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Antônio Vicente Pietroforte

Professor Titular da USP (Universidade de São Paulo). Possui graduação em Letras pela Universidade de São Paulo (1989), mestrado em Linguística pela Universidade de São Paulo (1997) e doutorado em Linguística pela Universidade de São Paulo (2001).

História em quadrinhos

O erotismo na história em quadrinhos – 4ª parte

Sexo nas HQs: do escatológico ao sublime

              Até no universo Marvel, em “Magneto – Atos de terror”, Emma Frost e Magneto falam de fetichismo sem constrangimentos, entretanto, tematizar a necrofilia acontece raramente; no universo dos quadrinhos eróticos, conheço apenas “Necron”, do Magnus. Esse quadrinista, em geral, é bastante sutil, com desenho rebuscado e temas complexos, por exemplo, a HQ “As 110 pílulas”, em que são narrados os dramas de Hsi-Men Ching, rico comerciante de 40 anos, lidando com as intrigas das cinco esposas e cumprindo o papel de provedor sexual, mantido por meio das 110 pílulas. Receitadas por um monge médico, Hsi-Men Ching deveria tomar apenas 1 pílula por mês, todavia, acaba se viciando e exagera nas doses. Em “As 110 pílulas”, as cenas eróticas são de sexo convencional, havendo apenas sexo em excesso; na única vez quando Hsi-Men Ching está com duas esposas ao mesmo tempo, ele é severamente censurado por uma delas. Já em “Necron”, Magnus é contundente; na HQ, a doutora Frieda Boher, por não suportar a temperatura humana, concebe Necron, o morto-vivo, para lhe satisfazer sexualmente.

              Longe do mundo bizarro de “Necron”, várias HQs eróticas são inspiradas na literatura; nesse tópico, vou me concentrar em três artistas: (1) na dupla Allan Moore e Melinda Gebbie, autores de “Lost Girls”; (2) em Guido Crepax e algumas adaptações ou citações suas de obras literárias. Allan Moore talvez seja o quadrinista, ao lado de Guido Crepax, quem mais se refere à literatura no universo da HQ. Tais alusões nos trabalhos de Allan Moore são bem antigas: em “A fera da moda”, ele cita o mito de Eros e Psique, fonte mitológica do conto folclórico de “A bela e a Fera”; em “A liga extraordinária”, Allan Moore e Kevin O’Neill fazem menções bastante originais a Allan Quatermain, Mina Murray, Capitão Nemo, Mr. Hyde e Hawley Griffin, o homem invisível. Não se trata apenas de citação, mas de complexificar as personagens, na maioria das vezes, trazendo à tona comportamentos implícitos nas histórias originais, por exemplo, a bissexualidade de Mr. Hyde. Além disso, há cenas antológicas, entre elas, o homem invisível fazendo sexo com Pollyanna, Allan Quatermain consumindo ópio, Doutor Moreau produzindo antraz e outras armas biológicas.

              Em “Lost girls”, Allan Moore relembra três personagens da literatura infantil, isto é, Alice – a mocinha do país das Maravilhas e através do espelho –, Wendy – uma das namoradas do Peter Pan – e Dorothy – a menininha das aventuras das terras de Oz –. Na trama, elas amadureceram – Alice tem mais de sessenta anos, Wendy, por volta de quarenta, Dorothy entrou na idade dos vinte anos –, e terminam se conhecendo em um hotel na Áustria, nas vésperas da I Grande Guerra. Não me estenderei em analisar toda a simbologia nem todas as menções feitas na história, que não se resumem às obras de Lewis Carroll, J. M. Barrie e Frank Baum; cuidarei apenas de algumas passagens das aventuras de Dorothy.

              Em “Lost Girls”, as três senhoras trocam experiências sexuais, seja por meio de lembranças do passado, seja fazendo sexo grupal ora com os funcionários do hotel, ora apenas entre as três. Dorothy narra sua vida na fazenda localizada no Kansas, igualmente no livro “O mágico de Oz”; as personagens da história infantil, porém, não são o Espantalho, o Leão Covarde e o Homem de Lata, mas três camponeses contratados pelo tio dela. Para quem não se lembra, o Espantalho se considera mentalmente atrasado, ele quer ser inteligente; o Leão Covarde busca por coragem; o Homem de Lata, para ter de volta a sensibilidade, quer um coração. Na fazenda de “Lost Girls”, há um rapaz pouco curioso; outro, por temer as mulheres, torna-se agressivo com elas; o terceiro rapaz, o ferreiro, não se envolve emocionalmente com as amantes. Dorothy faz sexo com eles, aconselhando o primeiro a estudar, para ter assuntos a tratar com as namoradas, as quais não esperam apenas por sexo; ao fazer amor com o segundo, ela lhe dá segurança, tornando-o gentil, portanto, sedutor; já o ferreiro, ela consegue, ao abandoná-lo, despertar a raiva em seu coração, semeando, assim, envolvimento amoroso. A adaptação é notável; em suas histórias, Dorothy narra o sexo grupal com os três camponeses, quando a moça adolescente termina, em um rito pagão, coberta de esperma.

              Antes de cuidar da obra de Guido Crepax, deve-se ressaltar que Melinda Gebbie, a desenhista de “Lost girls”, utiliza técnicas distintas de pintura para as narrativas de cada dama da trama, fazendo da HQ, graficamente, exibição de virtuosismo plástico.

              No universo da HQ erótica, bastante se poderia dizer das adaptações de Guido Crepax para os clássicos da literatura sadomasoquista, pois ele compôs “Justine”, inspirado em Sade, “A Vênus das peles”, em Sacher Masoch, e “História d’O”, em Pauline Reage; mesmo as versões de “Drácula”, de Bram Stoker, e de “O médico e o monstro”, de Robert L. Stevenson, são permeados de erotismo SM. Vou comentar, contudo, apenas duas obras suas: (1) as “Cenas extraordinárias (a realidade depois…)”, a parte final de “Bianca / pensionato de moças”; e (2) “Valentina no Metrô”.

              Em “As Cenas extraordinárias”, Bianca tem relações sexuais com homem semelhante ao escritor Edgar Allan Poe, todas elas imbricadas com personagens ou passagens de seus contos. Entre os textos citados, explicitam-se “Berenice”, quando Bianca vai ao dentista, e “Os crimes da rua Morgue”, quando entra em cena um orangotango.

              Por fim, em “Valentina no metrô”, a célebre personagem de Crepax adormece durante a viagem de metrô, terminando no universo onírico da história em quadrinhos. Formado por 70 páginas, da página 35 em diante Crepax se põe a homenagear vários autores significativos das HQs, entre eles, Chester Gould, Georges Pichard, Lee Falk, Hugo Pratt, John Willie, quando Valentina faz sexo com Dick Tracy, Paullete, Mandrake, Corto Maltese etc. Nas homenagens, além de aludir a personagens de outros autores, Crepax se vale dos estilos gráficos de cada um deles, tornando “Valentina no metrô” outra demonstração de virtuosismo plástico quando Crepax manuseia habilmente os traços dos grandes artistas da HQ.

              No tributo a Stan Lee e Jack Kirby, Valentina faz sexo grupal com o Quarteto Fantástico… para quem se lembra, começamos nossas conversas sobre erotismo nos quadrinhos com os corpos do Coisa e do Tocha Humana; terminamos agora com a Valentina toda enrolada nos membros do Senhor Fantástico.

              Eis os trechos das HQs citadas anteriormente:

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