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Segurança pública

Violência tem classe

'Mediações institucionais' defendidas por colunista da Folha produzirão, invariavelmente, um incremento da brutalidade estatal contra os oprimidos

Em coluna publicada no jornal golpista Folha de S. Paulo, o professor da UFRJ Muniz Sodré defende que “violência não é força vital nem insanidade agressiva. É cultural, tem espírito e, se estimulada, cola como segunda pele em carrascos e vítimas.” (“Violência tem espírito”, 20/1/2024). Seguindo essa linha de raciocínio, “o espírito de violência só é contido por plenitude democrática e por reeducação da vida, isto é, das mediações institucionais”, diz, floreando uma política que, traduzida para o mundo real, não traria outra coisa além de um incremento brutal da opressão das “mediações institucionais”, leia-se, o aparato de repressão estatal.

“A segurança de mercado”, continua Sodré, “dita ‘pública’, não depende desse ou daquele ministro, e sim de uma ampla ação pactuada do Estado formal, que periga sucumbir ao paralelo se não retomar o domínio territorial [grifo nosso]”, acrescenta, deixando um pouco mais claro (embora ainda não muito) qual o significado prático das tais “mediações institucionais”. Há, naturalmente, um verniz esquerdista no artigo do colunista, refletindo a necessidade da burguesia de tornar a defesa da repressão algo aceitável no interior do campo, sem o que, ficaria evidente o caráter direitista da política. “É imperativo, porém, associar anomia criminosa à violência estrutural, de proporções alarmantes, como condição da profunda desigualdade social”, escreveu o acadêmico, para cumprir esse objetivo.

Sodré, no entanto, se escusa de um questionamento fundamental sobre o que defende: quem são as pessoas que fariam a “ampla ação” de “mediações institucionais”? O autor simplesmente apaga o fato de que no âmbito das eleições de 2022, por exemplo, polícias e exército organizaram bloqueios rodoviários em regiões onde a vantagem eleitoral do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva era expressivamente superiora à do líder da extrema-direita, Jair Bolsonaro, que à época buscava a reeleição. Concretamente, essas são as pessoas responsáveis pela tal mediação institucional defendida pelo professor.

Só uma pessoa profundamente desorientada pode imaginar algo positivo saindo de uma ação contra “o espírito da violência”. O único desenvolvimento possível desse tipo de política é o que se verifica sempre que a máquina de repressão estatal entra em ação: cerceamento dos direitos políticos por um lado, prisões e cadáveres de pobres nas ruas de outro.

Todos os floreios do autor são incapazes de esconder a realidade brasileira e o que a experiência ensina sobre como o Estado realmente promove sua “reeducação para a vida”. Finalmente, quase um milhão de pessoas presas deixam pouca margem para dúvidas quanto a isto. Além da imensa massa de infelizes condenados por um poder judiciário que é tudo, menos democrático, a polícia mais letal do planeta completa o sistema repressivo brasileiro, que longe de ser fortalecido, como defende Sodré, tem de ser extinto.

Para isso, longe de simplesmente reprimir o “espírito da violência”, é preciso reconhecer que o próprio Estado é o centro irradiador de toda a violência e combater aqueles dedicados a produzi-la. Ainda, a equivalência entre “carrascos e vítimas” como agentes submetidos a um espírito violento, como faz Sodré, não terá outra função além de desarmar o lado oprimido do conflito para o enfrentamento necessário contra o lado opressor. Aqui, mais uma vez, destaca-se que o verdadeiro beneficiado é a classe dominante, a burguesia, o sujeito oculto no artigo, mas sentido em todas as mazelas da vida social, sendo ela a mais importante responsável por toda a violência.

Toda a violência do Estado brasileiro, cumpre destacar, não se deve a um misterioso “estado de ânimo avesso à educação social”, mas aos interesses da estrutura social que domina o Estado e que, atolada em uma crise de características terminais, tende a se tornar mais hostil e bárbara, até ser finalmente extinta.

O meio de implementar essa transformação atestado pela história nunca foi a intermediação das instituições do regime decadente, mas a ação organizada e decidida dos oprimidos. Nesse espírito, não é o combate a uma suposta “disseminação das armas” criticada pelo autor que produzirá algo benéfico aos trabalhadores e demais “vítimas”, mas a democratização da autodefesa armada que os levará a superar a condição de oprimidos.

Isto, sim, a superação da opressão da burguesia pelas massas atualmente subjugadas, é que produzirá o efeito proclamado pelo autor como desejado. Proclamado apenas, porque toda a política defendida por Sodré produzirá, invariavelmente, o efeito oposto, acentuando a brutalidade da violência e da repressão.

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