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Ricardo Rabelo

Ricardo Rabelo é economista e militante pelo socialismo. Graduado em Ciência Econômicas pela UFMG (1975), também possui especialização em Informática na Educação pela PUC – MINAS (1996). Além disso, possui mestrado em sociologia pela FAFICH UFMG (1983) e doutorado em Comunicação pela UFRJ (2002). Entre 1986 e 2019, foi professor titular de Economia da PUC – MINAS. Foi membro de Corpo Editorial da Revista Economia & Gestão PUC – MINAS.

Coluna

O Impasse da guerra na Ucrânia

"O líder da Ucrânia, Volodymir Zelenski, não planeja ceder. Para ele, não há como entrar em negociação com a Rússia"

A vitória “acachapante” de Putin nas eleições presidenciais mostra que o Estado russo não está em crise política e que o regime politico vigente se mostra fortalecido e capaz de enfrentar não só os desafios da Guerra na Ucrânia, como os da construção de uma economia soberana, estável e capaz de um dinamismo ainda maior do que apresentava antes da guerra. Como presidente dos Brics em 2024, Putin deverá impulsionar a agenda multipolar, abrindo espaço para reforma econômicas importantes que implicam na redução da órbita de influência do imperialismo. Embora a indústria da guerra seja um elemento importante da economia russa, como mostram os inegáveis avanços tecnológicos que tornou possível a vitória na guerra na Ucrânia até agora, ela não é o motor da economia russa. A ameaça de uma crise militar foi enfrentada e venceu o governo Putin e seu alto comando contra um grupo mercenário ativo e vitorioso em muitas empreitadas.

Já o imperialismo encontra-se em uma crise política profunda, com o Estado imperialista mais importante fracionado entre duas alternativas políticas antagônicas, e apresentando cada vez mais uma dificuldade estrutural de manutenção de sua hegemonia ideológica interna e externa. O regime político ocidental é cada vez mais ditatorial, com uso da censura nas redes, o discurso único da mídia e a perseguição política pura e simples dos adversários. Do ponto de vista econômico a crise é ainda maior, com a incapacidade dos EUA de manter uma vanguarda no campo tecnológico e ter que apelar para uma política intervencionista com as sanções contra a Rússia e China e uma perspectiva cada vez maior do recurso ao protecionismo econômico como forma de manter o controle de seus mercados e alguma vantagem comparativa para sua claudicante indústria. 

A guerra na Ucrânia não é simplesmente um fracasso da estratégia militar ou do comando militar ucraniano, que são evidentemente fracassadas, mas da falência do mito da superioridade militar do Ocidente e principalmente de seus avanços tecnológicos neste terreno. Os famosos e avançadíssimos blindados norte-americanos fracassaram totalmente, sendo facilmente destruídos pelos russos. A artilharia ucraniana, baseada também nos últimos avanços ocidentais, foi facilmente enfrentada e derrotada pelos russos. Os mortais misseis hipersônicos russos fizeram um arraso geral no exército ucraniano. Isso sem falar do fato notório de que grande parte das armas adquiridas pelas FFAA ucranianas são vendidas no mercado negro para todos os quadrantes do planeta. 

Hoje é patente a derrota da Ucrânia perante as tropas russas, pois o contingente militar ucraniano foi dizimado pelas forças russas. Sobra às FFAA ucranianas praticar terrorismo contra a população civil e a infraestrutura russa com o uso de drones. De outro lado, a crise política norte-americana estabeleceu o “secamento” dos recursos bilionários concedidos a Kiev pelo simples fato de que a Câmara americana, controlada pelos republicanos, se recusa a colocar em votação o projeto do Governo Biden de fornecer estes recursos à Ucrânia. 

A base aérea norte-americana de Ramstein, na Alemanha, acolheu recentemente a 20.ª reunião dos países aliados para coordenar a ajuda militar à Ucrânia. Quase cinquenta Estados presentes com seus principais líderes militares e de defesa, com o objetivo de abordar o envio de mais armas para que a Ucrânia possa, se não retomar a iniciativa no front, pelo menos enfrentar os ataques do exército russo.

Nada foi decidido formalmente, pois, como diria Javier Milei, “No hay Plata”. 

A Polêmica proposta de Macron

Em uma reunião com outros líderes europeus em fevereiro passado, o Presidente francês Emmanuel Macron afirmou que o Ocidente “não pode excluir” a possibilidade de enviar soldados para ajudar a Ucrânia. “ A declaração provocou reações imediatas de Olaf Scholz, primeiro-ministro alemão, contra a proposta. Vários outros líderes se manifestaram contra. Macron, até agora, apresentou um comportamento em que nega e depois afirma que já há uma decisão a respeito. O próprio Serviço de Inteligência externa russo afirmou que detectou movimentos no sentido da França enviar cerca de 2000 soldados para a frente de guerra. 

A reação do governo Putin foi imediata. Segundo Putin, líderes ocidentais estariam se intrometendo em uma questão interna. Ele revelou ainda que possui um “arsenal nuclear amplamente modernizado, o maior do mundo”. Irritado, o líder russo afirmou também que “as forças nucleares estratégicas estão em um estado de prontidão total” e ainda pediu para que os políticos ocidentais relembrem o destino de pessoas como Adolf Hitler, da Alemanha nazista, e Napoleão Bonaparte, da França, que invadiram a Rússia no passado e fracassaram. “Agora, as consequências serão muito mais trágicas”, disse Putin. “Eles acham que a guerra é uma brincadeira”, completou.

As oscilações de Macron revelam, no entanto, que a intenção do imperialismo é, em primeiro lugar, manter a guerra e podendo chegar até, no limite, ao envio de tropas para a frente de guerra. A reação de Putin foi ambígua, pois, ao mesmo tempo que ameaçou com o uso de armas nucleares, aludiu às derrotas europeias frente ao exército russo, em operações tradicionais de guerra. Outro aspecto é que fica parecendo uma reação desproporcional de 2000 soldados contra armas nucleares. 

A Economia de Guerra

A proposta alemã pode ter uma capacidade pouco maior de se viabilizar, embora sejam medidas de médio ou longo prazo. No dia 12 de fevereiro de 2024 – em entrevista concedida à AFP – o primeiro-ministro Olaf Scholz afirmou que projeto do seu governo é superar a crise econômica e assumir a liderança militar da Europa. Nessa entrevista, Scholz chamou os europeus a “produzirem material militar em massa” e defendeu a necessidade de que a Alemanha “abandone sua indústria manufatureira para concentrar-se na produção de armamento em larga escala”, porque “nós não estamos vivendo em um tempo de paz”.

O líder alemão quer matar dois coelhos com uma cajadada: resolver o impasse da guerra na Ucrânia e viabilizar a superação dos problemas das economias europeia, todas ameaçadas com a estagnação econômica. 

A Previsão da Comissão Econômica Europeia é que, em 2024, haverá um crescimento do PIB de apenas 0,9%, e o Banco da Inglaterra está prevendo um crescimento de 0,25% no Reino Unido. O quadro na Europa é de estagnação econômica, com altas taxas de juros, de inflação e de desemprego. Ao mesmo tempo, há um crescimento das greves e os protestos sociais, juntamente com um avanço de partidos de extrema-direita, que obtém cada vez maior força eleitoral, colocando em risco os próprios fundamentos ideológicos e políticos da União Europeia.

A Alemanha sentiu mais fortemente o impacto da guerra, com a queda do PIB em 0,4% no último trimestre de 2023, e as previsões são de queda de 0,1% no ano de 2024. A economia alemã tem se caracterizado por uma grande perda de competitividade, e vêm sofrendo um importante processo de desindustrialização em função da falência dos Nord Stream 1 e 2. Houve uma alta de 41% dos custos da energia, as greves de transporte são muito frequentes e extensas, e os protestos dos agricultores alemães são cotidianos. Do ponto de vista político, o partido Alternativa para a Alemanha (AFD) tem cerca de 19% dos eleitores, e pode se tornar o segundo maior partido alemão. Poderá ter um papel relevante nas eleições parlamentares de 2025, obtendo uma votação que possibilite sua ida para o poder apesar da possuir um perfil fascista ou até mesmo nazista, fazendo a defesa de posições xenófobas, anti-islâmicas, e favoráveis à retirada alemã da União Europeia.

No governo passou a dominar o setor mais militarista, sob a direção da ministra de Relações Exteriores, Annalena Baerbock, e do ministro da Defesa, Boris Pistorius, em estreita coordenação com a presidenta da Comissão Europeia, a Sra. Ursula von der Leyen, que havia sido ministra de Defesa da Alemanha entre 2013 e 2019.

Não é à toa que a Alemanha tornou-se o segundo maior fornecedor do armamento utilizado pelo governo Zelensky contra as tropas russas.

No final de 2023, o ministro da defesa Boris Pistorius divulgou as “Novas Diretrizes da Política de Defesa da Alemanha”, um documento de 19 páginas – o Zeitenwende – que define como novo objetivo estratégico das Forças Armadas alemãs transformar-se na “espinha dorsal da dissuasão e da defesa coletiva de toda a Europa”. Ao mesmo tempo, Boris Pistorius divulgou a elevação do gasto militar alemão para 2% do orçamento federal em 2024, e para 3 e 3,5%, em 2025 e 2026. Com total apoio da Sra. Ursula von der Leyen, que anunciou sua candidatura à reeleição para a chefia da Comissão Europeia prometendo para breve “uma nova estratégia de defesa para a Europa” e se propondo a “gastar mais, gastar melhor e gastar sobretudo com armamentos produzidos na própria Europa, utilizando-se da experiência na Ucrânia, para ultrapassar a Rússia”.

Essas mesmas propostas foram levadas à Conferência Estratégica de Munique, realizada de 17 a 19 de fevereiro, e caraterizada pelo vazamento de uma informação “confidencial” atribuída a Bundeswehr, pelo tabloide sensacionalista alemão Bild, que ameaçava uma invasão russa do território da OTAN para o ano 2025. 

Hoje, a meta da Alemanha de Olaf Scholz, e da Comissão Europeia de Ursula von der Leyde é estruturar uma “economia de guerra”. Uma economia de guerra liderada pela Alemanha, que abriria mão de sua indústria manufatureira para transformar-se na cabeça de um complexo militar, integrado a partir da própria Alemanha, envolvendo os demais países europeus, segundo as “vantagens comparativas” de cada um deles. 

O novo projeto alemão para a União Europeia conta com o apoio dos Estados Unidos e, se tiver sucesso, confirmará o declínio e a perda de protagonismo da França, mesmo dentro da Europa. E seria uma compensação pela destruição dos gasodutos do Báltico, os Nord Stream 1 e 2, que teriam sido fundamentais para o sucesso da economia alemã. Esta nova configuração de forças dentro da Europa deverá ser sacramentada pela escolha do primeiro-ministro holandês Mark Rutte para o cargo de Secretário Geral da OTAN, no lugar do norueguês Jens Stoltenberg, com o apoio exatamente dos Estados Unidos, da Inglaterra e da Alemanha. Rutte é membro do Partido Popular para a Liberdade e Democracia, da extrema-direita holandesa, militarista, xenófoba e anti-islâmica, mas muito próximo das posições belicistas e “russofóbicas” da Sra Von der Leyden, e do ministro de Defesa alemão Boris Pistorius. Neste sentido, é provável a escolha de Mark Rutte para o comando da OTAN.

Isso deve favorecer o processo de centralização do poder que está ocorrendo dentro da Europa, e que aponta para Berlim. Se tudo correr como está planejado, em 5 ou 10 anos mais, a Alemanha somará à sua ascendência econômica e à sua tutela financeira da Europa, sua nova preeminência militar, incluindo sua influência sobre a OTAN, através de Mark Rutte, alcançando finalmente a hegemonia dentro do Velho Continente que vem buscando sem sucesso – por vários caminhos – desde o século XIX.

Essa estratégia vem sendo concebida junto com o governo Biden, mas deve se manter mesmo em caso de vitória de Donald Trump. Se Trump vencer, é possível que a Alemanha recorra a um novo Acordo de Munique, para assegurar a cobertura atômica da Inglaterra, no caso de uma iniciativa nuclear alemã não contasse com a cobertura atômica dos Estados Unidos. De qualquer maneira, o objetivo da Alemanha, neste momento, não é guerrear com a Rússia; é montar e comandar uma “economia de guerra” europeia, mas mesmo assim esse projeto demandará pelos menos uns 5 anos de “carência”, daí a necessidade alemã de que a Guerra da Ucrânia se prolongue na forma de uma “guerra de atrito” que não tenha vitoriosos.

A opção da guerra nuclear não é viável

A lógica da situação do imperialismo é de que o Ocidente não pode aceitar uma derrota na guerra da Ucrânia. Como a derrota é fragrante, há que apelar para subterfúgios, e não descartar até mesmo guerra nuclear.

De acordo com uma pesquisa realizada em 2022, por cientistas da universidade de Rutgers, nos Estados Unidos, uma guerra nuclear poderia matar até 5 bilhões de pessoas devido ao impacto não somente das bombas e destruição, mas também da fome global desencadeada pela fuligem que bloquearia a luz solar.

Além das mortes em massa, outra consequência de uma guerra nuclear é a questão ambiental, já que a radiação contaminaria o ar, a água e o solo. Uma instabilidade geopolítica e um colapso econômico de todo um (ou mais) continentes também poderia ser observado após o início do conflito nuclear.

Putin fala de uma bomba que pode atingir mais de dez cidades ao mesmo tempo. Para Putin, é inadmissível uma agressão de algum país da OTAN às forças russas. “Vou lembrá-lo do que estamos falando: a desnazificação da Ucrânia, sua desmilitarização, seu status neutro”, afirmou o líder russo. O presidente da Rússia se diz aberto às negociações, mas o Ocidente não aceita ceder os territórios conquistados pela Rússia. 

O líder da Ucrânia, Volodymir Zelenski, não planeja ceder. Para ele, não há como entrar em negociação com a Rússia. O líder ucraniano pede que os cidadãos mantenham a “resiliência” e informa que não pretende mudar a estratégia, recuperando territórios tomados, inclusive a Crimeia, capturada em 2014.

O impasse deve continuar, a não ser que a Rússia resolva avançar e derrotar definitivamente o regime fascista de Kiev. Até o momento o Kremlin não optou por esta estratégia.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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