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Eleições francesas

França: não foi uma vitória da esquerda

Resultados oficiais devem ser divulgados nessa segunda (8), mas fato é: a vitória da Nova Frente Popular não foi uma vitória da esquerda, mas sim do neoliberalismo

Cerca de 49 milhões de franceses foram às urnas de votação em todo o país, no segundo turno das eleições legislativas que aconteceram no último domingo (7). Em disputa, estavam os 501 assentos da Assembleia Nacional restantes, após a definição de 76 vagas no primeiro turno da votação. O resultado oficial é esperado para ser divulgado nesta segunda (8), mas as pesquisas de boca de urna indicam uma reviravolta, já reconhecida pelos líderes dos partidos.

Após um começo avassalador, no qual o partido de extrema direita Reagrupamento Nacional (RN) conquistou 33,15% dos votos e 38 assentos, o segundo turno deu lugar a uma queda brusca no resultado do partido, que deve terminar em terceiro lugar, com um número entre 130 e 145 parlamentares. A coalizão macronista Ensemble deve formar a segunda maior bancada, com algo entre 164 e 174 lugares na Assembleia Nacional (o parlamento francês). Finalmente, a coalizão de esquerda Nova Frente Popular terminou o segundo turno com uma brutal diferença em relação ao primeiro, conquistando entre 180 e 205 cadeiras.

No X, a líder do RN, Marine Le Pen, reconheceu o resultado, mas destacou que o partido enfrentou “uma coalizão de todos os movimentos” da política francesa:

“Estamos dobrando nosso número de deputados. Estamos progredindo contra uma coalizão de todos os movimentos, da LR à France Insoumise. A maré continua a subir e nossa vitória agora é apenas adiada.”

Cotado para ser o primeiro-ministro caso a vitória projetada para o RN se concretizasse, o deputado Jordan Bardella também publicou uma mensagem no X, reconhecendo a derrota, mas tal qual Le Pen, enfatizando “a aliança de desonra entre o Sr. Macron e o Sr. Mélenchon”:
“Gostaria de agradecer aos eleitores do RN e seus aliados por sua firmeza e serenidade diante das caricaturas. Infelizmente, a aliança de desonra entre o Sr. Macron e o Sr. Mélenchon jogou a França nos braços da extrema esquerda.”

O confuso sistema eleitoral francês, distrital e majoritárias para a eleição de parlamentares, favoreceu enormemente manobras como as observadas no Reino Unido, onde o Partido Trabalhista praticamente dobrou sua força na Casa dos Comuns (equivalente à Câmara dos Deputados do Brasil), mesmo diminuindo sua votação. Na França, com o segundo turno, a aliança reacionária entre a Nova Frente Popular e o Ensemble reorganizaram suas candidaturas, com mais de 200 retiradas, conseguindo com isso, reverter a expressiva derrota que obtiveram no primeiro turno. Fosse no Reino Unido, é provável que o RN conseguisse consolidar a força demonstrada no dia 30.

“O sistema eleitoral francês é bem diferente do brasileiro”, comentou Adrian Nicolas Albala Young, professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), em entrevista à Agência Brasil. “Enquanto no Brasil, cada unidade federativa elege um número de representantes políticos proporcional ao tamanho do seu eleitorado, na França há o que chamamos de circunscrições, com ao redor de 15 mil a 20 mil pessoas, e cada uma delas escolhe um representante. Quem obtém maioria absoluta [metade dos votos, mais um] dos votos de sua circunscrição já no primeiro turno, é eleito. Se a maioria absoluta não é atingida, os primeiros colocados e quem obteve ao menos 12,5% segue para disputar o segundo turno. É comum, em várias localidades, até quatro candidatos disputarem um eventual segundo turno”, explica o professor, acrescentando que, no segundo turno, é eleito deputado o candidato que obtém a maioria dos votos de seu círculo eleitoral.(“Entenda a eleição para deputados na França e reflexos da disputa”, Alex Rodrigues, Agência Brasil, 1/7/2024).

O primeiro-ministro Gabriel Attal (do partido Renaissance, o mesmo de Macron) discursou em sua residência oficial, o Hôtel de Matignon, em Paris. Em seu pronunciamento, destacou que “nenhum dos extremos pode reivindicar uma maioria”. Attal encerrou seu pronunciamento dizendo que “embora o Ensemble tenha conquistado três vezes o número de assentos do que havia sido previsto, não temos uma maioria”, ao que acrescentou: “amanhã de manhã, entregarei minha renúncia ao Presidente da República”, anunciou.

Com 577 parlamentares na Assembleia Nacional, são necessários 289 cadeiras para compor a maioria, o que nenhum partido obteve. Ainda assim, Jean-Luc Mélenchon, líder do partido de extrema-esquerda França Insubmissa e parte majoritária da NFP reivindicou a participação do bloco no governo. Macron, disse, “deve curvar-se e admitir a sua derrota sem tentar contorná-la”, ao que acrescentou em publicação no X, “a derrota do presidente está claramente confirmada”, “o presidente tem o dever de chamar a Nova Frente Popular a governar”.

No entanto, o cenário na França longe de indicar um apaziguamento, aponta para uma profunda radicalização da luta de classes. No mesmo dia, manifestações da esquerda em diversas partes do país foram reprimidas pela polícia, com os manifestantes respondendo com rojões contra as forças de repressão. Uma matéria do portal de notícias em inglês France 24 dá uma dimensão da situação de conflagração que vive a nação imperialista:

“Um bombeiro foi expulso de um prédio perto de Lille aos gritos de ‘isso é a França, fora árabes’; uma padaria em Avignon foi pichada com slogans racistas e homofóbicos, e depois incendiada por empregar um aprendiz marfinense; um adolescente espancado e quase afogado em um canal perto de Nîmes por quatro homens que gritavam: ‘volte para a cidade da jihad’; uma lojista em Perpignan intimada, por carta, a ‘ir embora para a África’ antes que seu bairro fosse ‘impiedosamente limpo’; um motorista de ônibus em um subúrbio de Paris agredido e atropelado por um homem que gritava: ‘estou cansado de pessoas como vocês, Bougnoules (termo depreciativo para árabes) e negros – eu voto no Reagrupamento Nacional, vou matar vocês, vou massacrá-los, vou erradicá-los.’” (Benjamin Dodman, 4/7/2024).

Uma primeira análise dos resultados

Os resultados oficiais ainda precisam ser divulgados para uma apreciação mais precisa, mas ao fechamento dessa edição uma análise é certa. O Le Monde descreve: “a correlação de forças dentro da esquerda é sensivelmente diferente da coalizão de esquerda anterior, a Nova União Popular Ecológica e Social. O grupo dos ‘insubmissos’ obtém de 68 a 74 assentos, aproximadamente o mesmo número que tinha na legislatura anterior. O PS consegue dobrar seu contingente, obtendo de 63 a 69 assentos, depois de ter cerca de trinta deputados. Isso os coloca em uma correlação de forças igualitária com os ‘insubmissos’. Os ecologistas obtêm de 32 a 36 assentos, ganhando uma dezena de deputados (contra 23 eleitos anteriormente). Os comunistas conseguem salvar de 10 a 12 assentos”.

Ou seja, no fim não foi uma vitória da esquerda. O Partido Socialista é um partido do imperialismo que estava esgotado e agora dobrou a sua bancada. Os ecologistas são quase o mesmo. Ambos são na prática do mesmo bloco político que Macron.

A realidade de França é a seguinte: a extrema direita cresceu, a direita tradicional perdeu força, mas conseguiu manobrar para crescer com sua ala esquerda, o PS e os verdes. A esquerda propriamente, a FI, na prática, ficou igual. Quem se salvou foi Macron, que deveria ter perdido muito mais deputados, mas se safou, mais uma vez, com a capitulação da esquerda.

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