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José Álvaro Cardoso

Graduado pela Universidade Federal de Santa Catarina, mestre em Economia Rural pela Universidade Federal da Paraíba e Doutor em Ciências Humanas pela UFSC. Trabalha no DIEESE.

Coluna

Anotações sobre Desenvolvimento Econômico

"O desenvolvimento econômico está longe de ser uma consequência natural de uma política econômica 'adequada'"

O desenvolvimento econômico está longe de ser uma consequência natural de uma política econômica “adequada”. Os países que conseguiram se desenvolver o fizeram por ter encarado a luta pela soberania nacional e pelo desenvolvimento. Além, é claro, de aproveitarem, de forma estratégica, as “janelas” de oportunidades que se apresentam a cada conjuntura mundial específica. 

No contexto global atual, que apresenta vários focos de guerra, o Brasil se encontra em uma posição estratégica. O país se posiciona geopoliticamente distante dos principais conflitos globais e mantém uma postura de neutralidade, em um mundo cada vez mais conflagrado, o que lhe confere uma vantagem rara.

Além disso, o país tem também liderança na agenda global de sustentabilidade. Com uma matriz energética diversificada – incluindo fontes renováveis como a energia eólica, solar e hidrelétrica – o país se destaca por sua contribuição para a redução das emissões de carbono. O Brasil é também um dos maiores produtores de biocombustíveis, o que o posiciona como um importante ator no mercado energético global. Além disso, o país se destaca pela posição de maior exportador de alimentos do mundo, com uma extensa área de terra disponível para a agricultura. E que poucos países têm no mundo.  

Essa posição privilegiada permite ao Brasil atender à crescente demanda global por alimentos, consolidando sua posição como um dos principais fornecedores internacionais. Como mostra a história, nenhum país consegue proporcionar uma vida melhor para o seu povo, sem desenvolver o setor industrial e o setor de serviços mais elaborados (e que vêm colado à indústria). Ao longo das últimas décadas, a produtividade na agricultura cresceu mais do que em muitos setores da indústria. Um agricultor pode produzir hoje o que dez ou 12 produziam há 70 ou 80 anos. O paradoxo é que a agricultura mais eficiente do mundo é incapaz de sobreviver sem subsídios e proteção. Cada vaca na Europa é financiada com um montante 4 ou 5 vezes superior à renda per capita de muitos países da África

No entanto, apesar do aumento impressionante de produtividade no setor agrícola, não diminuiu significativamente o número de pobres e famintos no mundo. Pelo contrário, no período recente esse número se elevou, em função do estrago feito pela globalização. O fato é que nenhum país do mundo pode elevar significativamente a renda per capita, se não dispuser de um setor industrial e um setor de serviços mais complexos.  Os países subdesenvolvidos nunca se desenvolverão exportando alimentos e matéria primas para os países ricos.

As atividades exportadoras positivas são aquelas ligadas a indústria manufatureira. As atividades exportadoras ruins decorrem de um tipo de produção que acontece quando a agricultura e a indústria extrativa são deixadas ao sabor da lógica do mercado. As atividades exportadoras positivas têm características como: rendimentos crescentes, preços mais estáveis, melhoram a vida dos trabalhadores, tem salários inflexíveis, as mudanças técnicas levam a maiores salários e geram grandes sinergias entre os segmentos da economia. As atividades exportadoras ruins, ao contrário, apresentam rendimentos decrescentes, preços flutuantes, trabalho geralmente não qualificado, criam estruturas de classes “feudais”, tem salários flexíveis (geralmente para baixo), e criam poucas sinergias entre os setores da economia. 

Logo após a segunda guerra, os EUA montaram um plano para desindustrializar a Alemanha, que foi o país que provocou a Segunda Guerra Mundial. Para punir a Alemanha, que supostamente havia provocado a conflagração, os países imperialistas que saíram vencedores da guerra definiram que ela iria se tornar um Estado agrário. De 1946 a 1947 foi colocado em prática o plano Morgenthau (Henry Morgenthau Jr, secretário do tesouro dos EUA entre 1934 e 1945), autor do plano. A partir de maio de 1945 (quando a Alemanha se rendeu), os equipamentos industriais foram retirados do país ou destruídos e as minas de extração mineral foram submersas em água e concreto.   

Em 1947, apenas dois anos depois, os EUA já tinham percebido que a desindustrialização havia provocado rápido declínio da produtividade agrícola. Os conhecidos mecanismos de sinergia entre indústria e agricultura, funcionaram, nesse caso, pela via contrária: na medida em que se destruía a indústria, caia também a produtividade da agricultura. Esse é um dado muito interessante. Segundo declarações do próprio Morgenthau, a tentativa de transformar a Alemanha em um Estado agrário poderia exterminar 25 milhões de alemães (mais da metade da população à época). 

A produção de matérias-primas e de bens manufaturados obedece a diferentes lógicas econômicas, razão pela qual os países que produzem matérias-primas também necessitam de um setor industrial desenvolvido.  Também por essa razão o neoliberalismo e a globalização foram tão destrutivos, especialmente para os países subdesenvolvidos e muito especialmente para os pequenos e pobres. 

É fácil verificar a sinergia entre agricultura e a indústria, através de um dado muito direto. Os 5 maiores produtores agrícolas do mundo (pela ordem: China, EUA, Brasil, Índia e Rússia), além de produzirem muitos alimentos, tem também em comum a utilização cada vez maior, de tecnologias, visando aumentar a produtividade agrícola. Com a tecnologia, esses países ampliam a produção de alimentos, sem precisar expandir, na mesma proporção, a área cultivada.  

Na China, que encabeça o ranking, a agricultura já é em boa parte, digital. A produtividade avançou muito com a modernização da cadeia de distribuição e a cadeia agroindustrial. A mecanização do setor agrícola no país já superou os 80%. Uma nova geração de máquinas vem sendo desenvolvida e testada: as máquinas autônomas, que não tem condutor, recebem suas coordenadas via GPS.  Os drones também têm destaque na agricultura chinesa: com sistemas de Inteligência Artificial e sensoriamento remoto, aplicam defensivos de forma precisa e mais barata.

Nos EUA, o setor agrícola, apesar de ser o segundo volume de produção do mundo, emprega em torno de um milhão de pessoas. O que é ínfimo já que a força de trabalho norte-americana deve estar em torno de 160 milhões de trabalhadores (para uma população de 332 milhões). Atualmente cerca de 95% dos agricultores norte-americanos usam alguma tecnologia de agricultura de precisão e mais de 30% investem significativamente nessa área. A agricultura brasileira, que é a terceira do mundo, não fica devendo muito nessa área, usando também muita tecnologia. A produção nacional gera alimentos para cerca de 10% da população do mundo, tendo a sua participação no mercado mundial saltado para mais de US$ 100 bilhões na última década. Entre os maiores produtores, o potencial de expansão da área plantada do Brasil, é um caso único. 

O uso de tecnologia tem sido estratégico para os países garantirem a oferta de alimentos à população. Por isso, a existência de um setor industrial forte é o que caracteriza os países que possuem agricultura forte.  Do ponto de vista técnico, quanto menor o peso da agricultura como percentual do PIB, menores são as probabilidades de crises de fome.  

A China, da década de 1970 para cá, retirou mais de 800 milhões de pessoas da fome, com uma série de medidas. Uma delas foi justamente se converter na “fábrica do mundo”. Converter-se em “fábrica do mundo” possibilitou à China que se tornasse também um grande “celeiro”. Não do mundo, mas pelo menos para atender sua população, que corresponde a mais de 18% da população da terra.  Resumo da ópera: os países que produzem muitos alimentos e matérias-primas, como o Brasil, também necessitam de um setor industrial forte.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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