Lembro de ter visto há muitos anos um programa do Silvio Santos (sim, e daí?) no qual ele fez uma curiosa brincadeira com a plateia. No seu programa dominical, um sujeito entrou no palco enquanto Silvio faziam um discurso qualquer . Durante alguns instantes, o intruso, vestindo uma camisa listrada, atrapalhou a apresentação do programa, saindo alguns poucos segundos depois. Silvio Santos fez um comentário qualquer sobre o fato e depois de alguns minutos pediu a alguém da plateia para descrever o sujeito e a roupa com a qual ele havia aparecido.
Eu fiquei chocado com as respostas dadas pela audiência do programa – e por mim mesmo. Sim, como eu também havia sido testemunha do fato, eu podia responder as perguntas formuladas. Errei tudo, desde a altura, a cor da roupa, o que ele tinha na cabeça, etc. O mesmo fenômeno ocorreu com várias pessoas escolhidas entre o público presente. Fiquei espantado com a imperfeição das respostas, e plenamente convencido de que nossa memória para esses detalhes é falha e, por ainda, enganosa. Passei a ter imensa desconfiança de depoimentos que vinham de “testemunhas oculares”. Há uma pessoa na minha família que confunde as pessoas nas lojas. Certa vez foi atendida por um negro de 2 metros de altura numa loja de sapatos. Quando decidiu-se por comprar o produto foi falar com um sujeito branco de 1.60m, achando ser ele o vendedor. Perguntei para ela: “tu não lembras quem te atendeu?”, ao que ela respondeu “Claro, tenho certeza que foi ele!!”.
Nossa memória nos trai consideravelmente. Somos facilmente enganados porque ela não é um filme onde as imagens ficam gravadas (com a exceção de casos raros de autismo), mas um arquivo complexo onde as imagens sofrem a influência do simbolismo que carregam. Assim, não são confiáveis para uma descrição factual. Por esta imperfeição da nossa memória, quantos inocentes já não foram condenados por testemunhas cuja descrição era baseada em uma falsa certeza, um equívoco culposo de reconhecimento ou um erro de percepção dos detalhes? Milhares? Milhões? Só em casos de abusos existem centenas de casos descritos, sem falar nos casos em que as vítimas mentem solenemente. Tenha isso em mente quando alguém lhe der o falso xeque-mate do “ninguém me contou; eu estava lá e vi com meus próprios olhos!!”.
Viu mesmo? Viu ou pensa que viu?