O professor de economia da Unifesp, Alberto Handfas, publicou artigo no sítio A Terra é redonda, republicado no Brasil 247, chamado “Verdades e mentiras sobre o fascismo na Ucrânia”. Ali, o professor procura se colocar numa posição neutra diante do conflito na Ucrânia, usando como expediente a explicação de que Putin não estaria realmente preocupado em “desnazificar” a Ucrânia porque ele mesmo seria promove milícias de extrema-direita.
A posição fundamental de Alberto Handfas é a mesma demostrada por muitos setores confusos da esquerda pequeno-burguesa nacional que muito mal disfarçadamente estão copiando a posição oficial do imperialismo e da direita nacional.
Segundo ele, o nazismo na Ucrânia é real, mas “não é de hoje. Há duas décadas pelo menos, tais grupos são ativos e agem como milícias armadas. Mas basta observar de perto para ver que a invasão unilateral de Putin não visa enfrentar o problema. Ao contrário, ela pode intensificá-lo.” Sobre isso, deveríamos perguntar ao escritor do artigo o que muda o fato de essas milícias existiram há duas, três, quatro décadas ou se foram criadas ontem?
Na realidade, o que está em jogo não é o tempo de existência dessas milícias, mas o significado político que eles ocupam no regime atual. Mas é preciso dizer que, o fato de que elas existem há décadas, não serve para desmentir Putin, servem como um dos fatores que comprovam que tais milícias são importantes forças políticas no País e que elas ocupam um papel preponderante no regime político.
Mas Alberto Handfas não tira conclusões dos fatos concretos. Ele mede a intenção de Putin, os desejos do líder russo e sentencia: “ele não visa enfrentar o problema”. Como o colunista sabe as intenções do presidente russo? Ninguém sabe.
O problema é que não se analisa política com base nas intenções das pessoas, ou pelo menos essa seria um fator secundário na análise.
Importa muito pouco que Putin esteja usando a propaganda da desnazificação apenas como uma justificação ideológica para a invasão, quando, na verdade, seus interesses são outros.
Disso decorre duas considerações. Não depende das intenções russas, é preciso analisar o significado concreto da intervenção, nesse caso, uma ação defensiva da Rússia diante da ameaça que a Ucrânia se tornou instrumento da OTAN e do imperialismo – sobre isso vamos explicar melhor à frente.
Em segundo lugar, ainda que seja uma propaganda ideológica para justificar a sua ação, não é correta afirmação de que a desnazificação seja uma simples falsificação de Putin. As milícias nazistas são uma realidade antiga – como explica o próprio colunista – e elas são um fator fundamental da sustentação do regime golpista que ameaça a Rússia. Essas milícias são um instrumento essencial da influência da OTAN na Ucrânia e portanto, a “desnazificação” é sim um objetivo de Putin. Explicando melhor, é uma condição para a vitória russa contra a OTAN a derrota dessas milícias.
Apenas por esse fato, a ação russa na Ucrânia já fez muito mais pela desnazificação do mundo do que a filosofia metafísica da esquerda pequeno-burguesa com dificuldades graves de análise da situação política internacional. Quando afirmamos “desnazificação do mundo” não é uma expressão hiperbólica, mas uma realidade. Qualquer pessoa que acompanha o desenvolvimento da política internacional sabe que a Ucrânia é um celeiro e um centro de treinamento do fascismo internacional, incluindo aí, grupos brasileiros.
Nesse sentido, mesmo se Putin fosse o fascista, o ditador, o sanguinário que a esquerda pequeno-burguesa, repetidora do que diz o imperialismo, acusa, objetivamente ele está cumprindo um papel benéfico contra o crescimento do fascismo mundial.
E não é apenas pela sua ação contra as milícias ucranianas. A decisão de Putin de enfrentar o imperialismo por si só é um enfraquecimento do principal impulsionador do fascismo no mundo, que são os países imperialistas.
Sobre o imperialismo, o autor da coluna sequer tem uma apreciação. Na realidade, a impressão que se tem é que o imperialismo nesse caso é a Rússia. Uma ideia totalmente absurda do ponto de vista dos fatos e do ponto de vista da teoria marxista.
Ainda para justificar sua posição anti-Rússia, o autor do artigo conta uma história bastante suspeita: que os grupos pró-russos que lutaram contra o golpe de Estado em 2014 e pela independência na região de Donbass seriam de tipo fascistoide. Com essa informação, a conclusão do autor é a de é tudo igual. “Fascistas de um lado, fascistas de outro”, não podemos ficar do lado de ninguém, todos são maus, o mundo é ruim. Considerações genéricas e completamente despolitizadas.
Mesmo se acreditássemos na informação dada pelo autor do artigo – coisa que nos permitimos duvidar – o caráter ideológico desses grupos pró-russos que lutam no Donbass não faz a menor diferença. Novamente, nosso autor peca pela política baseada não no mundo real, mas nas ideias que ele tem sobre o mundo. O que importa nesse caso, não é a ideologia desses grupos, mas a função que eles ocupam na luta política concreta e nesse caso esses grupos foram fundamentais para combater o golpe de Estado de 2014.
E o imperialismo? Para o autor do artigo, o imperialismo norte-americano, a OTAN e seus aliados quase não aparecem na análise. Isso acontece porque o autor considera “tudo a mesma coisa”. O fato de o imperialismo, em particular os EUA, através da OTAN, esteja ameaçando a Rússia, não faz diferença para ele. O fato de que o imperialismo impulsionou o golpe de 2014 e promoveu os grupos e milícias nazistas no governo para impor essa política de ameaças contra o território russo também não faz diferença. “É tudo igual”, afirma o autor do artigo.
E de tanto se esforçar para provar que não tem diferença o imperialismo e a OTAN e o governo russo, a realidade acaba se impondo sobre o idealismo do autor, que acaba deixando escapar que na verdade são os russos os verdadeiros vilões da história:
“o regime de Putin e seus representantes milicianos nas autoproclamadas ‘repúblicas’ no Donbass (…) não lutam contra o imperialismo, nem tampouco combatem o nazi-fascismo. São apenas instrumentos da oligarquia russa, tão criminosa quanto a ucraniana (…). A guerra fratricida promovida por ambas oligarquias governantes, ucraniana e russa, tenta em seu benefício próprio dividir os povos. Embora, lembremos, foram as tropas russas que invadiram unilateralmente, sem aviso, de forma fria e premeditada, a Ucrânia neste 2022 [grifo nosso].”
A dura realidade se impôs ao autor do artigo. Até mesmo a sabedoria popular explica que quem fica em cima do muro acaba sendo derrubado. Nesse caso, Alberto Handfas tentou ser neutro, mas acaba se colocando na trincheira do imperialismo. Foi a Rússia que “invadiu unilateralmente”, ou seja, todos são a mesma coisa, mas os russos são os piores.
É tanto esforço para atacar os russos que ele “esquece” que foi a OTAN que deu o golpe e ameaçou a Rússia. Só não foi “unilateralmente” porque na OTAN fazem parte os países imperialistas, as raposas mundiais, os ladrões dos povos do mundo. E se alguém, como Putin, decide reagir, ele é acusado de agir “unilateralmente”.
Se o autor do artigo vivesse no mundo real ele saberia o que está realmente em jogo nesse conflito. Ele saberia que a ação da Rússia é defensiva diante de uma ameaça dos países mais poderosos do mundo. O autor saberia também que a ação de Putin objetivamente está enfraquecendo essa ameaça mundial e que por isso, toda a imprensa capitalista mundial, toda a máquina de propaganda e de guerra do imperialismo estão se esforçando para atacar os russos. Ou seja, nosso autor nem precisava de tanto esforço para mostrar a vilania de Putin, a direita imperialista mundial já faz isso muito bem.