Matéria de menor destaque do portal russo RT chamou nossa atenção nessa última semana. Putin ordena reinicialização da indústria de jogos russa, dizia a manchete. O presidente russo quer um console de videogame russo e, além disso, quer estimular o desenvolvimento de jogos no país. Há até mesmo uma “Organização para o Desenvolvimento da Indústria de Video Games”, que apresentou um plano de cinco anos em fevereiro deste ano com um “programa de 83 pontos” para desenvolver o setor.
Dado que estamos falando de uma economia sancionada, estrangulada, enfrentando uma guerra contra a OTAN, nos perguntamos: como há recursos para desenvolver uma indústria tão secundária como a de videogames, um setor do entretenimento? Parte da resposta é que esse segmento acelera o desenvolvimento da indústria de tecnologia de ponta. Finalmente, o poder computacional necessário para executar um jogo de computador é altíssimo e as mesmas placas de vídeo que renderizam os mundos digitais também são usadas para treinar e executar modelos de inteligência artificial. Há hoje em dia dispositivos dedicados para inteligência artificial, mas placas de vídeo serviram – e servem – esse propósito há algum tempo.
Ou seja, em meio a todas as dificuldades, a Rússia, que desde a queda da União Soviética teve sua economia reduzida ao papel de exportadora de matéria-prima, está desenvolvendo uma indústria de tecnologia de ponta. De quebra, a juventude russa deverá ter acesso a ainda mais jogos desenvolvidos no país. Há uma indústria local por lá (representada mundialmente pela famosa série Metro, por exemplo), mas com apoio governamental isso deve aumentar.
É impossível não compararmos essa situação com a brasileira. Por aqui, o setor econômico que mais cresce a cada ano é o primário, graças ao agronegócio, e seus satélites.
A situação mostra uma das principais contradições da ditadura imperialista mundial. Fazer parte do mercado mundial totalmente controlado pelos grandes monopólios é mais danoso do que ser expulso dele. A gravidade do quadro depende, naturalmente, do tamanho da vítima das sanções. Venezuela, Cuba e Coreia do Norte, por exemplo, enfrentam muitas dificuldades. O Irã já não enfrenta tantas, sendo o país mais industrializado do Oriente Médio, mas tem muitos problemas para se desenvolver. A Rússia, ainda que não tenha uma economia capitalista plenamente desenvolvida, tem o que sobrou do legado da União Soviética e tem um território gigantesco, farto em recursos naturais, usados desde que Putin chegou ao poder para financiar certa reestruturação da economia, processo que teve crescimento acentuado desde o início da guerra contra a OTAN na Ucrânia.
Não que o país possa sustentar uma economia moderna por si só. O desempenho russo talvez esteja relacionado não apenas ao tamanho do país, mas a que tenha sido alvo de sanções nos últimos anos. Não estão sob um bloqueio há décadas, como Cuba. E quanto maior o “clube” de países sancionados, mais alternativas esses países têm, visto que podem trocar bens e serviços entre si. Isso também vale para empresas sancionadas, como as empresas chinesas que agora, mais do que nunca, fazem muitos negócios com empresas russas.
Há ainda um último elemento: as sanções ameaçam de confisco todos os ativos russos em bancos imperialistas, mas, ao mesmo tempo, todas as dívidas internacionais do Estado russo denominadas em dólar tornaram-se automaticamente impagáveis.
No cenário atual, sofrer embargo do imperialismo, especialmente um país continental como a Rússia, traz mais benefícios do que malefícios. O que nos leva a pensar… se o Brasil fosse mais rebelde, se Lula corresse pelos bosques com Maduro e não Macron, se forçássemos a barra até sermos sancionados, o que aconteceria? Aqueles que sancionam estariam se privando dos insumos agrícolas brasileiros e nós poderíamos muito bem conviver com os eletrônicos chineses, mais baratos e cada vez melhores e, até mesmo, desenvolver nossa própria indústria de computação. Seria possível um retorno da TecToy?
Não que defendamos aqui sanções contra o Brasil. Finalmente, quem paga por elas é o setor mais frágil da população e imagino que na Rússia não seja diferente, ainda que a situação esteja mais controlada que em outros países, com menos recursos. O que queremos dizer é que há menos a perder e mais a ganhar do que se pensa. Com isso em mente, vale a pena ter uma política internacional tão defensiva? Os russos mostraram o caminho.