O Brasil, apesar das mazelas sociais, é caracterizado pela integração entre negros e brancos; mais da metade da população brasileira é negra, consequentemente, a presença de escritores negros é constante na nossa literatura. Os exemplos são muitos: (1) Domingos Caldas Barbosa, um dos primeiros representantes da formação de nossa literatura, certamente o mais original de sua época; (2) Gonçalves Dias, se não foi o melhor poeta brasileiro do século XIX, foi o mais engenhoso; (3) Machado de Assis, quem está entre os gênios da literatura em língua portuguesa; (4) Cruz e Sousa, reconhecido internacionalmente no movimento simbolista; (5) Mario de Andrade, quem divide com Oswald de Andrade a vanguarda progressista do modernismo brasileiro. Além dos nomes citados, devidamente canonizados, a crítica contemporânea cuida das obras de Maria Firmina dos Reis, Luiz Gama, Solano Trindade, Paulo Colina, Conceição Evaristo, Carolina de Jesus etc.; há muitos escritores negros na literatura brasileira contemporânea, uma das revelações na prosa é a escritora Lilia Guerra e na poesia são reconhecidos os trabalhos de Ricardo Escudeiro, Lubi Prates, Jarid Arraes, Ornella Rodrigues.
As vozes são muitas, na literatura brasileira contemporânea negra são tematizados racismo, ação afirmativa, estética, cultura, religião, erotismo, corpo; todavia, embora variados, tais temas podem ser inseridos no tema da participação do negro na cultura global contemporânea, cuja amplitude dá conta das políticas internacionais do movimento negro, incluindo os negros brasileiros. Para exemplificar isso, recorre-se ao poema visual “língua lengua”, de Ricardo Aleixo, do livro “Modelos vivos”, 2010, reproduzido adiante.
No poema verbo-visual de Aleixo, cada linguagem desencadeia, pelo menos, uma discussão política. O vestuário é linguagem plena de conotações sociais; dessa maneira, artistas negros costumam discutir a inserção social do negro por meio dos trajes. A esse respeito, vale mencionar a banda de jazz “Art ensemble of Chicago”, na qual alguns músicos costumam se apresentar com trajes africanos e os rostos pintados, enquanto outros, com paletó e gravata; não se pode esquecer, ainda, do artista plástico Yinka Shonibare, quem fotografa negros posando e vestindo-se à moda dos europeus brancos do século XVIII.
A foto utilizada por Ricardo Aleixo, a de um senhor negro distintamente vestido de paletó e gravata, faz parte dessas discussões em que as culturas tradicionais dos brancos e negros são contrastadas, gerando polêmicas, mas não apenas isso, a linguagem verbal do poema amplia a discussão cultural para a discussão linguística ao tematizar a língua portuguesa, língua não apenas dos negros brasileiros, mas de muitos negros africanos. Nos versos do poema, cita-se a piada racista em que se afirma ser “pretoguês” a língua portuguesa falada nas ex-colônias portuguesas. Ciente disso, Aleixo dá novos sentidos à ofensa, devolvendo a pergunta em termos latino-americanos, articulando português e espanhol com questões nacionais, raciais e políticas.
Além do poema visual de Ricardo Aleixo, seguem fotografias de Yinka Shonibare e o link do Youtube com uma apresentação da banda “Art ensemble of Chicago”:
Artigo publicado, originalmente, em 13 de dezembro de 2022.