Participei do Samba da Vela, em Santo Amaro, nesta segunda-feira. Realmente, algo extraordinário para os amantes do samba. De início, estranhei. Entrei na Casa de Cultura e estava um silêncio, pessoas sentadas, em roda, ouvindo Chapinha comentar sobre alguma composição. Uma vela no meio, que dita a duração do samba: ele continua até o fogo apagar.
Era um clima sagrado, não uma roda de samba qualquer. Ninguém estava bebendo e, para fumar, as pessoas se retiravam do local, indo para o lado de fora. Tudo isso tem um motivo. Para os compositores do Samba da Vela, que existe há 23 anos, o samba não é mero divertimento; é um trabalho sério, uma luta para manter a tradição do gênero tipicamente brasileiro — tão atacado nas últimas décadas.
Como já disse a falecida Beth Carvalho, frequentadora do Samba da Vela e Madrinha do Samba, guerreira da cultura popular do nosso país, a “CIA quer destruir o samba”. E as pessoas que realizam essa roda em Santo Amaro toda segunda-feira à noite tem o objetivo de resistir contra os interesses que deturpar, censurar e sufocar o nosso gênero musical.
Por isso, ao participar do Samba da Vela, você só verá samba de qualidade. Nada de clichês e samba superficiais, sem conteúdo. Apenas belas poesias musicadas por gigantes — porém, na sua grande maioria, desconhecidos — da nossa música popular.
Tudo isso é uma iniciativa principalmente de Chapinha, como é chamado o cearense José Marilton da Cruz, nascido no interior do Distrito de Uruburetama, que se tornou um paladino do samba tradicional em São Paulo. Assim como era seu grande amigo pernambucano e agora falecido Toinho Melodia.
No portal Catacra Livre, lê-se as seguintes informações sobre o Samba da Vela e Chapinha:
“Determinado a ingressar no universo do samba, Chapinha procurou amparo nos estudos. Em 1980, começou a fazer aulas de canto no conservatório Bandeirante, em Santo Amaro.
“Dois anos depois, abraçou a oportunidade colocada à sua frente. Foi convidado a entrar na Ala de Compositores da Vai-Vai e em pouco tempo tornou-se Presidente da escola. Atuou no cargo durante 20 anos, experiência que lhe rendeu aprendizados e uma percepção transformadora, a qual mudou o rumo de sua vida: Chapinha se viu empoderado a fazer mais pela periferia e pelo samba.
“Desta forma, decidiu se afastar da agremiação para se dedicar a projetos sociais voluntários voltados ao desenvolvimento musical de crianças e jovens. Reflexo do desejo de integrar a comunidade, de oferecer espaço aos compositores anônimos ou com pouco espaço nas mídias e de difundir o samba de raiz, a Comunidade do Samba da Vela é fundada em 2000.
“Criado em parceria com Paquera, Magnu Souza e Maurílio de Oliveira, o Samba da Vela faz uma roda por semana e segue uma tradição à risca. O samba começa quando acendem a vela e termina quando ela derrete por completo e se apaga”.
Uma experiência ímpar.
Eu estava com uns amigos de Maceió que não via há muito tempo. E, um pouco antes do fim do evento, saímos da Casa de Cultura e tomamos um litrão no boteco do lado, trocando ideias gerais. Quando acabou a atividade, alguns elementos que estavam na roda foram ao boteco e começaram a puxar uns sambas. Entre eles, a presença ilustre de Vó Suzana, sogra de Chapinha e bamba do samba paulistano. Nos juntamos a eles.
Chegou, então, Chapinha e fui me apresentar. Disse-lhe que adorava seu trabalho e que o conheci durante o programa, que participou com Toinho Melodia, Samba da Gamboa, apresentado por Diogo Nogueira. Trocamos algumas ideias sobre política, samba e escolas de samba.
Que figura incrível! Do mais baixo de sua estatura, Chapinha parece um gigante, e toda a humildade do mundo está reunida nesse senhor, que me convidou para, algum dia, tomar um café em sua casa. Já eu, combinei de entrevistá-lo.
Cantamos algumas músicas ainda e cantei com Antônio, violonista preto da velha guarda do samba paulistano, alguns sambas de Ataulfo Alves, entre outros.
Sem dúvida, uma noite que não esquecerei. O Samba da Vela é um templo do samba brasileiro!