Apresentado como um professor de Relações Internacionais na Universidade Federal do ABC (UFABC), o jornalista Igor Fuser foi entrevistado pelo Observatório de Política Externa e Inserção Internacional do Brasil (OPEB), entrevista essa que foi reproduzida pelo portal Brasil 247, em matéria intitulada Igor Fuser: ‘a fraude eleitoral nas recentes eleições presidenciais na Venezuela é incontestável’, um título que não deixa dúvidas quanto às inclinações políticas do acadêmico. No entanto, a entrevista revela mais do que apenas uma posição sobre o processo eleitoral venezuelano: ela exemplifica a confusão e a conivência de parte da esquerda brasileira com a propaganda imperialista que se coloca como defensora da “democracia” enquanto ataca o governo legítimo da Venezuela.
Ao acusar o governo Maduro de promover uma “fraude eleitoral incontestável”, Fuser desconsidera o fato de que as eleições venezuelanas, desde a era Chávez, são acompanhadas por observadores internacionais e contam com um dos sistemas de auditoria mais robustos do mundo. A verdadeira peculiaridade no caso venezuelano não é a ausência de transparência ou a manipulação dos resultados, mas sim a postura antidemocrática da oposição, que, após ser derrotada nas urnas, se recusa a apresentar suas “provas” de fraude à justiça eleitoral do país, a despeito dos reiterados pedidos das autoridades.
Essa atitude é um verdadeiro paradoxo que só pode ser explicado pela luta de classes. A oposição, que recorre à violência e se coloca abertamente a serviço dos interesses dos EUA, é imediatamente canonizada pelos meios de comunicação imperialistas como a “defensora da democracia”. Enquanto isso, o governo venezuelano, que se mantém firme no propósito de preservar a soberania nacional e a independência do país frente às investidas dos monopólios estrangeiros, é pintado como “ditatorial”.
Fuser chega ao ponto de reconhecer que os EUA utilizam métodos criminosos para esmagar a Venezuela, com vistas a retomar o controle do país. Mesmo assim, o acadêmico não se posiciona claramente ao lado do governo bolivariano, recorrendo a teorias totalmente absurdas sobre um suposto “imperialismo chinês e russo” que estariam também a pilhar a América Latina. Ao fazer isso, ele revela não apenas uma incompreensão total sobre o que é o imperialismo – um fenômeno estrutural dos países capitalistas desenvolvidos – mas também um alinhamento, consciente ou inconsciente, com a propaganda que visa confundir a opinião pública e enfraquecer a esquerda.
A crise econômica que atinge a Venezuela não tem outra origem senão o bloqueio econômico imposto pelas sanções dos EUA. Qualquer análise honesta deve levar em conta as condições concretas nas quais esse processo se desenvolve. O cerco econômico, a sabotagem e a pressão constante para desestabilizar o governo são elementos que não podem ser ignorados.
Ao tratar a Venezuela como um “regime autoritário”, ele se coloca, ainda que indiretamente, ao lado dos que defendem a intervenção externa como solução para os problemas do país. Não por acaso, isso coincide com as declarações de políticos norte-americanos e europeus, que pedem abertamente a deposição de Maduro.
A contradição é ainda mais evidente quando comparamos a situação venezuelana com as reações às eleições nos Estados Unidos em 2020 e no Brasil em 2022. Em ambos os casos, setores da extrema direita que perderam as eleições se recusaram a aceitar os resultados, alegando fraudes. A diferença é que, no caso dos EUA e do Brasil, a reação imediata foi a condenação veemente e a repressão das manifestações, mesmo as pacíficas. Já na Venezuela, os mesmos órgãos de comunicação que condenaram os contestadores do resultado eleitoral nos EUA e no Brasil promovem a oposição venezuelana como “heróis democráticos”, mesmo quando essa oposição promove atos de terror (aqui, verdadeiros), persegue militantes chavistas nas ruas e incendeia hospitais.
O que se vê, portanto, é um duplo padrão escancarado. Se a oposição tem a simpatia dos EUA, qualquer ação, por mais violenta e ilegal que seja, é tratada como parte da “luta pela liberdade”. Mas se essa oposição é contrária ao imperialismo e defende a soberania nacional, qualquer contestação é tachada de “autoritária”. É exatamente esse o caso da Venezuela. Fuser, ao adotar essa retórica, coloca-se como cúmplice, ainda que velado, dessa farsa.
No final das contas, a entrevista do professor de Relações Internacionais serve apenas para confundir o público e dividir a esquerda, que deveria se unir em defesa da Revolução Bolivariana. Em um momento em que o imperialismo norte-americano se vê obrigado a intensificar suas agressões para manter o controle sobre a América Latina, os socialistas e os democratas consequentes não podem se deixar levar por discursos que, conscientemente ou não, enfraquecem os países que ousam desafiar o poder hegemônico dos EUA.
A esquerda brasileira precisa ter clareza de que o inimigo principal dos trabalhadores (aqui no Brasil, na Venezuela e em todo o planeta) é o imperialismo. E é justamente esse setor da burguesia norte-americana e europeia que tenta sufocar a Venezuela, apoiando as mobilizações golpistas e também propagandistas como Igor Fuser. Em qualquer choque que se coloque a Revolução Bolivariana de um lado e a ditadura dos monopólios de outro, a única posição consequente para aqueles que defendem a autodeterminação dos povos é apoio a quem luta contra o imperialismo.
A postura de Fuser, ao se alinhar com as acusações de fraude eleitoral, não apenas deslegitima o processo político venezuelano, mas também abre espaço para a retórica belicista que defende intervenções militares e bloqueios econômicos como “soluções” para a crise. No final, o “crime” de Maduro, aos olhos do imperialismo e de seus agentes locais, é o de não ter permitido que os EUA tomassem para si as eleições venezuelanas. Ao se recusar a entregar o controle do país aos monopólios internacionais, Maduro comete o maior pecado possível para quem desafia o poder imperialista: exercer, de fato, a soberania nacional. É isso que incomoda tanto. A defesa da Revolução Bolivariana é, portanto, a defesa do direito dos povos de se organizarem conforme suas próprias necessidades e interesses, livres das imposições da ditadura norte-americana sobre os povos latino-americanos.