A narrativa que Israel e seus defensores tentam nos impor é de que antes de 7 de outubro de 2023, entre o Rio Jordão e o Mediterrâneo havia um país em paz, com equidade, justiça social e democracia. Tanto é verdade que uma festa para a juventude israelense ocorria poucas quadras distante dos muros do campo de concentração, onde estavam aprisionados “terroristas” perigosos – em sua maioria mulheres e crianças. Eis que, subitamente e sem qualquer motivo, um bando de “pessoas más”, árabes perversos e assassinos, fugiu da prisão de Gaza, matando e sequestrando inocentes. Por que razão fariam isso, se vivem num país que celebra há poucos metros a liberdade, a vida e a democracia? O mundo imediatamente se solidarizou com os pobres israelenses pegos de surpresa enquanto celebravam seu amor pela vida. Os relatos imediatos sobre “estupros”, bebês em fornos e crianças com suas “cabeças decepadas” foram disseminados largamente pela imprensa ocidental, e com o correr das semanas mostraram-se absolutamente falsos, mas a mídia continuava a oferecer a imagem de uma luta do bem (o ocidente) contra o mal (o oriente).
Para fazer prevalecer a perspectiva sionista era necessário dar a entender que o 7 de outubro era uma espécie de “big bang”, a explosão primordial de revolta árabe que deu início a uma reação intensa de vingança e retaliação. Com esta perspectiva, os israelenses – e 90% da imprensa corporativa ocidental – procuravam apagar o Nakba (a catástrofe de 1948) e o que se seguiu: 7 décadas de torturas, mortes, assassinatos, violências, massacres, despejos, desrespeito e a tentativa de eliminar o povo palestino de seus direitos, expulsando-o de sua própria terra. Para justificar suas ações retaliatórias desproporcionais, que atingem crianças e mulheres em sua maioria, desumanizam o povo palestino chamando-o de “animais”, e usam o termo “terrorista” para se referir aos combatentes do Hamas e outros grupos de resistência, rotulando negativamente os guerreiros que lutam há décadas, sem recursos e sem exército, pela dignidade do seu povo, resistindo à ocupação violenta e ilegal.
Todavia, as táticas de controle da narrativa e desinformação produzidas pela mídia corporativa não podem funcionar indefinidamente. Não é mais possível mentir para todos o tempo todo. A “carta do holocausto”, usada como salvo-conduto para as atrocidades de Israel, não está mais funcionando, como já alertava Norman Finkelstein em seu livro “A Indústria do Holocausto”. Não há como justificar o morticínio palestino usando como desculpa algo que vitimou as comunidades judaicas na Europa há um século, e uma tragédia não pode oferecer ‘as suas vítimas um passe livre para toda sorte de perversidades. Inobstante o número assustador de mortes e as crueldades cometidas pelo “exército mais covarde do mundo”, o povo palestino jamais desistirá de sua luta por liberdade, segurança e autonomia. A verdade já chegou ao mundo inteiro, e Israel está se encaminhando célere para a condição de pária internacional. Com o tempo, até os seus maiores apoiadores, os americanos – que consideram este país como seu maior porta-aviões em uso – vão desistir de Israel, e aqueda dos governos racistas será inevitável.
Lula está certo em denunciar ao mundo que as práticas de Israel são as mesmas levadas a cabo por Adolf Hitler na guerra mundial de meados do século passado. A crítica de que o “holocausto judeu” não é comparável a nenhuma outra tragédia humanitária é, em si, um resumo do racismo sionista. Este mesmo sofrimento ocorreu diariamente nos 75 anos de ocupação da Palestina através da fome, da miséria, dos abusos, da segregação e da violência. A exigência de exclusividade do termo para o sofrimento do povo judeu é uma das marcas do sionismo. Por se julgarem especiais, o “povo escolhido”, acreditam que sua dor é única, como se não houvesse outras tragédias, inclusive aquelas que eles mesmo impuseram aos donos da terra que agora ocupam.
Por estas razões, Israel é um país destinado ao fracasso, da mesma forma como o racismo e o apartheid da África do Sul também estavam condenados a desaparecer. Não há como manter um modelo racista e um apartheid explícito sem que, com o tempo, o resto da comunidade das nações reconheça sua imoralidade. O mundo inteiro testemunha o massacre em Gaza, e a imagem internacional de Israel é de uma nação criminosa, sem qualquer respeito pela vida humana, comandada por psicopatas e genocidas e com o apoio de sua população. Nunca Israel teve suas entranhas tão escancaradas e pudemos ver suas vísceras apodrecidas, produzidas por arbítrio, abuso, intolerância e preconceito. O destino do racismo israelense só pode ser o desaparecimento, para que de suas cinzas possa nascer um país multinacional que congregue judeus, árabes, cristãos e palestinos de todas as raças, cores e credos, numa nação plural e democrática.