O Movimento de Resistência Islâmica (Hamas, na sigla em árabe) é constantemente apresentado pela imprensa burguesa, pró-imperialista, como uma entidade terrorista que não representaria os palestinos. Ao contrário, os verdadeiros “representantes” dos árabes da Palestina seriam os integrantes da Organização pela Libertação da Palestina (OLP), que comandam a farsesca Autoridade Palestina – especialmente a Fatah, maior força da OLP.
Essa concepção, no entanto, é uma farsa. O Hamas se tornou o partido das massas palestinas durante as duas Intifadas (1987-1993 e 2000-2005), justamente em decorrência da falência política da OLP, que nos Acordos de Oslo decidiu reconhecer a legalidade do Estado de Israel, um enclave imperialista na região. Para explicar tal fato, é necessário fazer uma retrospectiva histórica.
O Movimento de Libertação Nacional da Palestina (Fatá, na sigla em árabe) é um partido político fundado em 1959, por intelectuais palestinos defensores da libertação do país e, portanto, da luta contra o Estado de “Israel” e pela sua extinção. O principal líder da organização foi Yasser Arafat, fundador do grupo falecido em 2004 em condições suspeitas.
Já a OLP foi fundada pela Liga Árabe, sob o comando do então presidente nacionalista do Egito, Gamal Abdel Nasser, em 1964. Essa organização tinha um caráter duplo, pois a Liga Árabe tinha como objetivo não apenas fundar uma organização de luta dos palestinos, mas principalmente um instrumento que atuasse como uma espécie de governo palestino, com um parlamento, entre outras estruturas de tipo governamental.
Essa organização, porém, era extremamente limitada na luta contra “Israel”, limitada pela ação conservadora do nacionalismo burguês, que governava no Egito, na Síria e no Iraque. Expressão do nacionalismo burguês árabe, a direção de Ahmad Chukeiri entrou em decadência após a derrota dos árabes durante a Guerra dos Seis Dias (1967).
A guerra foi vencida de forma arrasadora por “Israel”, mudando a correlação de forças do Oriente Médio nas décadas posteriores, colocando a dominação do imperialismo na região em uma situação extremamente favorável. O fracasso na guerra também marca o início da derrocada do nacionalismo árabe, principalmente pela desestabilização do governo Nasser no Egito.
Após a guerra, a Fatá tornou-se uma força política dominante entre os palestinos. O partido de Arafat ingressou na OLP em 1967 e, sendo bem mais radical que a direção da organização, liderada por Yahya Hammuda após Chukeiri, ultrapassou-a. Em 1969, ano em que a Fatá organizou mais de 2,4 mil ataques guerrilheiros contra Israel, Arafat tornou-se presidente da OLP.
Isso marca uma guinada política à esquerda da OLP, que cresceu sob o comando de Arafat. Baseados na Cisjordânia, os guerrilheiros da organização comandaram a resistência armada palestina, realizando inúmeros ataques ao governo de “Israel” e criando o Exército pela Libertação da Palestina (ELP). Em 1970, todavia, a monarquia da Jordânia, apoiando-se nos sionistas, iniciou uma brutal repressão contra a população palestina, com o intuito de expulsar a OLP do país – onde a população palestina tem maior presença até os dias atuais. Iniciou-se uma guerra civil, conhecida como Setembro Negro, que resultou na mudança da OLP para o Líbano, atuando nos campos de refugiados palestinos no país.
A partir da capital libanesa Beirute, a OLP iniciou uma série de confrontos contra Israel. Em 1982, no entanto, a organização sofreu um duro golpe: “Israel” invadiu o Líbano e comandou o extermínio de 4 mil palestinos nos massacres de Sabra e Chatila, uma campo de refugiados palestinos. O ataque foi uma profunda derrota para a OLP, que a partir de então iniciou uma política de conciliação com o imperialismo, especialmente o norte-americano.
Nesse momento, surgia uma nova força do nacionalismo árabe: as organizações islâmicas. Em 1979, dois fatos importantes ajudam a afundar o antigo nacionalismo árabe laico, de caráter panarabista e semi-esquerdista: em primeiro lugar, os Acordos de Camp David, na qual o presidente do Egito, Anwar al-Sadat, ex-vice de Nasser e seu substituto a partir de 1970, assina um tratado de paz com “Israel”. Pela primeira vez, uma nação árabe conhecera a legalidade do Estado sionista. Em segundo lugar, a Revolução Iraniana, que coloca no controle do país um governo islâmico xiita, que se torna o principal fator de desestabilização do imperialismo no Oriente Médio.
Durante a invasão do Líbano em 1982, o nacionalismo islâmico se fortalece com a importante reação do Hesbolá (Partido de Deus) contra as forças sionistas e seus aliados. Os islâmicos começam a ultrapassar politicamente as antigas forças nacionalistas árabes em todos os países do Oriente Médio.
Em 1987, explode a Primeira Intifada, o grande levante das massas palestinas. Nesse mesmo ano, é fundado o Hamas, através do imã Ahmed Yassin, ligado à Irmandade Muçulmana. Em 1988, Arafat faz um acordo com o imperialismo e, em discurso na Organização das Nações Unidas (ONU), abre mão do “terrorismo” – isto é, da luta armada — como meio de luta. Diante das negociações entre a OLP, o imperialismo norte-americano e “Israel”, que culmina nos Acordos de Oslo de 1993, o Hamas cresce como organização de luta dos palestinos, principalmente da juventude palestina, principal setor da Intifada.
Em 1991, o Hamas funda sua organização armada, as Brigadas do Mártir Izzedine al-Qassam, em homenagem ao combatente antissionista que liderou a resistência palestina na década de 1930. O Hamas, que surgiu como uma organização religiosa e realizava trabalhos de caridade, deu um passo à frente: montou uma organização política com um braço armado.
O Hamas denuncia os Acordos de Oslo, responsável pelo fim da Intifada, e critica a OLP por reconhecer o Estado de Israel e acreditar nas falsas promessas de criar um Estado palestino em cinco anos. Foram essas promessas que levaram ao surgimento da Autoridade Palestina, um governo dos guetos na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, liderado pela OLP após as eleições de 1996, que levaram Arafat ao governo da AP. O Hamas boicota essas eleições e inicia uma série de ataques a alvos militares israelenses. Os famosos atentados de “homens-bomba”, que atingiram civis, surgiriam depois, quando o Hamas denunciou a repressão à população palestina.
Em 2000, explode uma nova Intifada, na qual o Hamas, já mais bem organizado e apoiado pelas amplas massas, realiza uma série de confrontos militares com Israel. O motivo do levante popular foi o não cumprimento da criação de um Estado palestino. Essa insurreição termina quando a Autoridade Palestina chega a um acordo com Israel para realizar novas eleições em 2005.
No mesmo ano, ocorrem eleições presidenciais, que o Hamas boicota novamente. No entanto, o cenário político havia mudado: Arafat havia morrido em 2004 e nele residia a maior parte da autoridade política da OLP. Ele é substituído por Mahmoud Abbas, que é eleito presidente da AP. Em 2006, o Hamas decide participar das eleições legislativas e, mesmo boicotado por Israel, impedido, por exemplo, de realizar campanha eleitoral em Jerusalém, conquista a maioria das cadeiras do parlamento.
A vitória do Hamas aprofundou a crise da OLP e da Autoridade Palestina. Um governo de coalizão foi formado, mas acabou sendo infrutífero pela política de colaboração da Fatá com o sionismo. O Hamas é obrigado a expulsar a OLP da Faixa de Gaza, assumindo totalmente o controle da região. Essa é a causa da atual crise envolvendo “Israel” e Gaza, que se tornou alvo de bloqueio desumano, além de bombardeios incessantes.
No entanto, o Hamas conquistou essa posição justamente pela política colaboracionista da OLP com Israel. A organização se desenvolveu como força política e hoje é uma legítima organização das massas palestinas, um resultado dos levantes das massas durante a Intifada. Assim, o Hamas, que é parte da vida cotidiana dos palestinos com programas sociais e assistência à população, se tornou a vanguarda da resistência contra o Estado de “Israel”. O grupo islâmico também é resultado do fracasso do nacionalismo árabe tradicional e a ascensão do nacionalismo islâmico, que atua em todo o Oriente Médio como principal força de oposição à política do imperialismo.