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Ricardo Rabelo

Ricardo Rabelo é economista e militante pelo socialismo. Graduado em Ciência Econômicas pela UFMG (1975), também possui especialização em Informática na Educação pela PUC – MINAS (1996). Além disso, possui mestrado em sociologia pela FAFICH UFMG (1983) e doutorado em Comunicação pela UFRJ (2002). Entre 1986 e 2019, foi professor titular de Economia da PUC – MINAS. Foi membro de Corpo Editorial da Revista Economia & Gestão PUC – MINAS.

Coluna

A catástrofe iminente

"O imperialismo é o maior perigo hoje para a humanidade, inclusive de provocar uma guerra nuclear"

O mundo aparentemente havia atingido um grau alto grau de integração econômica, financeira, política e comunicacional sem precedentes na história da humanidade. Na verdade, o que estava ocorrendo é um processo de desagregação violenta do mundo que conhecemos no século XX. De uma forma surpreendente ocorreu uma explosão de múltiplos eventos que passaram a mostrar que aquela dinâmica “natural” de épocas passadas foi substituída por mudanças profundas no mundo de uma forma tão abrangente que nos arrebatou para o novo século que surgia.

Ao mesmo tempo, fomos submetidos a uma intensa vertigem causada pelo costume assiduamente cultivado no Ocidente de uma narrativa oficial que busca reproduzir o status quo, semeando desinformação e fake news e, seguindo o velho princípio de “dividir para reinar”, fragmentando os indivíduos em mil pedaços. Parece um filme de ficção cientifica em que a trilha sonora entra em conflito com as imagens que testemunhamos, e que multiplica o frenesi que sentimos diante de uma realidade ao mesmo tempo aterradora e libertadora detonando o medo e o ódio contra um inimigo interno/externo que “vem para cima de nós com tudo”. Essas sensações contraditórias parecem bloquear a capacidade de refletir sobre as causas profundas do que está acontecendo. Para nosso bem, essas causas, longe de serem naturais e eternas, são fruto de relações de poder e, como tal, passíveis de transformação.

Nem tudo o que acontece é igualmente importante para nosso presente e o futuro, e de repente um evento ao qual não demos a devida atenção cresce e passa a iluminar a lógica que cimenta os processos de mudança, tanto em nossa realidade imediata como que faz parte de um cenário internacional mais abrangente. Os fenômenos parecem queimar e transformar o conjunto da realidade porque revelam as raízes das mudanças em curso provocadas por uma estrutura econômica e política global que engendra relações de poder cada vez mais antagônicas. Quando isso acontece, os dias parecem valer por meses, até por anos, porque cada dia ganha um novo significado.

Inicialmente tudo se resume a um desprezível conjunto de declarações de funcionários da cúpula do FMI que, em geral, não falam nada que realmente interessa. Surpreendentemente, elas acabam por revelar as para tornar visíveis as causas dos problemas enfrentados países da periferia capitalista. Essas declarações conseguem revelar a essência do sistema monetário global e permitem compreender as implicações das políticas que, em diferentes partes do mundo, impõem o reinado do dólar.

FMI: as transformações do sistema monetário global

Um dos membros da direção do FMI, alertou recentemente que “os laços da economia global estão mudando de maneiras não vistas desde o fim da Guerra Fria (…) Os países estão reconsiderando seus parceiros comerciais de acordo com seus interesses econômicos e de segurança nacional (…), estão reavaliando sua estreita dependência do dólar em suas transações e reservas internacionais.” A principal consequência disso acaba sendo uma nova configuração da economia global que passa a ser composta por três blocos. O primeiro reúne as principais economias imperialistas, comandadas pelos EUA, o segundo agrega o conjunto de países que fazem parte dos BRICS e da Confederação Euroasiática liderados pela parceria China e Rússia e o terceiro reúne uma série de países não que se alinham uma hora a um dos outros dois blocos e depois mudam de posição. 

Trata-se, portanto, da emergência de uma ordem mundial intrinsecamente conflagrada pelo fato de que o segundo bloco é antagônico ao primeiro e desafia permanentemente a hegemonia dos EUA e o predomínio, nas transações internacionais, de sua moeda, o dólar. Isso é promovido pelos BRICS, a associação de países que, liderada por Rússia e China, busca fortalecer as relações comerciais e financeiras fora do dólar com o objetivo de evitar as sanções econômicas dos EUA e do FMI e, assim, poder desenvolver suas economias de acordo com seus interesses nacionais.

A instabilidade permanente da Economia mundial

A instabilidade no sistema internacional foi criada pela ação unilateral dos Estados Unidos ao estabelecer, por opções ideológicas e políticas, sanções econômicas a uma série de países pelo simples fato de que sua estrutura política e medidas de política econômica adotadas afetam interesses do Governo e/ou das empresas norte-americanas. São, na verdade, medidas de guerra econômica para gerar uma situação de caos na economia dos países sancionados, de forma a propiciar que seus povos se rebelem contra seus governos e eventualmente provoquem mudanças do regime político adotado. 

Inicialmente havia um único país a sofrer sanções, ou melhor, um embargo econômico: Cuba. Seu pecado era ter implantado uma economia socialista e estatizado empresas de propriedade de cidadãos norte-americanos. De lá para cá, não houve nenhuma nova revolução socialista e, pelo contrário, houve o colapso da URSS, que tornou a economia mundial novamente plenamente capitalista, com exceção apenas de Cuba, Coreia do Norte e China, cuja economia, no entanto, sempre funcionou como economia de mercado. 

Os EUA, devido a conflitos cada vez maiores com seus inimigos, ultrapassou várias linhas vermelhas no seu afã de punir as economias dos outros países por terem de alguma forma tomado alguma medida que ameaçava os interesses econômicos estadunidenses O governo dos EUA se apropriou de ativos e empresas de outros países, retirou a Rússia do sistema de pagamentos SWIFT além de penalizá-la com milhares de sanções. 

A reação dos países foi simples: passar a afazer suas transações com suas próprias moedas, sem usar o dólar como intermediário, se tornado inatingíveis pelas sanções dos EUA que se circunscrevem ao dólar. O resultado é que, de acordo com dados do FMI, de representar 70% do total das reservas globais em 2001, o dólar passou de representar 59% em 2023. A intensificação dos conflitos geopolíticos globais nos últimos tempos acelerou o desenvolvimento de transações financeiras e comerciais fora da área do dólar.

Dólar, Crise Financeira, Petróleo

Por outro lado, há muitos fatores que ameaçam a estabilidade da economia mundial. Cresce a possibilidade de uma nova crise financeira internacional alimentada pelo crescimento ilimitado da dívida pública e privada dos EUA. A corrida bancária do ano passado foi contida pelo Fed, mas suas causas não foram resolvidas e agora ameaçam outros bancos. Após 11 meses de aumentos consecutivos das taxas de juros pelo Fed, a dívida “não realizada” nos balanços dos bancos continua crescendo. Soma-se a isso a existência de US$ 1,9 trilhão de dívida no limite da inadimplência ligada aos negócios imobiliários dos bancos comerciais, especialmente os regionais. Isso também ocorre em um contexto de enorme endividamento das famílias que hoje chega a 17,5 trilhões de dólares: 70% disso se deve a hipotecas. Soma-se a isso outro tipo de dívida que cresce de forma rápida e explosiva: a “dívida fantasma” contraída por meio do sistema “compre hoje e pague amanhã”, um sistema de dívida parcelado que cresce constantemente incentivado pela inflação e pela deterioração do poder de compra dos salários.

Essas circunstâncias marcam a armadilha em que o Banco Central dos EUA se encontra: a necessidade de evitar que a inflação saia do controle, aumentando as taxas de juros, e a necessidade de impedir que este aumento detone o enorme endividamento dos EUA. Isso acontece em circunstâncias em que o preço da energia se tornou um componente decisivo da inflação e depende de fatores sobre os quais o Banco Central não tem influência. Entre esses fatores, há um que permaneceu invisível até agora: a enorme dependência de fontes de energia fóssil não renováveis, cuja produtividade está sendo gradualmente esgotada.

Nos EUA, a produção de energia não convencional foi responsável por 75% do aumento da produção de petróleo nos últimos 15 anos e foi crucial para sua transformação em 2020 em um exportador líquido de petróleo pela primeira vez desde 1949. Nos últimos tempos, há sinais de que essa produção não convencional chegou ao seu limite: a cada ano que passa, a produtividade dos poços diminui mais rapidamente. No passado, a queda na produtividade de “milhares de poços antigos” foi mascarada pelo rápido aumento da produtividade de novos poços, e a indústria não convencional quase dobrou a produção média de poços na última década. No entanto, observa-se agora uma aceleração na queda de desempenho. Espera-se que essa queda aumente de intensidade porque cada novo poço que é adicionado a uma determinada seção aumenta a taxa de declínio de produção em toda aquela seção. Após anos de intenso desenvolvimento, a grande maioria dos poços novos está próxima a poços antigos, que esvaziaram o reservatório do entorno, reduzindo a produção de novos. Isso ocorre em todas as áreas mineradas, mas afeta especialmente a Bacia do Permiano Delaware. Espera-se que isso tenha um grande impacto de curto prazo nos preços da energia nos EUA. Soma-se a isso o impacto nos preços da energia das guerras na Ucrânia e no Oriente Médio, que, longe de diminuir, parecem se intensificar no calor de conflitos geopolíticos que não admitem uma solução negociada.

Entretanto, na semana passada, os Presidentes da China e da Rússia reuniram-se para reforçar a sua aliança estratégica e reafirmar, entre outras coisas, o seu total apoio à construção de um mundo multipolar baseado na democratização das relações internacionais, no direito de todos os países escolherem o seu modelo de desenvolvimento econômico e político de acordo com os interesses dos seus povos e no repúdio a uma ordem global baseada numa só potência. 

Por outro lado, nenhum dos candidatos a presidente dos EUA pensam de alguma forma em contribuir para alguma estabilidade econômica ou financeira. Eles disputam entre si quem vai impor mais tarifas aos produtos chineses no mercado norte-americano. Um aumento das sanções também é esperado, sendo que Trump se propõe a sancionar todos os países que fizeram transações internacionais sem usar o dólar. 

O imperialismo é o maior perigo hoje para a humanidade, inclusive de provocar uma guerra nuclear. A única solução para que a humanidade assegure a sua sobrevivência é tudo fazer para que o imperialismo perca seu poder e criemos condições para sua total eliminação.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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