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Antônio Vicente Pietroforte

Professor Titular da USP (Universidade de São Paulo). Possui graduação em Letras pela Universidade de São Paulo (1989), mestrado em Linguística pela Universidade de São Paulo (1997) e doutorado em Linguística pela Universidade de São Paulo (2001).

História em quadrinhos

Os quadrinhos de Dáblio C.

Na HQ “Suelen”, os travestis combatem a moral burguesa

              Frequentando feiras de histórias em quadrinhos, muitas vezes encontrei livros raros e interessantes; semelhantemente, nas feiras de livros, sempre há HQs perdidas entre a literatura. Não me refiro a HQs didáticas – quadrinhos para ensinar Física, Marxismo ou Psicanálise –, mas de HQs autorais, tais quais “Ignóbil”, 2014, do Dáblio C.

              A mocinha quem me vendeu a “Ignóbil” me disse lembrar do Robert Crumb ao ler Dáblio C. e ela tinha razão; boa parte do quadrinho alternativo lembra do R. Crumb por, pelo menos, dois motivos: (1) porque Crumb, em 1968, praticamente definiu o underground no universo dos quadrinhos; (2) porque Crumb tematiza com ênfase a resistência ao sistema social dominante, baseado no capitalismo e na moral cristã, seja ela católica ou protestante. A “Ignóbil”, porém, diferencia-se de Crumb quando Dáblio C. faz quadrinhos brasileiros; trata-se de combater os mesmos valores denunciados por Crumb, todavia, em suas versões brasileiras, com personagens das periferias do Brasil e não dos moradores dos bairros desafortunados de Nova Iorque ou São Francisco.

              Vou comentar apenas uma das muitas histórias de “Ignóbil”, isto é, “Suelen”, a primeira HQ do volume de 104 páginas. Na trama, um mocinho de classe média baixa, cujo comportamento oscila entre o submundo e os valores burgueses, entra em crise com a namorada Juliana – um relacionamento baseado em valores estereotipados, portanto, bastante discutíveis – e termina se envolvendo com Suelen, o travesti, seu vizinho.

              Ainda com bocados de cocaína e uma garrafa de vodca, ambos terminam a noite no apartamento dele bebendo, cheirando e, quando surgem os afetos, terminam fazendo sexo. No dia seguinte, Suelen precisa sair correndo e perde o sapato de salto, feito se fosse a cinderela da boca do lixo; durante a noite, o rapaz reencontra Suelen para devolver o sapato e a amizade se renova por meio da cocaína, da vodca e do sexo.

              No texto da HQ, quando o mocinho fala de travestis, longe do preconceito, ele os define sendo subversores da natureza; eis a frase: “eles sempre me pareceram uma categoria extra de ser humano. Não são mulheres, mas também não são homens. Quer dizer, nasceram caras, mas se reinventaram por conta própria, modificando seus corpos, criando nomes e identidades, subvertendo a natureza”. Nessa subversão, Suelen mostra os modos pelos quais o rapaz poderia subverter as próprias condições, indo além das fronteiras estreitas do moralismo e do lugar comum, expressos tanto pelos discursos burgueses de Juliana, quanto pelos discursos dos marginais, habitantes dos bares, em que se passa a história.

              Em seguida, reproduzimos uma das páginas de Suelen, justamente aquela quando o casal entra no apartamento dele pela primeira vez; aos interessados, boa leitura!

* A opinião dos Colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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