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Ricardo Rabelo

Ricardo Rabelo é economista e militante pelo socialismo. Graduado em Ciência Econômicas pela UFMG (1975), também possui especialização em Informática na Educação pela PUC – MINAS (1996). Além disso, possui mestrado em sociologia pela FAFICH UFMG (1983) e doutorado em Comunicação pela UFRJ (2002). Entre 1986 e 2019, foi professor titular de Economia da PUC – MINAS. Foi membro de Corpo Editorial da Revista Economia & Gestão PUC – MINAS.

Coluna

Bolívia: crise política, econômica e as ameaças do imperialismo

"A Bolívia está de novo na mira dos EUA e da burguesia local e tudo indica que está em andamento uma operação de mudança de regime no país"

A Bolívia está de novo na mira dos EUA e da burguesia local e tudo indica que está em andamento uma operação de mudança de regime no país. As motivações para isso são óbvias para quem acompanha a vida política do país no período recente. A eleição de Luis Arce em 2020 pelo partido Movimiento al socialismo, enterrando a aventura golpista de 2019, nunca foi aceita pela burguesia local e pelo imperialismo. O partido representa a opção por uma política de defesa da soberania do país e de investimento em políticas públicas que favoreçam a maioria dos trabalhadores, e em muitos aspectos o confronto com o imperialismo, que busca se apossar das riquezas naturais do país.

A Bolívia tem as maiores reservas de lítio do mundo, estimadas em 21 milhões de toneladas nas salinas de Potosí, o que a faz ser considerada uma das prioridades para os fundos de investimento globais como Black Rock , Vanguard e para as corporações do capital financeiro internacional. Para o Departamento de Defesa dos EUA é uma prioridade estratégica o controle do Lítio pelo imperialismo, evitando que caia em mãos da China. O atual governo boliviano Luis Arce mantém a proposta de industrialização desse metal alcalino, resistindo às pressões do imperialismo pela sua exportação “in natura”.

Isto é o bastante para os EUA caracterizar o governo de Luis Arce como corrupto, à frente de um “narcoestado” e a disposição de eliminar os MAS do poder. Soma-se a isso a provável entrada da Bolívia neste ano nos Brics, aliança econômica que reúne Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã. O bloco tem 40% das reservas provadas de petróleo do mundo, 53,1% de suas reservas de gás natural e 40,4% de suas reservas de carvão. Da mesma forma, liderados por China e Rússia, os países BRICS+ são peças-chave na cadeia de suprimentos das chamadas tecnologias limpas, e um dos minerais-chave para a transição energética e a indústria de baterias elétricas é o lítio. A Bolívia também possui reservas importantes de terras raras e água potável. A pressão externa aumentou muito recentemente, devido à assinatura de acordos entre o governo boliviano com os consórcios chineses CATL Brunp e Citic Guoan e a empresa russa Uranium One Group, da corporação Rosatom, para a construção de plantas-piloto para produzir lítio no Salar de Uyuni.

A luta política dentro do Movimento ao Socialismo coloca Luis Arce como um representante de uma tendência de direita, que busca apoio da burguesia local e consegue ter influência nas principais centrais sindicais bolivianas e Evo Morales como defensor dos interesses dos trabalhadores rurais e urbanos. A trama contra Evo Morales chegou ao Tribunal Constitucional que determinou que a reeleição só é possível uma vez, eliminando a possibilidade de reeleição contínua. A decisão contou com apoio da sempre golpista OEA , cujo Tribunal Interamericano de Direitos Humanos decidiu não reconhecer a reeleição como um “direito humano”. Os partidários de Evo Morales fizeram grandes manifestações com bloqueios de estradas contra esta decisão porque o mandato dos juízes do Tribunal Constitucional já estava extinto e não foram feitas novas eleições. Em função dos protestos, o parlamento boliviano concordou em convocar novas eleições para o Judiciário e Morales espera que sejam eleitos Juízes mais respeitadores da Constituição boliviana que não restringe a reeleição. Na Bolívia a soberania popular é que define os juízes e não a máquina burocrática da “justiça”; 

A estratégia de Arce de minar o partido Movimiento al Socialismo por dentro atende às intenções da chefe da missão diplomática dos EUA em La Paz, Debra Hevia que está desenvolvendo uma política de desestabilização cujo principal objetivo é o desaparecimento do MAS e, com isso, eliminar toda a trajetória do processo de mudança social iniciado em 2005 no país por Evo Morales. Desde sua chegada à Bolívia, em setembro de 2023, Hevia intensificou uma campanha de forças institucionais e extra-legais para agitação de massas, sustentada por uma operação midiática centrada em “fake news” e propaganda, além de espionagem, ataques cibernéticos, sabotagem e outros mecanismos desestabilizadores.

Para isso, Hevia, que já trabalhou no Centro de Operações do Departamento de Estado – um grupo de trabalho dedicado a tarefas de inteligência e operações especiais – reforçou os programas semi clandestinos da missão com impacto político, econômico e de imersão social em áreas marginalizadas da Bolívia. O objetivo é gerar um clima de insatisfação social através do treinamento de lideranças para ações de rua, tudo com financiamento do National Endowment for Democracy (NED) do Instituto Republicano Internacional e do Instituto Nacional Democrático – instituições que tradicionalmente organizam operações de mudança de regime e golpes suaves dos partidos Republicano e Democrata.

Para essa ação desestabilizadora os Estados Unidos contam com atores internos e externos como a conservadora Fundação Liberdade e Democracia, fundada em 2023 e composta, entre outros, por ex-primeiros-ministros e ex-presidentes de direita e extrema direita da Espanha, México, da Colômbia Iván Duque(presidente de extrema direita da Colômbia de 2018 a 2022) e a boliviana Jeanine Áñez (golpista do golpe em 2019, estando presa por este crime). Cumpre um papel importante também a Aliança Latino-Americana de Informação, formada por uma rede de redes de televisão públicas e privadas nos Estados Unidos e na América Latina (CBS, Caracol na Colômbia, Unitel na Bolívia e TV Azteca no México, entre outras). Como não podia deixar de ser, o golpismo conta com a participação de ONGs bolivianas como Ríos de Pie e Fundación Construir, além do ativismo do Projeto Centurion, da organização Grupo de Apoyo de la Iglesia Militar (ligada à Igreja Batista de Fort Bragg, hoje Fort Liberty), em áreas rurais sob o guarda-chuva de projetos comunitários.

Da mesma forma, com o objetivo de reconstruir o braço armado da Juventude Santa Cruz para gerar episódios violentos nas ruas, Hevia financiou as atividades de Svonko Matkovik, com histórico de terrorista e atual presidente da Assembleia Legislativa de Santa Cruz pelo partido Nós Acreditamos. Faz parte da ação da funcionária dos EUA, gestões para definir um único candidato de direita para as eleições de 2025, entre os quais dois nativos daquele estado estão sendo considerados: o governador interino Mario Aguilera e o prefeito Johnny Fernández e Manfred Reyes Villa, prefeito de Cochabamba.

De acordo com o governo, a Bolívia atingiu um PIB nominal de US$ 46,713 bilhões em 2023, prova da eficácia do Modelo Econômico adotado pelos governos no último período. Em 2005, inicio dos governos Morales e Arce, o PIB tinha um valor de nove bilhões e meio de dólares. 

Em 2020, as políticas improvisadas do governo golpista de Jeanine Áñez, a corrupção predominante e os efeitos da pandemia de Covid-19 reduziram para US$40,703 bilhões, um indicador que em 2019 era de US$41,193 bilhões.

De acordo com o governo, a inflação de fevereiro de 2024 foi de 0,3%. Mas a economia boliviana possui um grande problema, que é a queda do fluxo de dólares gerado pela exportação de gás e o crescimento dispêndio de divisas na compra de petróleo e derivados do exterior. Isso tem gerado períodos de escassez de dólares para serem comprados pela população. 

No dia 24 de janeiro, as reservas do Banco Central de livre disponibilidade eram de US$620 milhões. Duas semanas depois, no dia 8 de fevereiro, esses US$620 milhões tinham caído 40%, para US$372 milhões. As reservas totais estavam em US$3,5 bilhões, mas em dinheiro vivo mesmo, só esses US$372 milhões. Pela progressão matemática, esse dinheiro não duraria até o final do mês. Começava uma corrida bancária para retirar depósitos em dólares ou para comprar dólares antes que acabasse. Quando o dinheiro acabou nas entidades financeiras, o Banco Central resolveu vender diretamente ao público, temeroso de uma desvalorização do peso boliviano. 

A moeda boliviana está congelada no valor do dólar em 6,96 pesos desde 2 novembro de 2011, tornando o câmbio fixo. Não há possibilidade de alterar isso, pois poderia gerar uma desestabilização do governo.

Para o governo, a expectativa é que os dólares voltarão para a economia através da liberação de crédito de organismos multilaterais. Enquanto isso, o governo conseguiu liberar US$540 milhões para a venda através de dois instrumentos financeiros: liberou por completo a necessidade de compulsórios sobre os depósitos em dólar, obtendo US$40 milhões, e monetizou os Direitos Especiais de Saque, a moeda transacional do FMI, obtendo outros US$300 milhões.

Outra medida do governo foi zerar os compulsórios bancários, o que permite que os bancos liberem mais crédito para a população.

Em junho de 2015, as reservas do Banco Central Boliviano (BCB) eram de US$ 14,7 bilhões . Hoje, são inferiores a US$ 3,5 bilhões. Desde 8 de fevereiro, o BCB não divulga quanto dinheiro tem em caixa.

O modelo econômico implementado baseia-se no gasto público como motor da economia. Quando foi criado, o país surfava no “boom das commodities”, especialmente de petróleo e gás, tendo o Brasil e a Argentina como principais clientes. Para evitar aumento de preços, o Estado passou a subsidiar combustíveis e alimentos, principalmente.

O “boom” acabou em 2014. O gasto público tornou-se déficit fiscal elevado(entre 7% e 10%). A conta deficitária foi financiada com endividamento e com as reservas do Banco Central. O aumento das exportações que permitiu acumular reservas rapidamente não foi por aumento do volume, mas por efeito do preço das matérias-primas. Apesar da queda dos preços das commodities, os governos de Morales e de Arce continuaram a usar o investimento público como variável de ajuste. E como a mercadoria mais barata na Bolívia é o dólar, tem mais sentido importar qualquer coisa do que produzi-la internamente.

A agência classificadora Fitch rebaixou a nota do país, destacando que “a contínua queda das reservas internacionais a níveis tão baixos tornou a situação vulnerável a oscilações bruscas. A adoção de medidas de arrocho fiscal é impossível, pois levaria à redução dos gastos sociais e subsídios. Quando Evo Morales chegou ao poder em janeiro de 2006, o gasto público era de US$ 1,7 bilhão e hoje chega a US$ 13 bilhões.

A política econômica não aumenta os investimentos na produção de gás e esta não aumenta. Há até uma redução porque não são descobertos novos poços que substituam aqueles que acabam. Já o investimento direto externo há dois anos foi de US$ 400 milhões; no ano passado, US$ 200 milhões. 

Em 2014, a Bolívia produzia 61 milhões de metros cúbicos diários de gás; hoje, produz 40% a menos, em torno de 37 milhões. A produção diminui 3,5% todos os anos. O parque automotor aumentou, mas para não haver aumento nos combustíveis, em boa parte importados, há subsídios à gasolina e ao óleo diesel.

Com isso, de exportadora de energia, a Bolívia se tornou, desde abril de 2022, em importadora de energia. A balança energética é deficitária em US$1,1 bilhão. Há dez anos, era superavitária em US$ 4 bilhões.

Nessa situação econômica, o governo não adota reformas estruturais que possam direcionar os recursos do setor privado para o setor público e se torna, portanto, vulnerável às pressões econômicas e políticas do imperialismo. A mobilização dos trabalhadores tem, até agora, impedido ações de desestabilização internas ou externas. Mas não se pode subestimar a capacidade do imperialismo em forçar mudanças de regime , agora não mais na forma de golpe improvisado, mas de uma estratégia planejada de manipulação das massas e unificação de uma candidatura única da direita, para não só ganhar as eleições, mas destruir o MAS e todas as conquistas obtidas até agora.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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