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José Álvaro Cardoso

Graduado pela Universidade Federal de Santa Catarina, mestre em Economia Rural pela Universidade Federal da Paraíba e Doutor em Ciências Humanas pela UFSC. Trabalha no DIEESE.

Coluna

Um império endividado e belicoso

"Quando os líderes do BRICS falam em substituir o dólar pelas moedas nacionais, isso significa quase uma ameaça de morte para o imperialismo"

Nos dias 9 e 10 de dezembro, os Estados Unidos sediou, por videoconferência, a “Cúpula Mundial para a Democracia de Líderes”. O evento tratou de temas como direitos humanos, autoritarismo, corrupção etc. Apesar da existência de mais de 200 países e regiões que fazem parte da comunidade internacional, apenas alguns países foram convidados para o evento. China e Rússia foram excluídos, na Europa Turquia e Hungria também não foram convidados. No Oriente Médio, apenas Israel e Iraque foram chamados para a “cúpula da democracia”. Promover Israel, cujo governo pratica uma política de genocídio contra os palestinos, à condição de democracia, é de um deboche absoluto.

O sistema político norte-americano está longe de ser uma unanimidade, nem mesmo entre a sua população, os próprios norte-americanos são muito críticos em relação ao funcionamento da democracia no seu país. Por exemplo, segundo uma recente pesquisa publicada pela Rádio Pública Nacional, 81% dos norte-americanos acreditam que a democracia americana está correndo sério risco, sendo que a maioria dos entrevistados não considera que o sistema de democracia norte-americano possa servir de exemplo para outros países. Porém, há uma questão que precede esse debate: será que pode existir um modelo universal de democracia e um país que seja exemplo para o restante do mundo nesse quesito? Evidentemente, não existe apenas um caminho para o exercício da democracia. Cada país deve ter a liberdade explorar uma via democrática que se adapte às suas próprias condições nacionais e que seja o melhor para o seu povo.

O que ocorre é que os EUA usam a “democracia” como um instrumento de opressão do resto do mundo, como um pretexto para invadir países, financiarem golpes de estado, revoluções coloridas e outros crimes, visando assegurar seus objetivos geopolíticos no mundo. Observem o que estão fazendo no massacre do povo palestino na Faixa de Gaza, neste momento: em nome da democracia, financiam um regime fascista que mata crianças, mulheres e idosos. Ou alguém pode ter dúvidas que, se não fossem os bilhões que os EUA injetam todos os anos em Israel a fundo perdido, esse Estado cairia de podre em alguns meses?

Essa busca pela “liderança” da democracia no mundo, ocorre em paralelo à dramática crise econômica que atravessa os EUA e o imperialismo em geral. O déficit orçamentário do país, por exemplo, ficou em US$ 2,02 trilhões no ano fiscal de 2023 (terminado em setembro). A dívida nacional bruta dos Estados Unidos atingiu impressionantes US$ 33,7 trilhões, e segue um ritmo de crescimento que, segundo alguns cálculos, é de 14 bilhões de dólares por dia. Se tais estimativas estiverem corretas, a dívida pública do governo norte-americano aumenta em 4 dias o equivalente ao Produto Interno Bruto (PIB) do Uruguai (US$ 59,32 bilhões). Este dado revela, além de outros aspectos, a imensa desigualdade de riqueza entre os países. Ademais, quase US$ 2 bilhões são gastos diariamente apenas em juros da dívida nacional.

Mesmo para o país mais rico da Terra, é muito difícil pagar uma dívida que equivale a quase 150% do seu PIB. O que os EUA fazem, de forma paliativa, é rolar permanentemente a dívida, isto é renegociar os títulos da dívida, renovando sempre com taxas de juros mais “atraentes”, ou seja, superiores. Com taxas mais elevadas, paga-se mais juros e o estoque da dívida aumenta. Este é o ciclo vicioso da dívida pública, que atormenta tantos países (com destaque para o Brasil, que é o país que mais paga juros, em proporção ao seu PIB).

O país que sustenta a máquina de guerra mais cara do planeta (não necessariamente a mais eficiente), compromete mais de 30% de sua receita tributária federal com o pagamento de juros. Pode-se indagar: o que falta para se resolver um problema tão fundamental? É relativamente simples de entender: quem manda no país ganha muito dinheiro com essa roda-gigante especulativa. São eles: os bancos, grandes empresas, os ricos em geral. Ou seja, 0,5% da população, em prejuízo de 99,5% dos norte-americanos.

A pobreza nos Estados Unidos, segundo um indicador chamado Medida de Pobreza Suplementar, subiu e passou a atingir 12,4% da população, conforme mostram números divulgados recentemente.  Essa mesma economia, dominada pelo capital financeiro, precisa importar trabalhadores da América Latina para operar na economia real (fábricas, serviços em geral, limpeza, construção civil).

Para o governo dos EUA conseguirem rolar a dívida, a demanda global por dólares e por títulos de dívida dos EUA deve se expandir permanentemente. Resultado que é conseguido, seja pela força do argumento, seja pelo argumento da força. Esse castelo de cartas se mantém porque os EUA têm o poder da senhoriagem, ou seja, pode imprimir, sem custo, uma moeda com aceitação e curso internacional. Nenhum outro país no mundo tem essa possibilidade, a não ser os EUA.

É por isso que os EUA estão apavorados com o BRICS+, organização que contará com 10 países a partir de janeiro de 2024 (seriam 11, porém a vitória de Javier Milei nas eleições, tira a Argentina do Bloco, conforme adiantou o novo presidente). Sem dúvida, o maior golpe econômico desferido contra os interesses norte-americanos na história, está na área financeira, com a intenção e o início da substituição do dólar por moedas locais nos países do BRICS, nas atividades financeiras internacionais. Isso irá atingir em cheio o poderio do império americano e mundial, em boa parte assentado na hegemonia do dólar, que fornece aos EUA um privilégio incomparável. O processo de substituição tende a ser lento, gradativo, porque o sistema monetário internacional é bastante complexo. Ademais, a transição não pode dar errado, sob pena de colocar o próprio projeto dos BRICS, em xeque.

A hegemonia do dólar já tem quase 80 anos, vem desde os Acordos de Bretton Woods, feitos em 1944. Em boa parte, a dominação imperialista se dá sobre essa hegemonia da moeda. Quando os líderes do BRICS falam em substituir o dólar pelas moedas nacionais, ou por uma futura moeda do bloco, isso significa quase uma ameaça de morte para o imperialismo, porque boa parte do poderio norte-americano está assentado sobre o privilégio de sua moeda nacional ser a moeda de curso mundial nas transações econômicas.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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