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José Álvaro Cardoso

Graduado pela Universidade Federal de Santa Catarina, mestre em Economia Rural pela Universidade Federal da Paraíba e Doutor em Ciências Humanas pela UFSC. Trabalha no DIEESE.

Países imperialistas

O imperialismo nada tem a ver com mérito, e sim com força bruta

Seria a Rússia um país imperialista?

Em decorrência da brutal propaganda anti-russa, que tomou conta dos meios de comunicação, praticamente no mundo todo, a maioria das pessoas avalia que no conflito da Ucrânia, ambos os lados (Rússia e OTAN), representam posições imperialistas. A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), foi fundada em 1949, em plena Guerra fria. Seu surgimento é uma resposta dos países capitalistas à essa Guerra, que antagonizava dois blocos mundiais, com Estados Unidos e União Soviética, encabeçando cada um deles. Com o fim da União Soviética, em 1991, a OTAN deveria ter sido extinta, como ocorreu com a organização análoga, do lado soviético, o Pacto de Varsóvia (extinta no mesmo ano do fim da União Soviética). 

     A OTAN, de fato, apesar de ter 28 países entre seus membros, é uma organização dominada pelos principais países imperialistas do mundo, com destaque para Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha e Itália.  Mas a Rússia não é um país imperialista, se o conceito utilizado for o conceito moderno, de um país que domina economicamente outros, tendo grandes empresas que monopolizam setores inteiros da economia e que dominam grandes fatias dos mercados mundiais. Não podemos confundir país grande (e a Rússia é o maior país da Terra, com território equivalente a mais de “dois Brasis”), com país imperialista. Este, dentre outras características, consegue colocar suas empresas e mercadorias em todos os recantos do globo.

     Para começar, a base econômica da Rússia são as commodities, especialmente petróleo e gás. A Rússia tem até uma certa indústria, mas muito concentrada em alguns produtos. A pauta de exportação do país revela essa dependência da venda de produtos básicos, de baixo valor agregado: os principais produtos são petróleo bruto, derivados de petróleo, metais, gás natural e produtos químicos. Por outro lado, os principais produtos importados são automóveis, produtos farmacêuticos, máquinas, plásticos, uma pauta com maior valor agregado, o que é típico dos países subdesenvolvidos.  

     A Rússia, claro, é uma potência na produção de hidrocarbonetos, ocupando a posição de principal exportador e segundo maior produtor de gás natural do mundo. É também o segundo maior exportador e terceiro maior produtor de petróleo. Essa é uma das razões pelas quais o monstruoso boicote econômico imposto ao país, não surtiu efeito (como indica inclusive a retomada recente do valor do Rublo na comparação com as moedas fortes). 

     Na década de 1990, com a dissolução da URSS, que liquidou a indústria do país e evaporou 40% do PIB nacional, a exportação de gás e petróleo possibilitou, a partir da liderança do nacionalista Vladimir Putin (que assumiu no final de 1999), o reerguimento do país e a recomposição da capacidade bélica da Rússia. Além de ser uma potência energética, a Rússia é muito forte na produção de minérios essenciais, como cobre, ferro, níquel, turfa, alumínio, carvão. 

     É possível avaliar a posição da Rússia na economia mundial (pré-requisito para ser um país imperialista) pelo número que possui, de grandes empresas que dominam mercados mundiais. Nesse aspecto a lista Fortune Global, que traz as 500 mais lucrativas de 2020 é um farol:  mais de 126 das quinhentas são empresas norte-americanas, 124 são chinesas, 53 são japonesas, 31 são francesas, 27 são alemãs, 22 são do Reino Unidos, 14 são da Coreia do Sul, 14 da Suiça, 13 do Canadá e 13 da Holanda. Somente estes 10 países tem 87% das mais lucrativas empresas do mundo (ver abaixo). 

ClassificaçãoPaísEmpresas
1 Estados Unidos126
2 China124
3 Japão53
4 França31
5 Alemanha27
6 Reino Unido 22
7 Coreia do Sul14
8  Suíça14
9 Canadá13
10 Holanda 13

Fonte: Wikipedia

     Na mesma publicação, observamos que em 2020, das vinte empresas que se destacam em seus respectivos setores, os EUA são a sede de nada menos do que oito, localizadas nos setores: Finanças, Lojas de Alimentos e Drogarias, Cuidados de Saúde, Produtos para o Lar, Meios de Comunicação, Varejo, Tecnologia, Telecomunicações. Dos países que compõem o Brics, somente a China está presente no ranking acima (o que não significa que seja um país imperialista). Brasil, Rússia, Índia e África do Sul não possuem nenhuma empresa líder em qualquer dos 20 principais setores. 

     O poder dessas empresas que centralizam a economia, é uma das principais expressões da dominação imperialista mundial, que foi forjada, literalmente, à sangue, ferro e fogo. Dentre inúmeros casos semelhantes, é propositalmente desconhecido da maioria dos brasileiros o da empresa brasileira ENGESA (Engenheiros Especializados S/A), criada em 1958 por José Luiz Whitaker Ribeiro. Com muito trabalho e uma história de sucessos, em 1974 a empresa começou a exportar o blindado Cascavel, com canhão de 90 milímetros, com grande aceitação no mercado mundial. Em poucos anos já estava vendendo o veículo para 18 países do Oriente Médio, África, na América do Sul e Mediterrâneo. 

     Nos anos de 1980, a empresa desenvolveu um projeto de carro de combate, o Osório, que era armado de canhão de 120 milímetros. O projeto era brasileiro, mas absorvia os melhores componentes existentes no mercado mundial, visto que esse tipo de produto requer alta tecnologia, de forma a poder competir com os concorrentes mais modernos, que se localizam em alguns poucos países do mundo. Naquela época, quando a indústria tinha ainda um maior peso no PIB brasileiro, a taxa de importação era comum nos armamentos brasileiros, em função da alta tecnologia necessária. A ENGESA teve que fazer uma verdadeira “peregrinação” para localizar os detentores das melhores tecnologias, inclusive pelas retaliações sofridas. Por exemplo, a empresa G.L.S., subsidiária da Krauss-Maffei, convenceu outras empresas fornecedoras a não colaborar com o projeto do Osório. 

     Em 1985, a Arábia Saudita, interessada na compra, chamou Alemanha, Brasil, EUA, França, Grã-Bretanha e Rússia a levarem seus carros de combate para demonstração in loco. A ENGESA participou com o carro Osório. Em 1987, a Arábia Saudita chamou para uma segunda avaliação, os carros de combate que tinham ido melhor na primeira: o Abrams norte-americano, o AMX 40 francês, o Challenger britânico e o Osório brasileiro. Tudo indica que a ENGESA venceu a disputa, tanto que assinou com o governo da Arábia Saudita um pré-contrato no valor de US$ 2,2 bilhões, para a fabricação de 316 carros de combate. Aí entrou em campo a mão pesada da maior força da terra que impediu a continuação do negócio. O Departamento de Estado e o Departamento de Defesa norte-americanos movimentaram suas forças, forçando o governo da Arábia Saudita a comprar o Abrams, apesar da preferência desse governo pelo Osório. Não se sabe que “argumentos” os norte-americanos utilizaram com os sauditas, mas o negócio com a ENGESA foi cancelado. 

     A empresa brasileira, que havia contraído empréstimos para direcionar seus esforços no sentido da construção do carro, pediu concordata em 1990.      Depois de muitas tentativas frustradas de saneamento da empresa, num período no qual o Brasil já tinha ingressado na onda neoliberal, decretou-se a falência da empresa em 1995. Todo o material do acervo tecnológico da ENGESA foi transferido para a fábrica de Piquete (em São Paulo), com exceção dos projetos do Osório, que curiosamente, não foram encontrados em lugar nenhum. Em 2005 a fábrica de São José dos Campos foi vendida para a EMBRAER. Por falta de projeto nacional de desenvolvimento o Brasil perdeu uma companhia fundamental para o país obter autonomia em muitos itens de emprego militar, fundamentais inclusive para a própria soberania territorial do país. Até hoje não se sabe o destino do acervo tecnológico que estava na fábrica. Incluindo os projetos do carro de combate, Osório. 

     A indústria brasileira, ainda é a indústria mais diversificada da América Latina, apesar de todas as ações para destruí-la, principalmente nas últimas décadas. A Petrobrás é expressão disso. Uma pesquisa recente realizada por cientistas da Universidade Duke, nos Estados Unidos, e das Universidades de Estocolmo e Uppsala, na Suécia, coloca a Petrobras em 2º lugar entre as 100 maiores corporações transnacionais que operam nos oceanos mundo afora. Na pesquisa foram avaliados oito principais setores que operam nos oceanos: petróleo e gás offshore, equipamentos e construção navais, produção e processamento de pescados e frutos do mar, transporte de contêineres, construção e reparo de navios, turismo de cruzeiros, atividades portuárias e energia eólica. Essas indústrias, juntas, obtiveram ganhos de US$ 1,9 trilhão. A Petrobras faturou US$ 46 bilhões no ano passado, a maior parte nessas operações no oceano. Apesar de todas as tentativas dos golpistas de destruir tudo isso. 

     Se o Brasil tivesse independência política dos países imperialistas, seria um dos mais industrializados do mundo. A industrialização do país, no período 1930/1980, é uma história grandiosa no processo de edificação da nação brasileira. O problema é fundamentalmente político, se o país tivesse uma política econômica soberana, com projeto nacional de desenvolvimento (à exemplo da Rússia atual), teria aqui muitas empresas de primeira linha, com capacidade de disputar mercados mundiais. O problema central para o país se desenvolver é romper com as amarras neocoloniais. 

     Por interesse do imperialismo, especialmente dos EUA, a OTAN está travando uma guerra por procuração com a Rússia. O povo ucraniano está sendo usado como “bucha de canhão” em função dos interesses geopolíticos inconfessáveis – porém conhecidos – dos EUA. Os ucranianos ainda não se renderam porque a guerra está sendo artificialmente mantida pela OTAN, cujos países membros se limitam a enviar armas e dinheiro. Nem pensar em enviar soldados, porque isso seria muito impopular para os políticos desses países. O caráter artificial da guerra, com seu prolongamento desnecessário, em função dos interesses da OTAN, tende a ficar cada vez mais evidente daqui para a frente.  

    Nesse quadro geral, a atitude da Rússia em face das provocações da OTAN na Ucrânia está abalando as estruturas do sistema mundial de dominação. A Rússia é um país oprimido, que sofre neste momento um ataque brutal do sistema imperialista, que atravessa uma crise inusitada. A Rússia, que está sendo cercada em mais de três décadas pelo avanço militar da OTAN, ficou anos tentando negociar um acordo com o governo da Ucrânia. O país, que reestruturou suas forças armadas a partir da brutal crise dos anos de 1990, resolveu não abaixar a cabeça para o imperialismo e defender seus interesses geopolíticos fundamentais. A ação da Rússia agravou enormemente a crise do imperialismo ao nível internacional e vem encorajando muitos países a se rebelar contra a dominação dos países imperialistas. A crise mundial deve se agravar.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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