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Fábio Picchi

Militante do Partido da Causa Operária (PCO). Membro do Blog Internacionalismo e do Coletivo de Tecnologia do Partido da Causa Operária. Programador.

Coluna

Lojas digitais e o legado cultural dos videogames

Num momento de grande crítica às intervenções imperialistas pelo mundo, um dos poucos jogos a criticá-las é retirado de todas as plataformas

Criadores de jogos de videogame sempre lutaram para terem suas obras reconhecidas como produtos culturais dignos, como “arte”, e não como meros programas de computador elaborados para extraírem o máximo de dinheiro de seus usuários (prática comum nos anos 1980 e 1990 que persiste no mercado de celulares, principalmente). Há inclusive uma espécie de meme sobre qual jogo seria o “Cidadão Kane” dos videogames em referência ao filme clássico que por seu uso inovador de edição separou o cinema do teatro filmado.

É difícil dizer se os jogos podem se sustentar sobre suas próprias pernas. Muitas produções consideradas importantes emprestam muito do cinema e sua parte interativa traz pouco para a experiência narrativa. É uma contradição ainda a ser superada que poucos jogos conseguiram explorar de forma interessante.

Um deles era Spec Ops: The Line, jogo que para nossa surpresa não estará mais disponível para venda nas plataformas de venda de jogos digitais como Steam e afins. É uma nova inovação tecnológica: a capacidade de remover um produto que não tem custo para ser produzido ou distribuído de circulação. Segundo a 2k Games, distribuidora do jogo desenvolvido por um estúdio alemão chamado Yager em 2012, a remoção deu-se porque expirou o prazo da licença que a empresa tinha para reproduzir algumas músicas que compunham a trilha sonora do jogo, incluindo o hino dos Estados Unidos tocado pelo grande guitarristas Jimmy Hendrix.

Hendrix, em sua grande performance em Woodstock, tocou o hino misturado com sons que lembravam helicópteros, bombardeios e gritos de desespero numa crítica à intervenção norte-americana no Vietnã, algo que marcou o final dos anos 1960. Spec Ops: The Line não usa a música por acaso em sua crítica às intervenções norte-americanas nos anos 2000, no Afeganistão, no Iraque, na Síria e em tantos outros países. Mais do que isso, o jogo é uma dura crítica aos jogos de guerra que atuam mais como peças de recrutamento das Forças Armadas dos Estados Unidos do que qualquer outra coisa (a exemplo dos Call of Dutys da vida).

O jogo começa como um jogo de tiro genérico num cenário desértico. O jogador controla um soldado atuando em Dubai, nos Emirados Árabes, numa situação fictícia em que uma intervenção norte-americana “fez-se necessária” para estabilizar o país. Conforme progredimos, nos deparamos com uma resistência armada local muito violenta que usa de métodos brutais para repelir os invasores, ou seja, o próprio personagem que controlamos. O que começa como um jogo lugar comum termina de forma totalmente diferente, como um jogo de terror onde o personagem principal traumatizado sofre com alucinações, torna-se cada vez mais brutal, no que imaginados ser uma referência ao clássico da literatura inglesa, o Coração das Trevas de Joseph Conrad.

Em meio à infinidade de jogos de tiro existentes, Spec Ops é um dos poucos que é memorável, e agora está removido das lojas. Quem o possui ainda pode jogá-lo, mas até quando? Mesmo que o tenhamos baixado e instalado no computador, os programas que garantem a autenticidade da sua licença para reproduzir o jogo (para muitos, o próprio Steam) podem algum dia bloquear sua execução. É possível comprá-lo em plataformas como o GOG, onde não há esse tipo de trava, mas são apenas mais bloqueios para os usuários que terão cada vez mais dificuldade para encontrar um jogo que consideramos importante em meio a uma produção cada vez mais decadente.

Spec Ops coloca o jogador na pele de um soldado norte-americano que, sem sombra de dúvidas, aparece no final como o vilão da história. Num momento em que vemos as atrocidades patrocinadas pelo imperialismo em Gaza, é uma crítica fundamental. A situação nos faz pensar que o fim da licença seja uma desculpa para retirar de circulação uma produção que, ainda que pouco conhecida, tem uma postura crítica do imperialismo – algo raro entre os videogames.

Os videogames nasceram na era de maior decadência do capitalismo, na etapa em que a burguesia imperialista adotou para o mundo a política neoliberal. Nesse cenário culturalmente desértico, não é estranho que jogos ainda não tenham conseguido se firmar como uma expressão cultural de qualidade. Soma-se a isso o estado da preservação das obras, que está nas mãos das almas solidárias que hospedam cópias piratas dos jogos em portais como o Pirate Bay e outros.

Já havíamos perdido inúmeros jogos para o mesmo problema que Spec Ops, mas este talvez seja o primeiro de relevo a ser removido das plataformas. Outros jogos de tempos imemoriais estão disponíveis apenas através de emulação ou para entusiastas que ainda possuem os consoles antigos em que foram lançados. Há um debate na comunidade sobre como preservar a estética original desses jogos em telas para as quais seu visual nunca foi imaginado.

Spec Ops continuará disponível, para quem estiver disposto a passar pelas inconveniências necessárias para o jogar. Sua remoção das lojas, porém, nos relembra de porque ainda não há um “Cidadão Kane” dos videogames: um meio sem história, que não respeita sua própria história, não terá como progredir, terminará nesse marasmo que vivemos hoje. Quem se importa com videogames deve, mais do que nunca, protestar.

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