“Não é negro; agora se diz preto”. Segundo texto da professora de filosofia Djamila Ribeiro, publicado na Folha, a frase, dita por um participante do programa Big Brother Brasil, presta um desserviço ao movimento negro. É que negro, de acordo com certa convenção, usada no Estatuto da Igualdade Racial e no IBGE, passou a denominar o conjunto formado por pretos e pardos. Então, preto é preto, pardo é pardo e negros são todos juntos. A preocupação da ativista é que esteja sendo divulgada uma informação incorreta, que teria o condão de prejudicar as conquistas do movimento.
A preocupação da escritora, no entanto, é menos o Big Brother Brasil do que a sua repercussão na internet. Ela volta suas baterias contra os blogs e influenciadores que produzem conteúdo de interesse da população negra e que se teriam tornado “simpatizantes” do programa da Globo. Eles estariam fazendo publicações diárias sobre as questões que envolvem os participantes negros, amplificando o que se diz no programa, possivelmente em troca de patrocínio, embora sem deixar isso explícito. Estariam, grosso modo, fazendo uso da causa para amealhar seu pixuleco.
Segundo ela, o aspecto especialmente nocivo do problema é que não se sabe se essa produção de conteúdo é jornalismo ou propaganda. Sendo jornalismo, teria compromisso com a “verdade”; sendo propaganda, não.
Supõe-se que, quando ela própria aparece fazendo a propaganda da grife italiana Prada, do uísque americano Johnny Walker ou de outros produtos de consumo da elite, a causa não saia prejudicada, pois ela está explicitamente ganhando seu dinheiro como outra pessoa qualquer. Pode ser, embora saibamos que professores universitários de filosofia não costumam ser garotos-propaganda de artigos de luxo – e que foi, sim, a “causa” que lhe propiciou o status de celebridade e, por conseguinte, de garota-propaganda.
O problema agora, no entanto, adquire outros contornos. Embora ela teça algumas críticas ao Big Brother Brasil, seu alvo mesmo são as redes sociais, tanto que a conclusão de seu texto é esta: “Dito isso, é preciso regular as plataformas de redes sociais e as empresas de marketing digital. O povo não pode seguir sendo feito de bobo”. Em suma, é preciso controlar quem está autorizado a falar e o que se pode falar na internet para que “o povo não seja feito de bobo”.
O curioso é que nem se trata mais da sua velha discussão sobre “lugar de fala”, que alijava os brancos das discussões sobre racismo, dado que, segundo a doutrina identitária, todos os não negros são racistas por tabela. Agora, a confusão atinge os próprios negros – pretos ou pardos –, e, pelo jeito, alguns têm mais lugar de fala que outros. É preciso que os donos da verdade (com PhD em cultura woke) protejam o “povo” das mentiras e das incorreções.
A ideia de que “o povo” precisa ser tutelado por não saber pensar por si próprio é, no mínimo, elitista. Os próceres do movimento identitário não são gente do povo, mas arvoram-se em seus representantes com base unicamente na cor da pele – e cessa por aí o que possam compartilhar com a maioria dos negros, que, pobres, garantem as estatísticas, em nome das quais se abrem “espaços de poder” para esses poucos. Ao apartarem a classe social do debate racial, cerram fileiras com a burguesia e defendem posições reacionárias, como o controle da informação na internet, que favorecem a classe que já está ganhando o jogo.