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Coluna

O racha da esquerda alemã

"A pretensa superioridade acadêmica como locus do conhecimento ainda não perdeu seu lugar na Alemanha, como ocorreu no Brasil, mas sua falibilidade é evidente"

A ruptura entre Sahra Wagenknecht e o Linkspartei foi rápido, mas decorreu de uma longa caminhada de disputas e também da migração do eleitorado para a AfD, o partido de extrema-direita. Embora seja a estrutura e funcionamento das instituições e do sistema eleitoral alemão bem diferentes do Brasil, a esquerda por lá vem perdendo eleitorado para a extrema-direita. Além disso, essa ruptura revela que em algum momento a esquerda pragmática e conciliadora perde espaço para a extrema-direita e uma parte de sua própria composição, aquela que insiste em manter os princípios e fundamentos que sustentam uma esquerda menos pragmática, por assim dizer. É bom lembrar que, tanto no Brasil quanto na Alemanha, a esquerda tem dificuldades de sustentar uma postura revolucionária e tende a procurar conciliar com os interesses da burguesia, e, assim, acaba perdendo uma boa parte do eleitorado para a extrema-direita. No caso alemão, a adesão se dá, sobretudo, pela resistência dos eleitores em aceitar as políticas de imigração defendidas pelos demais partidos e também pela burguesia, mas rejeitada por uma parte considerável dos eleitores alemães.

O medo do comunismo

A medida que vem perdendo eleitorado para a extrema-direita, a esquerda alemã mais moderada – SPD e Grüne – procura cada vez mais a conciliação, ao passo que a extrema-esquerda caminha para as pautas identitárias, o que não gera resultados nas urnas. A gota d’água entre Sahra Wagenknecht e o Die Linke Partei foi seu posicionamento abertamente sustentado em relação à guerra na Ucrânia. Todos os partidos apoiaram a Ucrânia, com um discurso mais ou menos divergente, como no Die Linke que, embora também tenha apoiado, fez uma campanha contra os investimentos públicos em armamento, como exigiu a OTAN. Em uma manifestação contra o fornecimento de armas à Ucrânia, a favor de um cessar-fogo e de negociações de paz imediatas, bem como do desarmamento na Alemanha, Sahra discursou e logo saiu da manifestação, a qual foi apoiada também por políticos de esquerda. Não houve confronto com seu partido, mas ficou claro o fundamento para o rompimento e a fundação de um novo partido de esquerda.

O discurso anti-imperialista aparece sutil e raramente em pouquíssimas matérias de jornais, mas não chega a ser uma pauta nem da esquerda, nem do novo partido de Sahra Wagenknecht.

Técnica e Ciência como ideologia

A Alemanha tem uma sólida base educacional e, sobretudo, acadêmica. Claro que não está livre de críticas, no entanto, os parlamentares e governantes são doutores e os partidos políticos investem muito na formação acadêmica de seus membros, além de financiarem estudos dentro e fora da Alemanha. As carreiras são estruturadas entre técnicos, o que corresponde a uma boa parte da classe operária, e professores, estes últimos seguem para pesquisa, que por tradição é atrelada  prática. Trata-se de um mecanismo bem estruturado para resultar em uma máquina burocrática que nem sempre atinge sua finalidade, mas mantém um funcionamento razoável. A produção cientifica é controlada pelos professores, em uma estrutura hierárquica bem definida. O método cientifico é o grande mote, mais do que a criatividade, eu diria. Os investimentos públicos na formação acadêmica e pesquisa são consideráveis e há um sistema de colaboração entre os Estados para avaliação dos resultados, o que está previsto na Lei Fundamental e também na legislação infra-constitucional.

A organização da classe operária, por outro lado, também é evidente, mas do ponto de vista ideológico, não é mais desenvolvida que no Brasil, já que este sistema educacional privilegia mais a própria estrutura do que seu desenvolvimento. É como um cão correndo atrás do próprio rabo: a percepção da realidade se dá por uma metodologia muito rígida, os resultados das pesquisas são, portanto, limitados a ela. No entanto, a realidade se complexifica numa velocidade muito maior, assim como os problemas, de modo que a produção cientifica não se mostra capaz de superá-los a tempo. Então, é por meio deste mecanismo que os setores burgueses financiam pesquisas a fim de manter a defesa de seus interesses. A ideologia partidária parece se perder neste ambiente acadêmico, descolando-se de um ideal revolucionário e verdadeiramente transformador da sociedade para manter o “avanço” da democracia.

O ambiente acadêmico é um aquário, é rarefeito, o sujeito perde a noção da realidade” (Rui Costa Pimenta, Análise Política da Terça, 23/1/2024).

Tal qual no Brasil, os escritos de Marx foram cuidadosamente separados pelo método cientifico positivista e o idealismo alemão manteve-se como fundamento do Direito, cuja tradição é solida na Alemanha. A pesquisa empírica é rechaçada por boa parte dos professores. A metódica jurídica, portanto, é apartada do método empírico positivista da Ciência Política, provocando um abismo insuperável e numa casta de juristas que ainda têm a última palavra sobre a validade das decisões governamentais, embora o ativismo judicial seja bem menor do que no Brasil, devido à rigidez metodológica decorrente da tradição jurídica germânica. 

A burocracia alemã que atua por meio do Bundesrat e muitas vezes os pareceres técnicos dos burocratas são utilizados pelos políticos que atuam neste Conselho. A social-democracia sustenta-se, assim, por diversas influências financiadas por setores públicos e privados e sistematizadas em disciplinas bem delimitadas, e, fundadas em um conhecimento considerado como universalmente válido, científico e racional que não está sujeito a mudanças históricas. As lições de Lenin neste contexto não passam de panfleto partidário, avaliados por metodologias que se limitam à epistemologia. Ora, a tal episteme é evidentemente contrária à realidade concreta! O ideal revolucionário é afastado convenientemente por uma produção cientifica apenas formalmente válida, mas substancialmente longe da realidade concreta.

A burguesia acadêmica e a revolução proletária

A pretensa superioridade acadêmica como locus do conhecimento ainda não perdeu seu lugar na Alemanha, como ocorreu no Brasil, mas sua falibilidade é evidente, assim como parece restar claro também para a classe operária alemã que uma verdadeira transformação social é urgente e absolutamente necessária. Não sugiro que o conhecimento acadêmico seja ignorado, ao revés, para vencer o sistema e transformá-lo, é preciso entendê-lo profundamente, sem perder de vista a revolução que almejamos, e que, sem luta, não teremos vitória.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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