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Fábio Picchi

Militante do Partido da Causa Operária (PCO). Membro do Blog Internacionalismo e do Coletivo de Tecnologia do Partido da Causa Operária. Programador.

Coluna

Política imperialista testa relações entre Apple e China

O CEO norte-americano Tim Cook visitou o país asiático pela segunda vez em 2023 em momento de crise sem precedentes

No ano passado, celebraram-se 30 anos da relação que melhor representa o neoliberalismo, entre o monopólio norte-americano Apple e o governo chinês. É talvez a relação que melhor representa o que foi a economia capitalista nesse período, ditada pela política neoliberal. É também uma das poucas relações produtivas dessa era de total falência capitalista, ainda que tenha vindo às custas de grande exploração dos trabalhadores chineses.

Não é à toa que, pela segunda vez em 2023, o CEO da Apple, Tim Cook, viajou à China. O jornal chinês Global Times fez questão de saudar a passagem do executivo bilionário em reportagem publicada no dia 20 de outubro. A matéria celebra esse período de abertura econômica sem precedentes da economia chinesa e fala em cada vez mais investimentos vindos de França, Reino Unido e Canadá, para citar os três países que mais aumentam seus investimentos na China. Ainda segundo o Global Times, empresários como Cook representam o “capital racional”, empresários que escolhem “o mercado com o maior potencial, maior estabilidade e maior previsibilidade”, segundo avalia Li Yong, economista entrevistado pela matéria.

Antes de avaliar o significado dessa visita de Cook, e das colocações do jornal chinês, cabe uma breve história das relações entre Apple e China.

A Apple, empresa que atua no mercado de alta tecnologia e que frequentemente figura em nosso espaço neste diário, é a empresa com maior valor de mercado do mundo, a primeira do história a atingir uma valoração de US$3 trilhões. É a principal referência, talvez ao lado da fabricante de carros elétricos Tesla, quando se busca apresentar a superioridade econômica e tecnológica dos Estados Unidos sobre o resto do mundo.

Por outro lado, a China, segundo alguns analistas, já é a maior economia do mundo. Passou de ser mero ponto de manufatura para os produtos da Apple para ser um de seus principais mercados consumidores com sua cada vez mais numerosa classe média.

Essa “parceria” iniciou-se com a abertura do mercado chinês, principalmente seu mercado de trabalho, durante a restauração capitalista conduzida por Deng Xiaoping. A numerosa classe operária chinesa ficou, quase que de um dia para outro, disponível para um capitalismo muito debilitado que não conseguia nem mais extrair mais-valia de seus operários. A abertura representou um duro golpe na classe operária mundial, principalmente nas dos países mais desenvolvidos. Afetou também o Brasil. Basta ver o refluxo do movimento operário após a queda da ditadura militar, que só veio abaixo graças a ele, liderado por Lula.

A explicação é simples: a mão-de-obra chinesa era ofertada a um preço tão baixo que não era possível competir. E esse grau de exploração fez com que alguns monopólios imperialistas se reencontrassem com a lucratividade, algo que no final dos anos 1980 estava praticamente restrito à especulação nos mercados financeiros.

A superexploração da classe operária chinesa foi e ainda é um dos pilares do neoliberalismo e a Apple, o monopólio que talvez mais se beneficiou dessa situação. Enquanto essa aliança estava a pleno vapor, o capital foi exportado dos Estados Unidos, onde a mão-de-obra é caríssima graças à financeirização da economia (em resumo, o salário de um operário está praticamente comprometido com custos de educação, moradia e saúde, todos serviços privatizados), principalmente para a China, mas também para países vizinhos.

Mas Cook foi à China justamente porque essas relações, após 30 longos anos, enfrentam sua maior crise. São como dois filhos que atravessa uma separação dos pais. Principalmente desde a administração de Donald Trump, mas de forma continuada durante o governo de Joe Biden, o governo norte-americano impõe sanções cada vez maiores sobre empresas e indivíduos chineses, como forma de conter a penetração de empresas chinesas em mercados até então controlados de forma absoluta pelo imperialismo. Os chineses, sancionados, também buscam se afastar do imperialismo. Um dos maiores exemplos disso é o lançamento do último celular da Huawei, que traz consigo um chip que não é de última geração, como os presentes nos recém-lançados iPhone 15, mas é bem capaz, defasado em cerca de dois anos. O produto furou o embarco norte-americano aos sofisticados meios de produção necessários para fabricar esse tipo de chip e foi um sucesso entre a população chinesa não apenas pelo crescente nacionalismo no país, mas, segundo algumas análises, pela própria qualidade do produto.

Logo após o lançamento veio a notícia de que os lucros da Apple na China, principalmente com a venda de celulares, não estavam crescendo no ritmo que vinham crescendo ao longo dos últimos anos. A notícia foi alarmante, principalmente para Cook, porque há pelo menos cinco anos o mercado consumidor chinês é a principal alavanca de crescimento da Apple, que já atingiu seu limite nos países mais desenvolvidos.

Soma-se à crescente concorrência na China o crescimento dos salários chineses e a pressão para que a Apple saia do país por motivos políticos, em direção a Índia ou Vietnã, para onde representantes do governo norte-americano incansavelmente se dirigem em busca de acordos econômicos à moda chinesa para seus monopólios.

A visita de Cook é, portanto, um aceno à China, onde a Apple possui boa parte de sua cadeia produtiva e goza da boa infraestrutura lá instalada para fácil fabricação e distribuição de seus produtos. Mas é um aceno tímido. A pressão para que a empresa saia do país asiático é grande. O governo chinês, por outro lado, parece querer se colocar como referência no que diz respeito à administração da economia capitalista e fala em “capital racional”, o que não poderia ser mais contraditório para um governo que se diz comunista. A relação entre os dois, finalmente, sempre foi contraditória.

Será que os chineses acreditam que empresas imperialistas estarão dispostas a competir com empresas chinesas, cada vez mais competitivas? Será que acreditam que esses empresários estarão dispostos a pagar salários cada vez mais altos aos trabalhadores? Por outro lado, quais são as alternativas ao imperialismo? Onde há infraestrutura pública, de transporte, energia e processamento de matérias-primas, para a fabricação eficiente de seus produtos? Trazer as fábricas de volta para os Estados Unidos só será possível se forem completamente automatizadas…

Em câmera lenta, essa relação “de sucesso”, que durou por 30 anos, está se desfazendo, mas ainda é difícil prever o que vai acontecer. De qualquer forma, a relação Apple-China ainda deve ser uma boa bússola para compreendermos a situação da economia capitalista global, mesmo nesse momento de crise.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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