Neste sábado, dia 30 de março, o portal UOL publicou um artigo na seção de opinião, intitulado “Sessenta anos do golpe: quando termina a escrita de um trauma?” assinado por Julián Fuks. O artigo relaciona a Ditadura Militar de 1964, com o regime atual, com o assassinato da ex-vereadora psolista Marielle Franco (RJ) e as manifestações da extrema direita em 8 de janeiro de 2023.
Embora passemos por muitas das ideias levantadas, nosso ponto de interesse será a premissa de ditadura e Estado democrático de Direito. Discutindo a concepção do “golpe” de 8 de janeiro de 2023 e suas consequências para a prática da esquerda hoje.
Golpe de 64
O autor inicia o texto com um questionamento da jornalista Maria Rita Kehl (“Quando termina a escrita de um trauma?”), expondo a variedade de produção sobre o tema e afirma uma “incapacidade brasileira de lidar com sua própria história, de contemplar com lucidez e honestidade as agruras de seu passado.” Aqui aparece uma primeira aresta com o autor. Não se trata de uma “incapacidade brasileira”, mas da forte presença imperialista no País.
A questão é posta de outra forma, com o autor afirmando: “não é o que temos no Brasil, um país que jamais rompeu com sua ditadura, que não julgou nem puniu seus militares”, acrescentando por fim, “Estado que repete seu passado e censura e tortura e mata”.
Que os militares brasileiros, criminosos do regime de exceção, não foram punidos é um ponto pacifico. Mas seria necessário o autor especificar o que exatamente ele que dizer com “Brasil, um país que jamais rompeu com sua ditadura”, visto que foi a classe operaria mobilizada que pós abaixo o regime oriundo do Golpe de 1964.
Outra confusão está na caracterização do Estado. O Estado é um elemento dedicado a realizar a ditadura de uma classe opressora sobre outras. Sua atuação repressiva dependerá apenas da correlação de forças entre essas classes. Em outras palavras, os Estados são a personificação da violência de uma classe contra outra, censurando, torturando, matando, oprimindo conforme as condições políticas objetivas o permitem.
Golpe por decreto?
Na sequência, o autor repete a tese da “direita civilizada” defendida a ferro e fogo pela esquerda pequeno-burguesa. A de que houve o risco de um golpe bolsonarista por decreto. É necessário esclarecer que o golpe de Estado, ou seja, a alteração do regime político, é realizado por uma classe, através da força, sendo impraticável, portanto, um golpe sem armas.
Não existiria o Golpe de 1964 sem um derrame dos dólares norte-americanos e um consenso entre a burguesia nacional. Assim como o Golpe de 2016, derrubando a presidenta Dilma do poder e o Golpe de 2018, impedindo a candidatura de Lula a presidência, não seriam possíveis sem o apoio militar e aprovação da burguesia.
Foi a direita tradicional, “com STF, com tudo” que organizou os golpes da última década, sendo Bolsonaro apenas um elemento beneficiado pela conjuntura, marcada falência política dessa mesma direita dita “civilizada” perante a população. Independente das vontades de Bolsonaro, foi o imperialismo em primeiro lugar e os principais setores da burguesia nacional que deliberaram a realização dos golpes.
Os setores golpistas apenas não engendraram um novo golpe com Bolsonaro, por temerem os resultados futuros. As engrenagens golpistas, contudo, continuam em movimento, ameaçando claramente a continuidade do governo Lula e uma possível sucessão presidencial.
O Estado reprime?
O autor conclui o texto com uma verdade elementar, que todo trabalhador que sentiu o jugo estatal reconhece: o Estado burgues é uma ditadura. Nas palavras de Fuks:
“Que o sistema repressivo ainda está articulado, ainda persegue as vítimas antigas e seus familiares, com falsas pistas e ligações ominosas, numa espécie de tortura psicológica. E que ainda produz novas vítimas, ano a ano, numa renovação constante de sua brutalidade.”
Todo morador de periferia aprendeu na pele essa realidade. Não é ato que todo trabalhador tem desconfiança das forças estatais e o sistema judiciário. A democracia, finalmente, é apenas para a burguesia. Para a classe trabalhadora, resta apenas o jugo estatal.
Isso denota o tamanho do erro da esquerda pequeno-burguesa ao fortalecer o poder repressivo do Estado burguês, tomando como base em interpretações errôneas sobre a natureza desta entidade. Uma política de enrijecimento do regime, que serve apenas aos interesses gerais da burguesia.