O colunista da Folha de São Paulo, Hélio Schwartsman, publicou um texto na edição da última quinta-feira (6), com o título “Excesso de liberdade”, onde ele propõe discutir a validade da anulação de todos os processos da Lava Jato contra Marcelo Odebrecht, promovida por decisão monocrática do juiz e ministro do STF, Dias Toffoli.
A discussão surgiu porque o procurador-geral da República, Paulo Gonet, recorreu dessa decisão de Toffoli. Ele exige que o ministro reconsidere sua deliberação ou submeta-a ao plenário.
A questão colocada pelo colunista é de que Toffoli está tendo que passar por cima do que falou o próprio Odebrecht, que confessou seus supostos crimes em uma delação premiada. A decisão de Toffoli, no entanto, tem embasamento em um problema real: essas confissões foram conseguidas sob coerção, mediante ameaça de tortura. Naquele momento, Odebrecht estava ameaçado de ir para a prisão, portanto sua confissão não tem nenhuma validade. A delação premiada é, nesse sentido, uma instituição criminosa que não deveria ter nenhuma validade legal.
Porém, o sr. Schwartsman não tem a mesma opinião. Ele, inclusive, se coloca a filosofar de forma superficial: “Sob quais condições uma confissão pode ser considerada voluntária e livre? Sem nenhum tipo de constrangimento, isto é, guiando-se apenas por seus desejos, ninguém jamais admitiria ilícitos, principalmente quando fazê-lo implica amargar uma sanção penal. O que importa é o nível desse constrangimento. Uma confissão sob tortura decerto precisa ser anulada. Mas e uma prisão preventiva? Estar na cadeia basta para macular a volição do acusado?”, indaga o articulista.
Toda essa filosofia barata, no entanto, serve apenas para complicar a discussão. A questão da validade da confissão não tem nada de filosófico ou de subjetivo. Uma confissão conseguida sob coerção é totalmente ilegal. A coerção não implica necessariamente uma tortura ao estilo do que faziam os militares na época da ditadura, embora não se possa saber o que realmente ocorria com acusados e testemunhas nos “porões” da Lava Jato). Coerção ocorre sempre que o Estado se utiliza de sua força para obrigar alguém a assumir uma determinada posição.
Além disso, não se pode negar que a prisão é uma forma de tortura em si. E, no caso da Lava Jato, a prática criminosa foi além: não só ameaçaram e prenderam as testemunhas e acusados, mas também os seus familiares, isso sem falar na pressão causada pela própria investigação e pelo processo judicial. O próprio caso da ex-esposa de Lula, Marisa Letícia, é ilustrativo disso. Sua morte foi causada pela pressão e pelas práticas da Polícia Federal e do Poder Judiciário contra ela.
O próprio autor acaba, sem querer, chegando à conclusão de que Odebrecht agiu por coação do Sistema Judiciário. Mais para frente na matéria, ele afirma: “Marcelo Odebrecht, assistido por alguns dos melhores advogados do país, analisou sua situação penal e concluiu que a confissão era o que melhor servia a seus interesses”. Nesse sentido, está claro que ele confessou porque os seus advogados concluíram que ele corria grande perigo de se prejudicar. Afinal de contas, em qual outro tipo de situação que a confissão de um crime poderia servir aos interesses de alguém?
Toda a filosofia barata do autor serve para mistificar essa discussão, que é bem direta e reta. Não satisfeito em filosofar por conta própria, ele também pega emprestado um pouco do Existencialismo: “Para o filósofo francês [Jean-Paul Sartre], a liberdade é sempre situada. Escolhemos o que fazemos, mas não as condições em que a escolha se dá. A liberdade não é uma bênção, mas uma condenação. E quanto mais dramática a situação, mais nos engajamos em exercê-la”. Toda essa conversa um tanto quanto esdrúxula cumpre tão somente a função de justificar uma sociedade que persegue e impede a população de se expressar livremente.
Por fim, é fundamental destacar o papel criminoso que a imprensa capitalista (que se diz nacional, mas serve aos interesses do imperialismo) teve em todo o processo da Lava Jato: os jornais da burguesia permitiam amplificar e potencializar toda a pressão e tortura realizadas pelo aparato legal do estado burguês. A Folha de São Paulo e semelhantes procuravam expor e pressionar todos aqueles que os lavajatistas procuravam perseguir.
E, no caso do texto atual de Schwartsman, chama atenção o fato de eles estarem defendendo uma ideia tão absurda quanto a de que a não é possível avaliar o grau de “liberdade” com que se faz uma confissão. Isso prova que eles nunca deixaram de ser lavajatistas. Nesse momento, com Barroso na presidência do STF, é possível que estejam, inclusive, planejando uma nova etapa de ofensiva, coordenada pelo imperialismo.