Há pouco mais de dois anos, ainda durante a pandemia da covid-19, o navio taiuanês Ever Given encalhou e bloqueou, por seis dias, o canal de Suez que conecta o Mar Vermelho ao Mar Mediterrâneo. O estreito operado pelo Egito é uma das principais fontes de renda para o país, afinal por lá passam diariamente bilhões de dólares em mercadorias. O que faz do Canal de Suez um dos gargalos da economia mundial.
Agora há um novo bloqueio, com a diferença que, desta vez, não se trata de um acidente. Já há algumas semanas os revolucionários hutis, que controlam porção significativa do território do Iêmen (localizado ao sul da Península Arábica), incluindo a capital Sana, atacaram navios cargueiros passando pelo Mar Vermelho sob a justificativa de que serviam a interesses israelenses, direta ou indiretamente. Os hutis, que travam uma guerra revolucionária desde 2015 contra o governo títere apoiado pela Arábia Saudita, e contra os próprios sauditas, declararam apoio aos movimentos de resistência armada na Palestina, liderados pelo Movimento de Resistência Islâmica (Hamas), que desde 7 de outubro lutam contra o estado sionista.
Segundo lideranças hutis, os ataques às embarcações estariam justificados por possuírem carga com destino à “Israel”, por serem operados por empresas israelenses ou ainda por serem de posse de empresários sionistas. Essa diversidade dos alvos impôs um clima de medo às grandes empresas de logística. Desde 15 de dezembro, as quatro das maiores do mundo – CMA CGM, Hapag-Lloyd, Maersk e MSC – suspenderam seus serviços no Mar Vermelho sob receio de que suas embarcações fossem atacadas.
A medida dá-se no contexto de uma intensificação dos ataques hutis. No mesmo dia em que as empresas anunciaram a suspensão de suas operações na região, dois mísseis atingiram a embarcação MV Palatium III. Os ataques deram-se apesar da proteção imperialista na região. No dia seguinte, um encouraçado norte-americano, USS Carney, derrubou 14 drones no Mar Vermelho enquanto uma embarcação britânica, o HMS Diamond, destruiu um. Segundo levantamento realizado pelo semanário britânico The Economist, passam pelo estreito entre a Península Arábica e o Chifre da África 12% do comércio mundial, cerca de 30% de todo o tráfego internacional de contêineres.
A crise impeliu o imperialismo a declarar a formação da “Operação Guardião da Prosperidade”, para dissuadir e atacar as forças hutis. A coalizão deu lugar à Força Tarefa 153, composta por Estados Unidos, Egito, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, “Israel”, França, Itália Alemanha, Reino Unido, Turquia, Jordânia, Barém, Omã e Catar. Após enfrentar uma Arábia Saudita sustentada pelo imperialismo desde 2015, os revolucionários hutis agora se deparam oficialmente contra seus verdadeiros algozes, mas seus esforços impõem uma dura derrota ao Estado de “Israel”.
“Israel”, sem nenhuma vitória militar no terreno em Gaza, não deve entrar em peso na coalizão. Aparece como uma formalidade, mas não detém recursos para lutar num terceiro front, dado que além de Gaza, os sionistas revidam os ataques ainda de baixa intensidade do Hesbolá ao norte. O imperialismo é forçado a movimentar seus recursos para revidar os iemenitas, ao mesmo tempo em que deixam um flanco aberto em Gaza. Isto sem contar a situação ucraniana, na iminência do colapso.
Ainda, deve ser lembrado que o Iêmen vive uma das maiores crises humanitárias do século XXI, com mais de 250 mil iemenitas desabrigados, sem levar em conta as dezenas de milhares de mortos resultantes dos bombardeios sauditas. Desde 2022 há um cessar-fogo com as forças sauditas, mas o combate deve ser reativado em breve, com participação explícita dos patrocinadores imperialistas da monarquia. Os hutis, porém, mostraram-se prontos para o enfrentamento, declarando que “estão prontos para lutar essa batalha histórica”.