País membro do braço militar do imperialismo na Europa, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), Portugal ganhou as manchetes do País após seu presidente, Marcelo Rebelo, declarar que a nação ibérica “assume total responsabilidade” por supostos erros na história do império português, que segundo o líder do país, teria “custos”. “Temos que pagar os custos”, afirmou, acrescentando que, “há ações que não foram punidas e os responsáveis não foram presos? Há bens que foram saqueados e não foram devolvidos? Vamos ver como podemos reparar isso”, disse, para alegria dos identitários e o espanto das pessoas normais.
O primeiro problema é a impossibilidade prática do país europeu “devolver” o que teria sido saqueado das colônias, a mais importante delas, o Brasil. Em meados do século XX, as extrações de ouro do atual estado de Minas Gerais durante o ciclo deste recurso foram estimadas em cerca de 50 mil libras esterlinas. Semanais.
Segundo o Banco Mundial, o Produto Interno Bruto (PIB, a soma de todas as riquezas produzidas por uma dada sociedade) de Portugal em 2022 foi ligeiramente superior a US$250 bilhões, pouca coisa maior, por exemplo, do que o da cidade de São Paulo (cerca de US$220 bilhões). Ainda que fosse acometido por um desejo genuíno de fazer o bem, a realidade de um país pobre entre as nações imperialistas trataria de se impor sobre sua loucura. Ocorre que Rebelo não é honesto, o que se verifica facilmente através da principal crise do planeta hoje: a questão Palestina.
Invadida há mais de cem anos e retalhada para abrigar um projeto colonialista, e racista, a Palestina é vítima hoje do que Rebelo diz abominar. E qual é a posição do governo português sob a questão?
“Não vamos tão longe como outros governos ainda no que diz respeito a um reconhecimento do Estado da Palestina”. É verdade que a frase não é do presidente, mas do primeiro-ministro Luís Montenegro, porém revela o quão demagogo foi Rebelo ao falar em reparação por supostos erros de séculos, quando o país está inclinado a fazer muito pior no presente.
Em outra demonstração do tamanho da desonestidade do presidente português, o governo lusitano é um dos que assinam a famigerada carta com muitos sinais de ter sido elaborada pelo governo sionista de “Israel” e que pede a libertação dos prisioneiros israelenses capturados pelo Hamas (a maioria militares), ignorando, porém, os milhares de palestinos presos pela ocupação colonial sionista. Ainda, nem por acaso a carta lembra que “Israel” já matou mais de 34 mil pessoas, praticamente todos civis e a imensa maioria, crianças e mulheres.
Não faltou, no entanto, idiotas para endossar a demagogia de Rebelo, como Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial. Em entrevista ao portal de notícias do G1 a ministra disse considerar a fala do presidente português “uma luta importante para o Brasil e também mundialmente falando”. “Essa declaração”, continuou a entusiasmada Anielle, “precisa vir seguida de ações concretas como o próprio presidente parece estar ali se comprometendo a fazer”, concluiu a ministra, que se notabilizou por considerar “buraco negro” uma expressão do racismo.
É outra demagogia barata, mas cabe lembrar que a escravidão é um fenômeno histórico que existiu, sendo parte de uma determinada etapa do desenvolvimento cultural do homem. Organizada à revelia do sofrimento infligido aos trabalhadores do período, mas que finalmente, deu-se até que o desenvolvimento das forças produtivas a superasse.
Não foi um fenômeno português, mas do sistema econômico e social, e o mesmo pode ser dito do sistema colonial. Nesse sentido, é fora da realidade desculpar-se pela escravidão ou por ter colônias.
É preciso lembrar ainda que sendo o Brasil não apenas uma das colônias portuguesas, mas a mais desenvolvida e importante delas, é da história do País que Rebelo fala quando toca nos dois temas. Qual a legitimidade de Rebelo para tal, é um mistério, porém o povo brasileiro hoje é o resultado de todo esse processo histórico, o que inclui os dois fenômenos apontados como “criminosos” pelo presidente português.
Este fato torna as colocações de Rebelo e da ministra identitária um ataque aos brasileiros de hoje, que não tiveram nenhuma relação com nada do que aconteceu séculos atrás, que são os herdeiros desse desenvolvimento. Levando-se às últimas consequências as colocações do português, poderia-se deduzir um genocídio da maioria do povo brasileiro, o que a julgar pelo apoio de Rebelo a “Israel”, não seria nada tão estranho.
Não se sabe o que o presidente português propõe concretamente, se o sequestro de brasileiros que não sejam índios, ou uma compensação financeira impossível a Portugal. É certo, porém, que enquanto no passado remoto, a colonização portuguesa construiu no continente americano uma civilização admirável em um país colossal. Querer destruir isso hoje é muito mais reacionário do que os feitos contraditórios do nosso processo colonial. Se Rebelo quer se desculpar, deveria antes fazê-lo por seu ataque ao Brasil.