontra em 10,75% ao ano, representa uma taxa real de juros em torno dos 7%, a segunda do Planeta, abaixo somente da taxa praticada no México.   

Mas tem que considerar que esses são os juros dos títulos públicos. Os juros da dívida de particulares durante 2023 oscilaram em torno de 55%, para uma inflação acumulada inferior a 5%. Juros reais desta magnitude impedem o crescimento da demanda das famílias na economia. Por outro lado, a taxa média de juros para as empresas está em torno de 23%, o que praticamente inviabiliza o investimento produtivo. Num quadro desses, quem dispõe de capital o destina para papéis da dívida pública, faturando, limpinho, 7% após descontada a inflação.  Qual investimento produtivo oferece um retorno neste montante? E sem precisar contratar trabalhadores, adquirir matérias-primas, e vender o produto. Isso explica por que a economia brasileira vem fazendo voos de galinha.     

O Ministério da Economia anunciou o adiamento da meta de zerar o déficit primário para 2025. Para 2024, o governo está trabalhando com uma projeção de déficit de 0,25% do PIB. Em 2025, a meta será zerar o déficit, avançando para um superávit de 0,25% em 2026. Esse pequeno recuo da meta fiscal do governo, que procura afrouxar a coleira com que os bancos tentam manter o governo, provocou uma grande reação dos seus porta-vozes, os analistas econômicos da grande mídia. O Ministério da Economia fica se justificando por não cumprir as metas de superávit primário que o sistema financeiro e os especuladores em geral, almejam. Mas o problema das contas públicas no Brasil nunca foi o seu resultado primário e sim o pagamento dos juros da dívida. 

As despesas com juros da dívida pública do governo federal somaram R$614,55 bilhões em 2023. O montante superou os orçamentos das pastas da Saúde, Educação e Desenvolvimento e Assistência Social no ano passado, que foi de R$578,13 milhões. As despesas pagas pelo Ministério da Saúde somaram R$170,26 bilhões no ano passado, Educação R$142,57 bilhões e Desenvolvimento Social: R$265,291 bilhões. Ou seja, Saúde, Educação e Desenvolvimento Social totalizaram R$578,13 bilhões, valor inferior ao pagamento dos juros em 12 meses. Isso ocorre todo ano, há décadas. Esse é um sistema de drenagem de recursos públicos, uma lombriga gigante que parasita o Brasil. Esse é o problema das contas públicas no Brasil. 

Para tirar 56 milhões de brasileiros da fome absoluta o governo gastou em 2023 R$170 bilhões, com alguns milhares de especuladores gastou R$614 bilhões. E todo o foco das críticas são os gastos primários. É como se o país destinar 3,6 orçamentos da saúde para pagar banqueiros, fosse uma determinação divina. Como o governo não tem forças para enfrentar os rentistas, tem que ficar realizando acrobacias para gastar um pouquinho mais com combate à pobreza ou com políticas estratégicas, como a NIB (Nova Política Industrial). 

No Brasil, para uma população de 203 milhões de pessoas, 56 milhões recebem o bolsa família, mais de um quarto da população vivendo da ajuda pública. Essa política, que é fundamental, é um retrato dramático da nossa concentração de renda. Como não há margem fiscal para políticas que realmente possam fazer a diferença para os mais pobres, o governo tem que trabalhar com margens muito estreita. Por exemplo, o reajuste previsto para o salário-mínimo para o ano que vem, na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), 6,37%, propõe um salário de R$1.501,94. Apesar do valor conter um ganho real que ficará em torno de 2%, é um valor muito baixo. Para efeitos comparativos, a última pesquisa de cesta básica do Dieese aponta um Salário Mínimo Necessário, para uma família composta de 4 pessoas, de R$ 6.832,20. 

A taxa de desemprego, por sua vez, medida pela Pnad Contínua do IBGE, apesar de ter reduzido em 2023, ainda é muito elevada: 7,8% no trimestre encerrado em fevereiro. São 8,5 milhões de pessoas desocupadas, fora o desemprego oculto por trabalho precário e por desalento, que também é muito elevado. Além do país ter muita gente desempregada, o número de subempregados é imenso. Mais da metade da força de trabalho está na informalidade, onde todos os indicadores são muito ruins. Sem considerar que, mesmo para quem está em um emprego formal, os salários são muito baixos. O rendimento médio real em dezembro de 2023 foi de R$ 3.100,00. Esse valor corresponde a 45% do valor do salário mínimo necessário calculado pelo Dieese.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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