Se Lula fosse aluno de Aldo Fornazieri, com certeza teria problemas, pois entende muito mais de democracia que o próprio professor. Fornazieri publicou um artigo no portal Brasil 247 sob o título “A democracia é relativa, mas…”, que nada mais é que um pedido de bênção ao imperialismo e uma crítica a Lula, que acertadamente disse que a democracia é relativa.
No olho da matéria temos que “É justamente no seu conteúdo que as democracias modernas falharam”. Ora, como separar forma de conteúdo? O Estado burguês é uma ditadura da burguesia sobre a classe trabalhadora, por mais que chamemos isso de democracia, de parlamentarismo etc. O nome não muda a coisa.
O bom da matéria é que logo no primeiro parágrafo o autor deixa claro a que veio: “A democracia é relativa, mas ditaduras são ditaduras. Dizer que o conceito de democracia é relativo não autoriza relativizar o caráter autoritário de determinados regimes, a exemplo do regime da Venezuela, da Nicarágua e da Rússia”. Bovinamente, Fornazieri critica três países que são alvo do imperialismo e especialmente da “democracia americana”.
A Rússia cometeu o crime de frustrar as intenções do imperialismo de colocar a Ucrânia na OTAN. A Nicarágua está com planos maléficos de construir um canal interoceânico que tornará obsoleto o Canal do Panamá (sob controle dos EUA); e, como se não bastasse, com ajuda da China. A Venezuela, teima em proteger o próprio petróleo em vez de entregá-lo de graça para a “democracia do norte”.
O professor diz que “o presidente acertou no conceito, mas errou na oportunidade e na referência à realidade factual, no caso, o regime da Venezuela”. Em toda a matéria, Aldo Fornazieri não faz uma única menção ao bloqueio econômico que a “ditadura venezuela” vem sofrendo por parte da “democracia americana”.
Conceitos absolutos
Como todo bom acadêmico, Fornazieri vai pedir socorro a Aristóteles e outras áreas do conhecimento para dizer que “Em política, assim como em qualquer área do conhecimento, é desaconselhável referir-se a qualquer realidade conceitual como absoluta”. Mas não passa de cortina de fumaça para fazer sua defesa burguesa de democracia:
“Se existem formas variáveis de democracia, não significa que não haja critérios ou princípios fundamentais para definir o que sejam democracias. Esses princípios são interdependentes: eleições periódicas, voto universal secreto, eleições livres e competitivas entre os partidos, garantia do exercício do mandato dos eleitos, autonomia entre os poderes o que fundamenta o caráter republicano da democracia”.
O que acabamos de ler não passa de ficção. Fornazieri não tem coragem de dizer, mas está defendendo a democracia dos Estados Unidos e de alguns países europeus. Os mesmos que mantêm Julian Assange na cadeia.
Vejamos: nos EUA, país que planejou e patrocinou o golpe contra Dilma Rousseff – democraticamente eleita –, existem eleições periódicas, o voto é universal e secreto. Agora, podemos dizer que as eleições são livres e competitivas entre os partidos? Dois partidos se revezam no poder, e qualquer um que não tenha bilhões de dólares para investir em campanhas dificilmente se elege.
Façamos um exercício de imaginação e façamos de conta que sim, que os Estados Unidos são uma democracia. Então, temos de nos perguntar: por que tanta gente encarcerada? Por que destruíram tantos países? Por que deram tantos golpes de Estado pelo mundo e colocaram tantas ditaduras no poder?
O que Aldo Fornazieri tem a dizer das “democracias” europeias que junto dos Estados Unidos estão armando e financiando nazistas da Ucrânia? Seria para combater o “ditador” da Rússia?
Abstrações e mais abstrações
Após recorrer à Grécia Antiga, Fornazieri se propõe a buscar mais exemplos clássicos para sustentar seu apoio a uma democracia meramente idealizada, como vemos a seguir: “a democracia precisa ser qualificada quanto ao seu conteúdo. Alexis Tocqueville, em seu clássico escrito no século XIX – A Democracia na América – argumentou que o principal valor da democracia é a igualdade que, claro, está numa relação de interdependência com a liberdade. Para ele, a igualdade não era apenas perante a lei, mas também uma igualdade no sentido da equidade, no sentido de um senso reduzido de desigualdade entre os mais ricos e os mais pobres. A rigor, todo pensamento político clássico sustenta este argumento como definidor de democracia”.
Com relação à liberdade, Fornazieri deveria questionar o fato de os Estados Unidos não deixarem os outros países governarem livremente, toda hora ameaça com invasões ou até mesmo com bloqueios econômicos criminosos. Cuba sofre há mais de sessenta anos bloqueio econômico que coloca toda sua população na pobreza. O mesmo ocorre contra a Venezuela. É fácil cobrar democracia de um país pobre que vem sendo constantemente desestabilizado. Mais fácil ainda, no caso do professor, foi ficar quieto diante do opressor, pois se trata de uma “democracia” poderosa.
A Venezuela tem dificuldades em comprar remédios. Teve seu ouro roubado pela democracia inglesa que, como a americana, reconheceu um presidente fictício, Juan Guaidó, eleito por ninguém, como legítimo chefe de Estado venezuelano.
Os Estados Unidos impediram Cuba de comprar respiradores pulmonares em plena pandemia de Covid-19; não levantou o bloqueio econômico contra a Síria mesmo o país tendo passado por um terrível terremoto. Essa desigualdade entre um país rico e os mais pobres Fornazieri não enxerga, ou finge que não vê.
“Clivagens”
Em um dado momento, Aldo Fornazieri, para demonstrar sua erudição, fica falando em “clivagens” para se compreender a geopolítica. Esses termos da moda de nada adiantam se o autor do artigo fala do “afastamento de Dilma por um golpe parlamentar, a prisão de Lula, as recorrentes ameaças de Bolsonaro, inclusive em relação às eleições, e a tentativa de golpe de 8 de janeiro, são evidências incontestáveis do impacto das articulações antidemocráticas no Brasil”, e não diz que está por trás dessas articulações.
Talvez seja por isso que cita “ditadores” como “Trump, Putin, Bolsonaro, Maduro, Ortega”, e deixe de fora Joe Biden, que era vice de Obama quando se tramou a retirada de Dilma Rousseff. Tudo bem que Biden esteja levando o mundo à beira da III Guerra Mundial, ou que autorize o envio de bombas de fragmentação para os nazistas na Ucrânia, o importante é denunciar os ditadores.
Lula à esquerda
O fato é que Lula está muito à esquerda dessa pequena-burguesia pró-imperialista. O presidente sabe muito bem que não se pode ter democracia quando se tem fome, quando se é o tempo todo asfixiado por forças poderosas.
Lula sabe que a Venezuela e a Nicarágua, ainda que governos nacionalistas limitados, estão tentando combater de alguma maneira a pobreza e desenvolver a economia de seus países para com isso dar alguma dignidade à população.
Diferentemente de certa esquerda, Lula está enfrentando o imperialismo e, pelo menos neste momento, está anos-luz mais progressista que esses que não passam de gentis servidores do imperialismo, a pior ditadura que o mundo já conheceu, ainda que seja chamada de democracia.