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Ricardo Rabelo

Ricardo Rabelo é economista e militante pelo socialismo. Graduado em Ciência Econômicas pela UFMG (1975), também possui especialização em Informática na Educação pela PUC – MINAS (1996). Além disso, possui mestrado em sociologia pela FAFICH UFMG (1983) e doutorado em Comunicação pela UFRJ (2002). Entre 1986 e 2019, foi professor titular de Economia da PUC – MINAS. Foi membro de Corpo Editorial da Revista Economia & Gestão PUC – MINAS.

América Central

Guatemala: eleição comandada pelo Imperialismo

A Economia da Guatemala baseia-se predominantemente na agricultura. Um quarto do PIB, dois terços das exportações e metade da força de trabalho do país concentram-se no campo

Bernardo Arévalo, candidato presidencial do partido Movimiento Semilla, fortemente apoiado pelo Governo estadunidense e pela União Europeia, está na frente na pesquisa divulgada recentemente pelo instituto Cid Gallup. Como se sabe, as pesquisas fazem parte da propaganda política para um dos candidatos, a proporção apontada para Fávaro é de 62% ficando Sandra Torres, candidata do partido Unidade Nacional pela Esperança e representante da centro-esquerda tradicional do país com 37%. Se confirmado o resultado da pesquisa na eleição do 2o. Turno, será uma inversão dos resultados do 1º. Turno em que Torres teve 21,1% dos votos e Arévalo apenas 15,5%.
Este é um processo eleitoral conturbado. A própria data do 2º. Turno, marcada em princípio para 20 de agosto, ainda pode ser alterada, porque o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) guatemalteco pode barrar a candidatura de Arévalo para favorecer o candidato da ditadura atual do presidente Giammattei, pelo partido Vamos. Manuel Conde, terminou o primeiro turno em terceiro lugar, com 10,4% dos votos, e seria o beneficiado com uma possível exclusão de Arévalo ficando com a vaga para o segundo turno. Nesse caso, a data seria adiada. Giammattei vem realizando um governo ditatorial, caracterizado pela perseguição policial de opositores, jornalistas e fechamento de jornais. Controla o Ministério Público, parte do Tribunal Superior eleitoral e pode tentar uma cassação de Arévalo, apesar da campanha do imperialismo a seu favor, pois é a única forma de manter o poder. Para entender o atual processo eleitoral guatemalteco é preciso analisar o processo que ocorreu no 1º. Turno das eleições.
1º. Turno: arbitrariedade e perseguições impedem que oposição ao neoliberalismo participe das eleições
Em 25 de junho foram realizadas na Guatemala, país situado na América Central, eleições gerais para eleger presidente e vice-presidente, 160 deputados ao Congresso da República, 20 deputados supranacionais ao Parlamento Centro-Americano e 340 governos municipais.

Foram listados 9,3 milhões de guatemaltecos habilitados para votar, tanto na Guatemala como no exterior. Houve 30 organizações políticas e 22 binômios presidenciais concorrendo. Mas as ilegalidades e perseguições políticas começaram cedo. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cancelou a inscrição de três binômios presidenciais, com argumentos sem base jurídica. A arbitrariedade e o total descumprimento da lei tem caracterizado estas eleições.
Os resultados do 1º. Turno deram claros sinais da crise porque que passa o regime político guatemalteco. Eles foram considerados como fraude por muitos atores políticos principalmente ´porque conferiram a Sandra Torres, do partido Unidade Nacional de Esperança (UNE), o status de vencedora com apenas 15% dos votos, e o segundo lugar a Bernardo Arévalo, do partido Semente com 11%. Como nenhum candidato obteve 50% +1 dos votos, haverá um segundo turno no dia 20 de agosto.
Um grande ente político ficou de fora da disputa: não irá para o segundo turno o candidato do atual Governo ditatorial de Alejandro Giammattei. Mas a tônica do processo foi a baixa participação popular e a rejeição ao regime político: o voto nulo ultrapassou 17%, a abstenção ficou perto de 40%, e o voto em branco próximo a 7%. O Congresso continuará sob o controle majoritário dos grupos conservadores de direita.

A fraude eleitoral

A Constituição Política da Guatemala, em seu artigo 186, proíbe expressamente que descendentes de ex-ditadores concorram à presidência do país. O que foi descumprido, pois Zury Ríos, concorreu à presidência pelo partido Valor apesar de ser filha do ditador Ríos Montt (1982-1983) e condenada a 80 anos de prisão por genocídio. No mesmo artigo inciso F , proíbe-se candidatura de hierarcas ou párocos das igrejas, que é o caso do pastor evangélico candidato a vice-presidente pelo partido UNE.
Por outro lado, o TSE excluiu das eleições o MLP( Movimiento para la Liberación de los Pueblos), representante das comunidades indígenas y campesinas, único com propostas antineoliberais, alegando não cumprimento de formalidades legais (que foram cumpridas) pelo candidato a Vice-presidente Jordán Rodas, ex Procurador dos Direitos Humanos.
Outros candidatos excluídos foram Carlos Pineda , do partido Prosperidad Ciudadana, e Roberto Arzú , do partido Podemos, , ambos de oposição ao atual governo, o que produziu muitos protestos e prejudicaram a credibilidade e transparência do processo eleitoral.
O TSE mostrou sua possível vinculação com o crime organizado e o tráfico de drogas, aceitou candidatos a deputado ou prefeito com graves denúncias de tráfico de drogas, como é o caso do deputado Manuel Baldizón, pelo partido Cambio, condenado à prisão por lavagem de dinheiro nos EUA e com processos penais em andamento.

Estranhos resultados

Sem correspondência com as pesquisas eleitorais publicadas, o partido Semilla (Semente) foi o segundo vitorioso. A ascensão de Semilla, com seu candidato Bernardo Arévalo, filho de Juan José Arevalo em cujo governo promulgou-se uma nova Constituição e institui-se um quadro de reformas políticas e sociais que favoreciam os trabalhadores urbanos e os camponeses, retirando poderes dos grandes latifundiários e dos militares. O segundo Arévalo, no entanto, se declara um social-democrata e defende posições conservadoras sendo clara e diretamente apoiado pelo Governo dos EUA através de sua embaixada no país. Apesar disto, 9 partidos políticos recorreram ao TSE contra ele exigindo revisão dos votos. Além disso, um juiz decidiu anular a pessoa jurídica do partido Semilla” por pretensas ilegalidades cometidas no processo de sua constituição como partido.

A inexistência de debate eleitoral

A burguesia guatemalteca e o imperialismo americano não querem que as questões mais importantes para os trabalhadores sejam discutidas.
A fraude eleitoral continuará já tendo sido denunciadas nas redes sociodigitais de compra do voto de até $ 200,00 cada por candidatos locais e departamentais. O TSE e o Ministério Público, que deveriam estar evitando isso, atuam apenas na defesa ou ataque ao partido Semilla, que parece ser o favorito para o segundo turno.

O regime neoliberal vigente na Guatemala, com consequências danosas para o povo e para o próprio país, não foi e não é objeto do debate eleitoral. A única organização política que questionou o sistema neoliberal, por meio de sua proposta de revisão dos contratos de privatização, foi o MLP , partido que foi excluído da eleição pelo TSE.
Tanto Semilla quanto UNE são partidos políticos que em seus programas de governo não colocam a necessidade de debater ou superar o sistema neoliberal vigente na Guatemala.

Em 2015, quando surgiu a “euforia da luta contra a corrupção”, 59% dos guatemaltecos estavam em situação de pobreza. Em 2022, 63% dos guatemaltecos estavam em situação de pobreza multidimensional. A fome, como consequência do declínio dos meios de subsistência e dos impactos das mudanças climáticas, está piorando no país. Embora as remessas econômicas dos migrantes (que representam mais de 20% do Produto Interno Bruto) aparentemente atenuem essa realidade, essa questão fundamental da desigualdade social também não é tema do debate eleitoral com vistas ao segundo turno.

Outra questão importante excluída do eleitoral é o racismo e a expropriação colonial dos territórios dos povos indígenas. Nem Semilla nem a UNE colocaram em seus programas de governo o desafio de reconhecer e implementar os direitos coletivos dos povos indígenas como: direito à consulta prévia, direito ao território, direito ao autogoverno, entre outros. O Congresso, segundo os resultados de 25 de junho, terá uma presença quantitativamente menor de indígenas e mulheres. Existem até indígenas que, confundindo seus interesses, apoiam o Semilla. Uma coisa é certa: no dia 20 de agosto, a Guatemala votará por mais do mesmo: mais neoliberalismo, mais racismo e manutenção da expropriação dos territórios indígenas.

A perseguição política

Em função do fracasso da manobra da direita contra o partido Semilla, como a recontagem de votos, que confirmou os resultados, o instrumento utilizado em seguida foi o Ministério Público. A Procuradoria Especial Contra a Impunidade (FECI) do Ministério Público (MP) determinou a suspensão da legalidade do Movimento Semilla, por suposta falsificação de assinaturas e adesões ilegais no processo de registro do partido, além de possível prática do crime de lavagem de dinheiro. O titular da FECI, Rafael Curruchiche, solicitou à Sétima Vara Criminal, presidida pelo desembargador Fredy Orellana, a execução da suspensão. De acordo com a Lei Eleitoral e dos Partidos Políticos, nenhum partido pode ser suspenso após o início do processo eleitoral. e o assunto cabe ao TSE e não ao Ministério Público. Arévalo, candidato a Presidente, entrou com recurso junto ao Tribunal Constitucional que suspendeu a ação do Juiz Orellana, mas não reafirmou o impedimento de que o Ministério publico agisse contra um partido político. A partir daí o Ministério Público e o juiz Orellana têm realizado incursões contínuas contra escritórios do Tribunal Eleitoral e contra a sede do Movimento Semente.
Com a vitória em 2º lugar do Movimiento Semilla, que tem como lemas a anticorrupção e o progressismo, os magistrados do TSE toleraram até certo ponto as grosseiras manobras para deixar Semilla fora do processo eleitoral, pois passou a sofrer enorme pressão do imperialismo pela “transparência do processo eleitoral e respeito dos resultados”, no que também foi acompanhado pelas principais instituições da burguesia local.

A pressão do imperialismo

É impressionante como o imperialismo passou a pressionar o pequeno pais da América Central para que não afete os interesses do Semilla. Foram contínuos pronunciamentos do governo Biden, de funcionários da União Europeia, da Organização dos Estados Americanos, da ONU e outras organizações internacionais. Por incrível que pareça os EUA tem a List Engel, uma lista de políticos corruptos da América Central, organizada por nada menos que o próprio departamento de Estado estadunidense. Incluídos nesta lista , os membros do ministério Público e da FECI , que trabalham em estreita colaboração com a Fundação de Contraterrorismo e outros grupos de extrema-direita.
Desde o início do processo eleitoral, o governo Biden, a União Europeia e organismos internacionais acompanham a situação na Guatemala e condenam as últimas manobras da direita. Em 19 de julho, o Departamento de Estado dos Estados Unidos divulgou a nova lista de corruptos da América Central (Lista Engel), incluindo o juiz Fredy Orellana e a procuradora da FECI Cinthia Monterroso, que, entre outras coisas, acompanhou as buscas contra o TSE e o Seed . Em 20 de julho, a Missão de Observação Eleitoral da União Europeia condenou “… veementemente o assédio que o TSE e o Movimento Semente vêm sofrendo por parte da FECI”. Também nesta data quatro congressistas norte-americanos enviaram uma carta ao secretário de Estado, Antony Blinken, expressando preocupação com a situação na Guatemala e pedindo apoio a um “processo eleitoral transparente e justo que reflita a vontade do povo guatemalteco”. Também solicitaram ações de pressão mais fortes caso as autoridades continuem interferindo no processo eleitoral Em 21 de julho, o governo dos Estados Unidos disse que a invasão à sede de Semilla era um gesto típico de ditaduras. Em 22 de julho, a ONU informou que seu secretário-geral, António Guterres, está acompanhando com grande preocupação a situação em torno das eleições na Guatemala, lembrando que “…os eleitores devem ser protegidos de qualquer forma de coação e de qualquer interferência ilegal ou arbitrária no processo de votação, e que as instituições eleitorais devem poder realizar seu trabalho de forma independente”.

A posição da burguesia

Além da pressão do imperialismo, a burguesia guatemalteca também levantou a voz, através de suas organizações representativas, porque as descaradas manobras da direita colocam em risco os investimentos e a estabilidade econômica do país, ou seja, porque podem afetar seus negócios. O presidente da coordenadoria de entidades empresariais (CACIF), Ignacio Lejárraga, preocupado com a instabilidade gerada pela crise eleitoral, declarou: “É importante que a mais alta autoridade constitucional resolva a favor da proteção legal, por meio das cautelas necessárias para que o processo eleitoral evento pode ser realizado e, desta forma, permitir que os cidadãos decidam livremente nas urnas”

As manifestações populares

Também os trabalhadores guatemaltecos se manifestaram contra as manipulações eleitorais da direita, apesar de não terem protestado contra o impedimento do MLP, o único realmente contra o regime neoliberal. Houve uma importante passeata no dia 8 de julho, e nos dias 13 , 14 e 15 foram grandes os protestos em frente à sede do Ministério Público.

Em 23 de julho, outra grande manifestação partiu da sede do Supremo Tribunal de Justiça para culminar em frente ao MP, convocada por organizações estudantis, camponesas, indígenas e sindicais. Algo significativo sobre este dia de protesto foi que, enquanto as grandes centrais sindicais ainda não marcaram presença, o Sindicato dos Trabalhadores da Embotelladora Central SA (sindicato da Coca Cola), com uma longa tradição de luta, desfilou junto com as outras organizações. Uma greve nacional foi realizada em 24 de Julho, durante a qual ocorreram várias manifestações e protestos na capital, bem como nas cidades de Santa Cruz del Quiche, Totonicapán, Antigua Guatemala e Huehuetenango.
De lá para cá os protestos populares estão crescendo. As organizações indígenas dos 48 cantões de Totonicapán, Sololá e outros povos se manifestaram, mas sem interromper as rodovias. Como se dará a eleição do 2º. Turno ainda é cedo para prever. Os trabalhadores devem denunciar o regime neoliberal e direitista da Guatemala, pois não estão no confronto nenhuma força política autenticamente popular. De um lado o partido UNE, que é conservador e do outro o candidato do imperialismo, que nada acena minimamente para o povo. A Guatemala é um dos poucos países a ainda manter relações diplomáticas com Twaian e o país foi recentemente visitado pela sua presidente.
A Economia da Guatemala baseia-se predominantemente na agricultura. Um quarto do Produto interno bruto (PIB), dois terços das exportações e metade da força de trabalho do país concentram-se no campo. Café, açúcar e bananas são os principais produtos exportados, principalmente para países próximos como El Salvador, Honduras e México. A assinatura dos acordos de paz, em 1996, terminou com 36 anos de guerra civil, e o governo conservador tenta atrair o investimento estrangeiro, fazendo seguidas reformas neoliberais. Em 1º de julho de 2006, o Acordo de Livre Comércio da América Central (CAFTA) entrou em vigor, sacramentando o domínio colonial dos Estados Unidos e a Guatemala. A distribuição de renda continua a ser muito desigual, com 12% da população vivendo abaixo da linha de pobreza internacional. A maior comunidade de trabalhadores guatemaltecos que exercem atividade profissional fora do país encontra-se nos Estados Unidos.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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