Por quê estou vendo anúncios no DCO?

Carla Dórea Bartz

Jornalista, com 30 anos de experiência (boa parte deles em comunicação corporativa). Graduada em Letras e doutora pela USP. Filiou-se ao PCO em 2022.

Lars Von Trier

Ninfomaníaca e os limites da liberdade de expressão

Ninfomaníaca é uma resposta de gênio a toda histeria contra a liberdade de expressão.

screvo esse texto inspirada nos últimos acontecimentos do ignóbil debate nacional sobre a liberdade de expressão.

Há poucas horas um idiota de nome de bicicleta chamado Monark, seguindo a moda atual, teceu uma série de comentários infelizes a respeito de um fato histórico do qual ele tem muito orgulho de mostrar que não sabe nada: o nazismo.

Como se não bastasse, uma horda de oportunistas e trouxas de todo calibre expôs sua imbecilidade ao estabelecer com todos os urros que os pulmões permitem que a fala do infeliz é apologia ao crime de ódio e que ele tem que ser punido com todos os esforços do aparato de repressão do Estado burguês.

A turba escolheu o twitter como principal rede social para vomitar suas condenações e dizer a frase vexatória mais repetida dos últimos dois dias: “liberdade de expressão tem limites”. A conclusão é unânime e une todo tipo de fauna, do MBL (quem se surpreende?) ao PT (inaceitável).

Esse texto visa refletir sobre esta situação a partir do cinema, que sempre nos inspira a entender a nossa perversa realidade.

Em 2011, o cineasta dinamarquês Lars von Trier passou por um entrevero semelhante. O cenário foi o Festival de Cannes. Na ocasião, o diretor e seu elenco estavam lançando um filme muito bom chamado Melancolia (Melancholia).

Era a coletiva de imprensa e, em um dado momento, ao ser questionado sobre estética nazista, Lars von Trier começou a dizer um monte de bobagens e, ao final, encerrou a resposta com esta frase sarcástica: “Ok, I´m a nazi”.

O que se seguiu foi um escândalo de escala global e, como o esgoto cultural pós-moderno demanda, o cancelamento do diretor, que foi declarado persona non grata pelo Festival de Cannes e um nazista por toda imprensa internacional, incluindo os hegemônicos jornais brasileiros.

Lars von Trier protestou, pediu desculpas e, em 2013, lançou uma obra-prima chamada Ninfomaníaca (Nymphomaniac) uma resposta de gênio a toda essa histeria contra a liberdade de expressão, especialmente a inflamada pela pequena-burguesia que se diz de esquerda, incluindo jornalistas que se autointitulam progressistas.

A obra é dividida em dois Volumes, com um total de 5h30 de duração na versão do corte do diretor (director´s cut). É um fenômeno cinematográfico sobre a forma do filme e, de quebra, sobre seus materiais, principalmente o tema do discurso politicamente correto.

O enredo segue um fio. Em uma noite fria, o recluso Seligman (Stelan Skarsgård), ao voltar de uma venda judaica onde compra chá e bolo, encontra Joe (Charlotte Gainsbourg) caída em um beco. Ela está toda machucada e suja. Ele oferece para chamar a polícia, mas recusando, ela prefere um chá. Ele então a leva para casa e Joe passa a noite a contar a história de sua vida.

O que vemos é um jogo cinematográfico poderoso, que depende muito da atenção de quem assiste e de sua identificação ou não com um dos personagens, sem questionar minimamente o que está sendo mostrado. Uma dose de distanciamento brechtiano e outra de raciocínio minimamente dialético são necessárias.

Seligman mostra-se um ouvinte compassivo, cheio de citações intelectuais, que interpreta as experiências de Joe à luz de uma racionalidade iluminada e de uma moral complacente. Ele parece um psicólogo. Mas será que é isso mesmo? Será que Seligman, com suas referências à música de Bach e a Thomas Mann, é tão confiável assim? E Joe? Será que tudo que ela conta aconteceu mesmo? Será que ela está fazendo uma confissão ou tentando arrancar segredos de Seligman?

E você que assiste? O que o filme está te mostrando sobre nosso momento histórico?  Como anda seu grau de adesão à subjetividade pós-moderna? Como tudo está amarrado a cenas de sexo explícito, cada um saberá até onde vai sua aceitação ao atual lixo moralista.

Uma coisa é certa: não é fácil achar uma película que explicite de maneira tão categórica as falácias, arbitrariedades e perigos autoritários do discurso politicamente correto e do identitarismo reacionário no contexto histórico do capitalismo tardio como Ninfomaníaca. O filme é uma necessidade.

(Em 2016, Ninfomaníaca tornou-se objeto da minha tese de doutorado na FFLCH-USP, uma pesquisa inédita e única. O título é Ninfomaníaca, de Lars von Trier: narrar em tempos perversosLeia aqui.)

Streaming

A versão comercial (de 4 horas) de Ninfomaníaca (Volume 1 e Volume 2) está disponível no Netflix, Telecine, Globoplay e Now.

Artigo publicado, originalmente, em 10 de fevereiro de 2022

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

Gostou do artigo? Faça uma doação!

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Diferentemente de outros portais , mesmo os progressistas, você não verá anúncios de empresas aqui. Não temos financiamento ou qualquer patrocínio dos grandes capitalistas. Isso porque entre nós e eles existe uma incompatibilidade absoluta — são os nossos inimigos. 

Estamos comprometidos incondicionalmente com a defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo pobre e oprimido. Somos um jornal classista, aberto e gratuito, e queremos continuar assim. Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Diferentemente de outros portais , mesmo os progressistas, você não verá anúncios de empresas aqui. Não temos financiamento ou qualquer patrocínio dos grandes capitalistas. Isso porque entre nós e eles existe uma incompatibilidade absoluta — são os nossos inimigos. 

Estamos comprometidos incondicionalmente com a defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo pobre e oprimido. Somos um jornal classista, aberto e gratuito, e queremos continuar assim. Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.

Quero saber mais antes de contribuir

 

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.