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Juca Simonard

Editor da revista Na Zona do Agrião e redator do Dossiê Causa Operária

Coluna

Lênin, Trótski, a revolução proletária e o futebol

"O papel do partido revolucionário é estimular a luta contra a dominação imperialista do futebol, levantando as reivindicações em defesa dos interesses dos trabalhadores"

Juca Simonard, para a Revista Zona do Agrião

A esquerda pequeno-burguesa não consegue entender o apoio do nosso Partido ao futebol brasileiro. Quando Zona do Agrião defende jogadores, treinadores e o futebol brasileiro, em geral, tentam transformar nossas posições em motivo de chacota. Estão falhando completamente: diante de sua posição sobre o futebol, o Partido da Causa Operária, responsável por Zona do Agrião, cresceu bastante. Ainda precisamos melhorar nossa atuação no futebol, logicamente; consideramos o trabalho relacionado ao futebol um ponto fundamental para trazer as massas ao nosso Partido e para defender a cultura nacional. 

Mas, naturalmente, há de se perguntar o porquê disso. Afinal, se formos ler os clássicos marxistas, nenhum partido operário se dedicou — da forma com a qual nos dedicamos — a realizar um trabalho político em relação ao futebol. Então, qual o motivo do PCO estar dando tanta atenção ao problema?

Voltando ao tema dos clássicos do marxismo, basta entender que, na época em que viveram os principais revolucionários marxistas — Karl Marx, Friedrich Engels, Vladimir Lênin e Leon Trótski —, o futebol ainda não havia um caráter de massas, o qual tem hoje. No século XIX, quando Marx e Engels fundaram o socialismo científico, o futebol ainda estava surgindo. No início do século XX, quando Lênin e Trótski lideravam a vanguarda proletária internacional, o futebol ainda estava se estabelecendo.

Portanto, seria impossível ter uma conclusão política sobre um assunto que, à época, não tinha nem um milésimo da importância quem tem atualmente. Inclusive, é interessante que a esquerda pequeno-burguesa, à qual sempre busca “revisar” o marxismo com temas da moda, não dedicar sequer uma nota em relação ao futebol. Quando fala sobre o tema — geralmente na Copa do Mundo, quando o assunto está na “moda” — apenas repete a política do imperialismo contra nosso futebol, atacando nossos jogadores por falta de “consciência política”, por aspectos morais e outras coisas do tipo: uma política direitista e anti-nacional. Realmente, é impressionante que os seguidores da “moda” nem mesmo se interessem pelo assunto mais popular do mundo, o futebol.

Os marxistas, por outro lado, sempre se interessaram pelos assuntos do momento. Mas, ao contrário da esquerda pequeno-burguesa, os analisaram através do materialismo, da ciência marxista; nunca prostituíram a teoria científica apenas para entrar na moda. Os “assuntos do momento”, por sua vez, são de interesse de qualquer partido proletário; precisamos analisá-los e aprendermos com eles, sem, no entanto, deixar de lado as questões objetivas dos dias de hoje.

O interesse das massas

No início do século XX, o cinema surgia como uma arte totalmente nova, uma indústria que cresceu rapidamente e se tornou uma das principais preferências de divertimento das massas. Trótski deu grande atenção ao problema. No livro Questões do Modo de Vida, ele apontou que “o problema das distrações apresenta-se como um problema cultural e educativo muito importante”. Ele explica: “o caráter da criança revela-se e forma-se nos jogos. O caráter do adulto manifesta-se mais claramente nos jogos e nas distrações. Mas as distrações e os jogos podem da mesma forma ocupar um lugar de eleição na formação do caráter de toda uma classe se esta classe é jovem e segue avante como o proletário”. 

“Um Estado operário não é nem uma ordem espiritual, nem um convento. Consideramos os homens tal como a natureza os criou e tal como a antiga sociedade em parte os educou e em parte os mutilou. Nesse material humano vivo, buscamos qual o ponto em que fixar a alavanca da revolução, do partido e do Estado. O desejo de distração, de entretenimento, de diversão e de riso, é um desejo legítimo da natureza humana. Podemos e devemos proporciona-lhe satisfações cada vez mais artísticas e, ao mesmo tempo, devemos fazer do divertimento um instrumento de educação coletiva, sem constrangimentos e dirigismo inoportunos.”

“Atualmente, neste domínio, o cinema representa um meio que ultrapassa de longe todos os outros. Essa surpreendente invenção penetrou na vida humana com uma rapidez jamais vista no passado. Nas cidades capitalistas, o cinema faz agora parte integrante da vida cotidiana do mesmo modo que os balneários, os estabelecimentos de bebidas, a igreja e as demais instituições necessárias, louváveis ou não. A paixão pelo cinema é ditada pelo desejo de diversão, de ver qualquer coisa de novo, de desconhecido, de rir a até de chorar, não acerca das infelicidades próprias, mas das de outrem. Todas essas exigências o cinema satisfaz de forma mais direta, mas espetacular, mais imaginativa e mais viva, sem que nada se exija do espectador, nem mesmo a cultura mais elementar. Daí esta reconhecida atração do espectador pelo cinema, fonte inesgotável de impressões e de sensações. Tal é o ponto de partida, e não só o ponto de partida, mas o domínio imenso a partir do qual se poderá desenvolver a educação socialista”.

O que Trótski afirma sobre o cinema poderia facilmente ser dito sobre o futebol, que se tornou não apenas o esporte, mas a coisa mais popular do mundo. A Copa do Mundo é assistida por bilhões de pessoas, tornando-a um evento que, de longe, supera qualquer outro na sociedade. Da mesma forma que o cinema, a paixão pelo futebol “é ditada pelo desejo de diversão”, “de rir a até de chorar”, de admirar os atributos técnicos e físicos dos jogadores etc. 

Mas apenas isso não explica por qual motivo o nosso Partido se dedica tanto à questão do futebol. No mesmo livro, agora tratando sobre o jornal, órgão que propaga as ideias sobre determinados assuntos, ele afirma que “um jornal não tem direito de não se interessar pelo que interesse às massas, à multidão operária. Certamente que todo o jornal pode e deve dar a sua interpretação dos fatos, visto que é chamado a educar, desenvolver e elevar o nível cultural. Mas não atingirá esse objetivo, salvo se se apoiar nos fatos e nos pensamentos que interessem à massa dos leitores”.

Indubitavelmente, um dos principais interesses das massas é o futebol — principalmente no Brasil, onde o tema domina todas as conversas nas ruas, ocupa os melhores horários nas grades de programação das televisões e rádios, domina como nenhum outro assunto o imaginário coletivo do povo. Trótski, tratando sobre esse assunto, afirma que a imprensa soviética deveria se dedicar mesmo a comentar os assuntos mais pequenos do dia-a-dia:

“É indubitável que, por exemplo, os processos e o que se chama os “faits divers”: desgraças, suicídios, crimes, dramas passionais etc., sensibilizam grandemente largas camadas da população. E isso por uma razão muito simples: são exemplos expressivos da vida que se faz. Contudo, regra geral, a nossa imprensa apenas concede muito pouca atenção a esses fatos, limitando-se no melhor dos casos a algumas linhas em pequenos caracteres. Resultado: as massas colhem as suas informações, com frequência mal interpretadas, de fontes menos qualificadas. Um drama de família, um suicídio, um crime, uma sentença severa, impressionam e impressionarão a imaginação. O “processo de Komarov” eclipsou mesmo durante um certo tempo o “caso Curzon” — escrevem os camaradas Lagutine e Kasanski, da manufactura de tabaco “Estrela Vermelha”. A nossa imprensa deve manifestar o maior interesse pelos “faits divers”: deve comentá-los e esclarecê-los, deve fornecer deles uma explicação que, ao mesmo tempo, tenha em conta a psicologia, a situação social e o modo de vida. Dezenas ou centenas de artigos repetindo lugares-comuns sobre o emburguesamento da burguesia e sobre a estupidez dos pequenos burgueses não terão maior influência sobre o leitor do que um importuno chuvisco de outono. Mas o processo dum drama familiar bem descrito e ordenado no decurso duma série de artigos pode interessar milhares de leitores, despertar-lhes pensamentos e sentimentos novos, descobrir-lhes um horizonte mais vasto. Após o que alguns leitores solicitarão talvez um artigo geral sobre o tema da família. A imprensa burguesa de sensação tira enorme partido dos crimes e dos envenenamentos, jogando com a curiosidade doentia e com o mais vis dos instintos do homem em geral. Isso seria da mais pura hipocrisia. Somos o partido das massas. Somos um Estado revolucionário e não uma confraria espiritual ou um convento. Os nossos jornais devem satisfazer não só a curiosidade mais nobre, mas também a curiosidade natural; precisa-se apenas que elevem e melhorem o nível dessa curiosidade, apresentando e esclarecendo os fatos de forma adequada. Os artigos e as pequenas notícias desse gênero têm sempre e em toda a parte um grande sucesso. Ora, não se veem quase nunca na imprensa soviética. Dir-se-à que faltam para esse tema os necessários especialistas literários. Isso, porém, só em parte é verdade”.

Se Trótski orienta a imprensa proletária a comentar até mesmo esses assuntos, quanto mais o futebol, motivo da paixão extraordinária de bilhões de trabalhadores ao redor do mundo. Um partido revolucionário que pretende dirigir as massas na luta pela sua emancipação fracassará no seu objetivo se não tratar sobre o tema. No Brasil, alguém que não fale sobre futebol é quase um alienígena. Da mesma forma, uma organização que não trate sobre o assunto — especialmente no Brasil, mas no mundo inteiro — será uma entidade alheia aos interesses populares.

A mobilização das massas

Mas afinal, qual o ganho político de ter uma política série em relação ao futebol?

Lênin, denunciando a política sectária dos ultraesquerdistas em Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo, aponta que “o comunismo ‘brota’ de todos os cantos da vida social [grifo nosso], desabrocha decididamente por toda a parte. O ‘contágio’ (para nos servirmos de um termo de comparação grato à burguesia e à polícia burguesa e que lhes é bastante ‘agradável’) penetrou a fundo no organismo e impregnou-o inteiramente. Que se ‘tape’ com cuidado particular uma das saídas, o ‘contágio’ encontrará uma outra, por vezes a mais imprevisível”. Ele continua, destacando que “precisamos de nos esforçar na resolução das tarefas práticas, cada vez mais variadas e ligadas a todos os ramos da vida social, ramos esses que é necessário, um por um, arrancar à burguesia [grifo nosso]”. 

Ora, a mensagem é clara: os comunistas precisam atuar em “todos os ramos da vida social” e arrancar-lhes à burguesia. Quando a esquerda deixa de lado o assunto, as opiniões acerca do futebol, por exemplo, ficam apenas como o monopólio da imprensa capitalista, que, por sua vez, apresenta o que for do interesse dos gigantescos monopólios capitalistas que controlam o mercado futebolístico.

Lênin ainda explica que, diante da crise capitalista, em todos os domínios da vida social, “acumulam-se matérias inflamáveis e criam-se numerosas causas de conflito, de crises e de agravamento da luta de classes. Nós não sabemos, nem podemos saber, qual é a fagulha — nesta massa de fagulhas que atualmente cintilam por todo o lado e em todos os países, sob a influência da crise econômica e política mundial — que poderá atear o incêndio provocando o despertar das massas”. Quer dizer, em qualquer aspecto que se possa imaginar da vida social, tudo pode ser motivo para impulsionar a luta das massas oprimidas contra os exploradores.

No futebol, isso fica muito claro. No esporte mais popular do mundo, estão em constante conflito os interesses de classe mais variados. Uma criação da classe operária, o futebol se tornou, atualmente, um dos principais mercados capitalistas do mundo, envolvendo negócios mais lucrativos do que muito ramos da indústria. Criou-se, assim, um processo de dominação do esporte pelo imperialismo, que prejudica o desenvolvimento do esporte e serve como mais uma máquina de rapina e espoliação dos países pobres pelos monopólios capitalistas.

Portanto, a dedicação do partido revolucionário ao problema do futebol não apenas é um fator que estimula o interesse das massas pela organização, permitindo-lhe criar uma influência importante sobre elas, como também é uma área de combate político extremamente importante: contrapondo os interesses dos trabalhadores pelo espetáculo à ganância do imperialismo.

A luta nacional

No Brasil, essa situação se torna ainda mais importante, visto que o futebol é parte importante da cultura nacional. Os clássicos marxistas deixaram claro que o partido revolucionário, portanto, internacionalista, deve se dedicar de forma decidida à luta em defesa dos interesses nacionais dos países oprimidos contra o capitalismo. 

Do ponto de vista cultural, o futebol brasileiro é um patrimônio da sua classe operária. O esporte, quando chegou ao Brasil, rapidamente se tornou um fenômeno de massas. A classe operária brasileira, mestiça, negra e pobre, assimilou o futebol e transformou-o em uma coisa nova: desenvolvemos o drible, a ginga, enfim, o futebol-arte. Através de jogadores como Pelé — a maior expressão dessa arte física —, Garrincha, Leônidas da Silva, Zizinho, Nilton Santos, Didi, entre outros craques do futebol, o Brasil promoveu uma revolução no futebol: transformou um esporte europeu, estático e truncado, em um esporte dinâmico, belo, artístico, grandioso.

Em grande medida, foi graças aos brasileiros que o futebol adquiriu esse caráter de coisa mais popular do mundo. A classe operária brasileira, assim, dava uma importantíssima contribuição para a cultura mundial, transformando o futebol em um fenômeno de massas não apenas no Brasil — e em outros países da América do Sul e da Europa — mas de todo o mundo.

A partir da década de 1970, no entanto, o controle do capital financeiro sobre o futebol se tornou mais ferrenho. A partir da década de 1980, o futebol já tinha o aspecto de grande investimento capitalista, com patrocinadores imensos, transações financeiras exorbitantes, entre outros fatores.

Desde então, essa situação apenas piorou. O Brasil, a vanguarda do futebol mundial, foi colocado na condição de mero exportador de craques para os grandes monopólios europeus. O mesmo aconteceu com outros países da América do Sul — e, na medida em que africanos e asiáticos foram desenvolvendo o seu futebol e gerando alguns bons jogadores, a rapina imperialista também os atingiu.

Isso gerou uma situação em que o futebol europeu perdeu suas características nacionais, sustentando-se, principalmente, com os ótimos jogadores dos países oprimidos, principalmente os sul-americanos, e em especial o Brasil. Na França, na Alemanha, na Espanha, na Itália etc., o que mais se vê são jogadores imigrantes ou filho de imigrantes.

Isso, de fato, é um atestado de morte do futebol dos países imperialistas: até mesmo suas seleções precisam incluir outras nacionalidades para manter uma certa qualidade. Mas, ao mesmo tempo, é um fator importante de espoliação dos países oprimidos.

Para nós, brasileiros, é um gigantesco ataque à cultura nacional. Nosso futebol perde seus grandes jogadores — mesmo que se mantenha forte pela gigantesca quantidade de craques fabricados em território nacional. Mas, por mais que sejamos abundantes em questão de produzir craques, é nítido que a política imperialista prejudica os interesses brasileiros no futebol.

O papel do partido revolucionário é estimular a luta contra a dominação imperialista do futebol, levantando as reivindicações em defesa dos interesses dos trabalhadores para: 1) garantir o desenvolvimento do nosso futebol-arte; 2) derrotar a dominação do imperialismo e dos cartolas nacionais sobre o clube, defendendo o controle dos clubes pelos torcedores; 3) massificar, ainda mais, o futebol, transformando-o em um aspecto que esteja permanente na vida dos trabalhadores.

Esse é o objetivo de Zona do Agrião.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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