Antes do dia 7 de outubro de 2023, quando o Hamas lançou a operação Dilúvio de al-Aqsa, contra “Israel”, o maior inimigo do imperialismo no planeta era o presidente da Rússia, Vladimir Putin. Em fevereiro um agente norte-americano na Rússia, chamado de opositor ao governo, Alexei Navalni, faleceu no cárcere. Foi mais uma notícia usada por toda imprensa imperialista para atacar o governo Putin. No entanto, o que não se esperava é que os autoproclamados trotskistas da França se uniriam à campanha contra Putin. Foi o que houve com o Revolution Permanent que publicou o artigo “Rússia: o funeral de Navalny se transforma em mobilizações contra Putin e a guerra”.
O artigo começa abordando o velório de Navalni: “ao meio-dia, a multidão de apoiadores que queriam se despedir de Navalni começou a se reunir ao redor da igreja onde ocorreria a vigília. Como há dois anos, no início das manifestações não declaradas contra a guerra na Ucrânia, o clima em Moscou estava elétrico: como prever quantas pessoas compareceriam ao funeral de uma figura cuja organização é declarada extremista pelo Estado russo? Rapidamente, uma fila de algumas centenas de metros se formou, depois um quilômetro, depois dois, depois três, que acabaram cercando todo o bairro. A magnitude era surpreendente, inesperada, mesmo para os apoiadores de Navalni. Não eram apenas funerais; eram também milhares de pessoas descendo às ruas de Moscou contra o regime de Putin”.
Pelo tom inicial do texto fica claro que o RP considera Putin como um ditador terrível que deve ser derrubado. O que não ficou claro é qual a posição do partido francês sobre as relações diretas de Navalni com o imperialismo dos EUA e seu histórico como político fascista na Rússia. Não seria problemático um protesto contra Putin, na defesa de alguém que foi apoiado diretamente pelos EUA?
O texto segue: “é claro que também havia um desejo sincero de se despedir da principal figura da oposição. Ao culto da personalidade oficial do chefe de Estado, as forças liberais opuseram um culto de personalidade alternativo de Navalni”, O mais importante aqui é a acusação de culto à personalidade, típica do imperialismo. É proibido ao presidente Putin ser popular. Ele só pode ser objeto de um culto. É a mesma campanha que foi realizada contra Fidel Castro, ou contra Hugo Chavez. Já Angela Merkel, que governou por um tempo semelhante, jamais sofreu com as mesmas críticas.
O artigo então cita as palavras de ordem que foram cantadas durante o ato: “a Rússia será livre!”, “Liberdade aos prisioneiros políticos!”, “Putin assassino!”, mas também, algo extraordinário nas condições políticas atuais, slogans anti-guerra. Contra o militarismo e o chauvinismo anti-ucraniano promovidos pelo Estado, a manifestação gritava nas ruas de Moscou: “Não à guerra!”, “Os ucranianos são pessoas boas”, “Tragam os soldados para casa!”. 128 pessoas foram detidas em 19 cidades russas onde ocorreram ações de comemoração ao político”.
Aqui a colocação já fica mais política. O RP claramente discorda da guerra de Putin na Ucrânia contra a OTAN. Para um partido que se encontra na França isso é um sinal terrível de direitismo. Na prática, a França está em guerra contra a Rússia por meio da OTAN. Portanto, mesmo que se considere a tese absurda de que a Rússia é um país imperialista, esta não é a política correta. Isto é semelhante a quando franceses atacaram a Alemanha durante a Primeira Guerra Mundial, ou seja, é um apoio à burguesia francesa, nesse caso um apoio à OTAN. Contudo, dado que a Rússia não é a Alemanha, mas sim um país oprimido, essa tese é ainda mais reacionária.
Logo a seguir os franceses taxam, tal qual o Le Monde, o governo Putin de ditadura: “um evento desse tipo é extraordinário na Rússia. Desde 2021, o regime russo tomou uma guinada repressiva significativa, movendo-se contra dezenas de milhares de opositores, reprimindo violentamente os protestos contra a prisão de Navalni e contra a guerra na Ucrânia”. O Interessante é que o RP ignora que desde a guerra da Ucrânia a popularidade de Putin cresceu muito, não só na própria Rússia, mas em todo o planeta. Ante essa realidade, essa suposta política repressiva não faz muito sentido.
A tese do partido fica mais fraca quanto eles citam sua fonte “o veículo de investigação russo Proekt estima que esse nível de repressão é sem precedentes na Rússia pós-soviética e supera o direcionado aos dissidentes soviéticos sob Khrouchtchev e Brejnev”. O portal citado é ligado diretamente ao imperialismo, seu editor, Roman Badanin, trabalhou na Forbes e estudou na universidade de Stanford nos EUA. Mas as suas posições políticas denunciam seu pró-imperialismo.
Ao se abrir o portal no domingo (2/3), o artigo em destaque é “Sua guerra: um filme que revela como Putin começou a guerra na Ucrânia em 2014”. Ou seja, a fonte citada para comprovar a suposta ditadura de Putin defende o golpe de Estado na Ucrânia em 2014! Com uma política tão pró-imperialista fica claro que o Proekt é, na verdade, uma típica ONG imperialista travestida de jornal na Rússia.
Para embasar seu ataque ao governo da Rússia, o RP inventa uma instabilidade no governo: “o episódio de hoje se soma a outros sinais de instabilidade política no regime russo nos últimos anos. O golpe militar de Prigozhine foi bem recebido por algumas camadas do exército e da população, assim como o pogrom anti-judaico em que centenas de homens participaram na República do Dagestão, são expressões profundamente reacionárias. Os confrontos entre a polícia e milhares de habitantes da república nacional do Bashkortostan em defesa de um ativista ambiental local são uma expressão mais progressista”. A insurreição de Prigozhin foi na verdade uma demonstração do extremo oposto: mostrou quão sólido é o regime da Rússia, que resolveu o problema sem nenhum desgaste. O evento no Daguestão, por sua vez, e também no Bashkortostan, são totalmente periféricos.
O que o RP tenta provar com sua argumentação é que Putin não é popular em seu país. A Rússia (cujo governo milhares de vezes mais estável que o governo Macron) não seria o regime político mais estável da Europa. Ela seria, pelo contrário, um país com uma gigantesca oposição e cheio de crises e que só se sustenta por meio de uma ditadura. Ou seja, a tese do RP é a mesma tese de toda imprensa imperialista. Isso demonstra o nível de direitismo que possui o partido.
A conclusão do texto é um atestado de pró-imperialismo. Finalmente aparece a exaltação a Navalni. O RP afirma: “Os meios de comunicação liberais russos e estrangeiros falam de uma oposição decapitada, de russos anti-Putin órfãos. De fato, os russos não podem mais depositar suas esperanças no homem providencial que derrubará o regime de Putin por sua coragem individual, superando todos os obstáculos em seu caminho, venenos, comas, prisões. Ele morreu. Mas na sexta-feira, vimos uma força coletiva de milhares de pessoas que desafiaram o confronto com a polícia para realizar espontaneamente a maior expressão anti-guerra desde 2022. A morte de Navalny encerra o fim de uma era política. O dia de hoje anuncia o início de outra”.
Os pseudo trotskistas, ao invés de desmascarar a campanha da imprensa imperialista, revelando que Navalni é um agente do imperialismo que tinha como objetivo participar de um golpe contra Putin, fazem o exato oposto. Adotam a mesma posição da imprensa e elogiam Navalni. O Revolution Permanent deveria ler menos o Le Figaro e o Le Monde Diplomatique e estudar o livro Revolução Permanente, de Leon Trótski, que explica em poucas palavras como se trava a luta da classe operária nos países oprimidos.