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Golpes no Sahel

Africanos podem se libertar do imperialismo sem seus exércitos?

Golpes no Níger, Gabão, Mali e Burquina Fasso foram um fator de progresso e, portanto, devem ser apoiados

Na última terça-feira (26), o sítio Em Defesa do Comunismo, ligado ao racha do PCB, publicou um artigo intitulado Na Onda dos Golpes Militares na África. De autoria de Rafael Neves, o artigo é uma demonstração de como a esquerda é pressionada pelo imperialismo, por meio da imprensa burguesa, a ponto de criticar ações profundamente progressistas como foram os golpes de Estado que ocorreram na África nos últimos anos.

Após um ligeiro retrospecto da opressão à qual os países africanos são submetidos desde o colonialismo, Neves passa para a tese principal de seu texto:

“Foi neste contexto de crise dependente que ocorreu a onda de golpes de Estado, provocando – em alguns bairros na África e noutros lugares – ‘um sentimento de alegria e euforia nas ruas de Bamako, Ouagadougou e Niamey’. Pelo contrário! Para os revolucionários e comunistas, esta onda de golpes militares não pode ser considerada um fator de libertação dos povos do Sahel”, afirma o autor.

Em outras palavras, os golpes militares que derrubaram governos profundamente submissos ao imperialismo francês, como o governo de Ali Bongo, no Gabão, que ficou no poder por mais de 14 anos, não seriam nada progressistas para Neves. E por quê? “Pela simples razão de que os golpes de Estado na África sempre mostraram os seus limites e fraquezas”.

Então, Neves acusa os responsáveis pelos golpes africanos de não terem “tomado quaisquer decisões capazes de desafiar a base econômica e, acima de tudo, os interesses do capital financeiro internacional, em particular francês”. Declarações que atestam a profunda ignorância do autor em questão.

Assim que o general Abdourahaman Tchiani declarou o golpe no Níger, o governo provisório anunciou que estavam suspensas as exportações de urânio e de ouro para a França. Segundo um levantamento feito pelo Le Monde, nos últimos dez anos 20% de toda a importação de urânio da França vinha do Níger.

Além disso, segundo a empresa Industrial Info Resources, com sede no Texas, nos Estados Unidos, “o governo militar do Níger fez um ajuste significativo na estrutura de preços do urânio que mantém com a França. Conforme relatado pelo The Spectacle, “o Níger, um ator proeminente no mercado global de urânio, optou por aumentar o preço do urânio de 0,80 euro (US$0,85) por quilograma (kg) para 200 euros (US$213,6) por quilograma”.

Neves não explica como isso não seria “desafiar a base econômica […] do capital financeiro”.

Antes que o autor acuse o governo nigerense de não ter relação com o povo, segundo o sítio de notícias Wazobia Reporters, após o anúncio da medida, manifestantes rodeando a embaixada francesa no país gritaram “Temos urânio, diamantes, ouro, petróleo e vivemos como escravos? Não precisamos dos franceses para nos manter seguros”.

Ainda sobre os “interesses do capital financeiro internacional, em particular francês”, algum tempo depois do golpe, o Conselho Nacional para a Salvaguarda da Pátria (CNSP), a junta militar do Níger, cancelou todos os acordos militares com a França. Mais recentemente, expulsou as últimas tropas francesas em território nigerense, concretizando ainda mais o caráter anti-imperialista do golpe.

Já no Gabão, o golpe foi menos radical que no Níger. Mesmo assim, a derrubada da dinastia Bongo do poder já é, por si só, algo que vai contra os interesses do imperialismo, dado que a família Bongo era um importante aliado das grandes potências na África.

Além disso, a junta militar que está governando o país provisoriamente anunciou medidas que vão no sentido de romper com a política do imperialismo. Depois do golpe, por exemplo, os militares anunciaram que as empresas de petróleos que operam em território gabonês devem fornecer uma lista de todos os pagamentos feitos ao país entre 2020 e 2023 para verificar um possível esquema de corrupção entre Ali Bongo e o imperialismo.

Então, Neves continua atestando sua ignorância política:

“Pela sua própria natureza, os exércitos dependentes são instrumentos da classe dominante, que está ligada aos vários pólos imperialistas e às multinacionais que atualmente controlam os recursos naturais”, diz o autor.

Trata-se de um argumento profundamente reacionário. Partindo desse raciocínio, podemos concluir que ele também é contra o nacionalismo burguês em geral. Afinal, o que seria esse movimento político senão a insurreição de um setor da classe dominante? Setor que, por sua natureza de classe, tende à capitulação diante do imperialismo.

Seguindo a teoria formulada pelo autor do texto, os comunistas não podem apoiar o chavismo, muito menos a expulsão das tropas dos Estados Unidos do Afeganistão. Além disso, teriam de ser contra a luta que Gamal Abdel Nasser, no Egito, travou contra o imperialismo, conflito que levou a duas guerras contra o Estado nazista de “Israel” e que levou à nacionalização do petróleo egípcio.

Fundamentalmente, os marxistas não poderiam apoiar nenhum movimento nacionalista, independente de qual seja a situação política concreta. Nesse sentido, o autor declara ser contra o nacionalismo por princípios, uma política completamente anti-marxista e anti-leninista.

Depois Neves afirma que “[…] estes exércitos dependentes foram criados para suprimir o movimento sindical e as lutas populares. Sem dúvida, não podem libertar os povos do Sahel e a sua classe trabalhadora dos males do imperialismo”.

Ora, nenhum marxista sério afirma que as forças armadas de qualquer país libertarão a classe operária dos males do imperialismo, não é essa a questão. O ponto é que, para a classe operária, é muito mais fácil travar uma luta contra a sua própria burguesia que com o imperialismo e sua gigantesca máquina da matar.

E mais: na luta contra a dominação imperialista, como a que foi travada por Mali, Níger, Gabão e Burquina Fasso no último período, o exército é o “partido” nacionalista das massas e da burguesia africana. Por isto, atacá-lo é fazer uma frente com o imperialismo, que quer deixar a população desses países ainda mais vulnerável à sua ação. É uma questão de soberania nacional.

Em meio a sua argumentação anti-marxista, o autor chega – já estava demorando! – à infame tese do “imperialismo russo”:

“Esta resistência deve ser dirigida não só contra os velhos bandidos imperialistas: França, Grã-Bretanha, Alemanha e Estados Unidos, mas também contra os novos pólos imperialistas como a Rússia, a China, a Índia e a Turquia, que atualmente surfam na retórica antiimperialista e a miséria dos povos para impor a sua hegemonia política e económica no continente.”

Deixamos a refutação de tal concepção absurda para outros artigos deste Diário, como esse, esse, esse e esse.

“Inegavelmente, os povos em luta na África já não precisam de novos senhores; querem firmemente lutar para se libertarem, para continuarem a ser os autores e atores da sua própria libertação!”, diz o artigo.

Como, todavia, fazer isto concretamente? Que partidos, que organizações poderiam levar adiante essa “libertação”? Devemos lembrar que, na vida real – a qual Neves mostra não conhecer -, esses países africanos são ditaduras brutais, altamente repressivas. Consequentemente, não há espaço para o desenvolvimento de partidos marxistas, quem dirá partidos revolucionários.

Vale lembrar que em Portugal – um país desenvolvido onde existem forças políticas infinitamente mais desenvolvidas que no Gabão, por exemplo -, a reação ao salazarismo precisou vir das Forças Armadas.

A Revolução de 25 de Abril, também conhecida como Revolução dos Cravos, foi liderada pelo Movimento das Forças Armadas (MFA), composto na sua maior parte por capitães que tinham participado na Guerra Colonial e que tiveram o apoio de oficiais milicianos.

Este movimento, surgido por volta de 1973, baseava-se, inicialmente, em reivindicações como a luta pelo prestígio das forças armadas, acabando por atingir a ditadura salazarista. Com reduzido poderio militar e com uma adesão em massa da população ao movimento, a reação do regime foi praticamente inexistente e não surtiu efeito.

Voltando para a questão da África, também não podemos esquecer que a classe operária dos países africanos é muito pouco desenvolvida e organizada, nem se compara com os trabalhadores portugueses, por exemplo. Por conta disto, é natural que nos países pobres como os citados anteriormente o nacionalismo seja desempenhado justamente pelas forças armadas.

Por fim, outra prova de que a posição exposta no artigo do sítio Em Defesa do Comunismo não tem sentido algum é o fato de que, nos países que foram palco de golpes nacionalistas nos últimos anos, existe uma aliança evidente entre os militares e os civis.

No Gabão, por exemplo, presos políticos foram libertos pelo governo provisório. Ao mesmo tempo, civis são chamados para participar do gabinete de transição. No caso do Níger, foi mencionada a manifestação em volta da embaixada francesa, algo que se repetiu diversas vezes ao longo do golpe nigerense, uma demonstração de apoio ao novo governo e, acima disso, à luta contra o imperialismo na África.

Nesse sentido, o golpe nesses países não é algo externo à população, mas sim a forma com a qual uma necessidade social – a luta contra o imperialismo e a pobreza que ele gera na África – se impôs.

Em seu discurso durante sua cerimônia de posse como presidente de transição do Gabão, Brice Oligui Nguema afirmou que “as forças de defesa e segurança tinham apenas duas opções: matar gabonenses que protestariam legitimamente ou pôr fim a um processo eleitoral viciado”. Em outras palavras, ou os militares gaboneses davam um golpe, ou se instauraria uma revolta generalizada no país. Uma demonstração de que, antes de tudo, o golpe foi a expressão de uma necessidade social já reivindicada pela população.

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