Por quê estou vendo anúncios no DCO?

João Pimenta

Estudante da USP. Colunista do Diário Causa Operária, membro da Coordenação da AJR e do Comitê Estadual do PCO de São Paulo. Autor do Livro “A era da Censura das Massas”.

Getúlio Vargas e Lula

Toda qualidade é um defeito, todo defeito uma qualidade (Parte 1)

Um pequeno ensaio sobre os diversos aspectos da história nacional e da luta de classes neste País

O método dialético de pensamento estabelece uma relação entre os opostos que não é convencional, sobre o qual o senso comum frequentemente tem dificuldade de entender. O marxismo sempre se sustentou na dialética justamente por essa relação entre os opostos, que apesar de complexa, é correta e permite entender o mundo de uma forma real, não imaginária ou idealista.

A dialética é especialmente importante para entender a política brasileira, que não é afeita à rigidez ideológica de determinados países, como os alemães, japoneses ou norte-americanos. A história do Brasil tem diversas figuras que, ao interagir com o processo político, transformaram-se em coisas totalmente diferentes. Foi assim com D. Pedro I, que saiu de príncipe herdeiro de Portugal a fundador do Brasil, colônia insurrecta de Portugal.

Pedro, “O Grande”, como lhe chamam os lusitanos, foi constitucionalista e, ao mesmo tempo, monarca todo poderoso. O imperador fez algo bastante inovador: outorgar uma constituição, isto é, criar o marco legal que limitava sua própria ação, criar algo democrático a partir do arbítrio. O religioso verá aí um fruto envenenado, jamais poderia o “bem” sair do “mal”. Ocorre que, frequentemente, na natureza, a violência cria a vida, o frio cria a primavera. O processo histórico segue, em grande medida essa regra e a história nacional não nos poupará exemplos.

A república brasileira foi fundada num golpe militar e teve nas Forças Armadas, não eleitas, o primeiro governante da república, isto é, da fase formalmente democrática. O País, como em geral é nos países atrasados, é complexo, seus líderes não são menos complexos, são até mais complexos que seu próprio país. Essa complexidade deriva-se não de uma peculiaridade local, de um traço cultural, de uma índole de nosso povo ou de outros povos. Esta peculiaridade se dá pela natureza “impura” de nosso processo histórico. Se na Inglaterra vemos as etapas históricas, do escravismo ao feudalismo, do feudalismo ao capitalismo, tão demarcadas como as estações do ano naquele país, aqui convivemos com um processo sui generis. O Brasil é capitalista, afinal o globo terrestre é capitalista e impõe aos países este sistema econômico, mas sua realidade econômica é parte capitalista, parte não capitalista. Nos sertões do nordeste, nos rincões nacionais, as relações econômicas são pré-capitalistas, na Avenida Atlântica do Rio de Janeiro, como em outros centros, vigora um capitalismo tão pujante como o de Nova Iorque. 

Como uma prova desse fato, o verdadeiro pai da democracia burguesa brasileira não é o Marechal Deodoro, a república que ele fundou e que deu à luz à República Velha, era tão ditadura, ou talvez mais ditadura, que a monarquia de Pedro I. Havia eleições, mas ninguém no Brasil admitirá que este regime tinha algo de democrático. A figura do coronel, ou como hoje lhe chama a sociologia, o latifundiário, não via necessidade na democracia capitalista. A relação de produção que esta classe mantinha com seus empregados era mais escrava do que capitalista. Democracia capitalista, isto é, o regime de igualdade jurídica, é um traço do domínio da burguesia industrial em seu auge. É o regime que garante a livre concorrência, a livre iniciativa. Essa tese marxista verá na história do Brasil mais uma comprovação.

O pai verdadeiro da democracia capitalista brasileira é um latifundiário, gaúcho, conhecido pelo nome de Getúlio Dornelles Vargas. Ele foi homem que mais rasgou constituições na nossa história. Ele foi o líder da segunda grande revolução brasileira, a Revolução de 1930. Vargas era um possuidor de terras mas seu governo não era um governo de latifundiários, e sim de industriais. Seu estado natal, o Rio Grande do Sul, há décadas, quiçá séculos, foi um bastião do que hoje chamamos de “agronegócio”, mas ele governou para uma classe que existia na sua forma mais acabada, em São Paulo. Ironicamente, Vargas derrubou um partido paulista, o Partido Republicano Paulista, da burguesia rural de São Paulo.

Getúlio era tão avesso a ideologias que poucos entendem de fato o que ele representava. 

Vargas era a burguesia industrial em forma de líder político. Sua trajetória contraditória é apenas uma expressão das contradições que compõem essa burguesia industrial e o desenvolvimento brasileiro. O Vargas revolucionário havia levantado povo e patrícios em revolução. Uma vez no poder, essa mesma burguesia, e esse mesmo Vargas, viram-se cercados de inimigos, de um lado os latifundiários e o imperialismo estrangeiro, ambos igualmente interessados em derrotar o progresso nacional; do outro lado, vemos o proletariado das grandes cidades que havia apoiado a revolução de 1930 por exigir muito mais do que meia revolução e meio progresso, que um progresso tutelado para garantir que os de baixo não subissem ao poder, um progresso condicionado ao domínio da burguesia industrial nascente.

Esse conflito iria se apresentar em duas grandes crises: a crise com os tenentes, parte da coalizão de Vargas que representavam as classes médias e expressavam anseios radicais por mudança e a crise com os latifundiários paulistas e o imperialismo, que culminaria na chamada Revolução Constitucionalista de 1932. O enfrentamento terminaria com um golpe de Estado, que veria Vargas eleito indiretamente presidente da República. Se antes tínhamos o Vargas Jacobino, agora víamos um Vargas girondino, um conservador-revolucionário. O governo seria uma crise permanente, afinal Vargas teria que se digladiar contra vários adversários, conseguir o governo é uma coisa, governar é outra. Em 1937, com a guerra mundial se avizinhando, Getúlio e a burguesia nacional viram a oportunidade de se aliar ao imperialismo e ainda conseguir avançar seus objetivos de desenvolvimento, com esse bloco dá-se o golpe do Estado Novo e nasce o “Hitler Brasileiro”.

Durante seu governo, Getúlio Vargas, numa compreensão quase que teórica de sua situação, manteve uma atenção bastante aguda aos trabalhadores industriais, à classe dominante industrial sabia, que sua posição era frágil e que era preciso o apoio popular para manter sua posição. Durante o Estado Novo, Getúlio Vargas criou a CLT e fez diversos acenos aos trabalhadores.

O caráter ditatorial do Estado Novo, de ditadura semifascista, é também pouco compreendido no Brasil de hoje. O nacionalismo burguês frequentemente apresenta essa face quando consegue um acordo com o imperialismo. Esse era o caráter da situação brasileira. O imperialismo americano e britânico, tradicionalmente avesso ao desenvolvimento de suas colônias, por conta da segunda guerra mundial, estava mais aberto a acordos, para conseguir o que queria: aliados contra o outro bloco imperialista.

Findada a guerra, o governo forte de Getúlio Vargas era inútil ao imperialismo e a ditadura tombou. Ao cair a ditadura quase fascista, Getúlio, o ditador iria transformar-se uma última vez: nascia Getúlio, o pai dos pobres, o líder democrático e socialista. Ele funda o Partido Trabalhista Brasileiro, um partido abertamente socialista. Na última fase do desenvolvimento e consolidação da burguesia propriamente capitalista, esta classe, cada vez mais conservadora e divida,  viu que apenas poderia promover o progresso se o fizesse alçada ao poder nos braços do povo. Vejamos aqui algumas das declarações que Vargas deu após essa transformação. 

“O Partido Trabalhista Brasileiro não é o reflexo nem a projeção da minha personalidade. É o sentimento consolidado pela legislação que afirmou a consciência política do socialismo no Brasil. Não é a vontade de um homem e sim a opinião das massas e a cristalização das leis sociais que devem ser cumpridas.”

– Getúlio Vargas, logo depois do Estado Novo, Rio de Janeiro, 1947.

“Ou a democracia capitalista, compreendendo a gravidade do momento, abre mão de suas vantagens e privilégios, facilitando a evolução para o socialismo, ou a luta se travará com os espoliados, que constituem a grande maioria, numa conturbação de resultados imprevisíveis para o futuro.” 

“Fui eleito pelos trabalhadores e pertenço-lhes. Venho trazer os meus agradecimentos e dizer mais uma vez: estou convosco e não vos poderia faltar. “

Sem dialética não poderíamos entender Vargas. Vargas, qualquer um dos três, é diferente em cada um dos momentos, mas é igual. Ele representa o anseio de uma parte da classe dominante brasileira em desenvolver o Brasil. A burguesia unificou-se em insurreição para derrotar o regime político do café com leite, isto é, do latifúndio. Neste momento, Vargas é revolucionário, bradando seu histórico “Rio Grande! De Pé Pelo Brasil!”. A mesma burguesia, vendo a necessidade e a possibilidade de instaurar um governo forte, segue Vargas rumo ao Estado Novo. O desenvolvimentismo de Vargas só foi possível por conta da segunda guerra mundial, onde o imperialismo tolerou o desenvolvimento brasileiro pela necessidade de tê-lo como aliado na Guerra. Ao ver que esta situação mudou, que o imperialismo não mais colaboraria com o desenvolvimento, Vargas, e esse mesmo setor da burguesia, vê-se obrigado a recorrer a um improvável aliado para marchar em direção ao desenvolvimento nacional, o burguês precisava do operário; afinal, o imperialismo era mais poderoso que o burguês local. Assim, Vargas funda o PTB e coroa-se o líder operário. Vargas é o mesmo Vargas de 1930 em todos os momentos, mas é, também, outro Vargas a cada momento.

A grande qualidade de Getúlio Vargas é sua capacidade de ser o homem certo, no momento certo para atingir seus objetivos de classe. Cada vez que ele migrava de uma ideia a outra, ele renascia, mas ia igualmente a fundo naquele pensamento e naquelas ideias. Sua transformação acompanha o desenvolvimento do capitalismo no Brasil e da classe dominante no Brasil. O grande erro de Getúlio Vargas é esta qualidade também. A mesma flexibilidade de acompanhar e liderar os anseios da classe dominante da qual fazia parte era também sua maior falha.

Em sua carta de suicídio, Getúlio Vargas diz que a Eletrobrás foi obstaculizada a todos os momentos, ele acusa os bancos de impedir que fossem tributados, acusa os estrangeiros de lucrarem até 500% ao ano enquanto o povo perdia seu salário. Vargas lamentava que a burguesia não lutava contra esse parasitismo que estava atravancando de forma decisiva o desenvolvimento da nação.  Os setores que haviam impulsionado a criação da Companhia Siderúrgica Nacional, da Eletrobrás, do Senai, da Petrobras, da Companhia Mineradora do Vale do Rio Doce, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Universidade do Brasil e outros tantos feitos, estavam tornando-se cada vez mais reacionários. O impulso revolucionário da burguesia estava desaparecendo. Eram esses os lamentos de Vargas.

Aquela burguesia com grandes anseios pelo desenvolvimento nacional morreria ali mesmo, com um tiro no coração. Aquilo que o levou ao cume da política brasileira o levaria a sete palmos abaixo da terra. 

Aqui vemos uma máxima da dialética: toda qualidade é um defeito, todo defeito é uma qualidade. Todo atributo, quando super desenvolvido, irá subdesenvolver-se no atributo oposto. Se Vargas era flexível em tática e estratégia política, grande orador e líder de massas, ele também era uma pessoa sem um programa integral e princípios políticos, nunca escreveu suas ideias ou formulou uma escola de pensamento, nunca criou um movimento que pudesse dar seguimento à sua obra. Nadou sempre junto a uma corrente. Assim era seu instinto político, quando foi necessário, para completar sua obra, nadar contra a corrente que ele havia acompanhado durante toda sua vida, Getúlio Vargas não conseguiu transformar-se uma última vez.

Na política, como em todas as ciências, o instinto, o empirismo, quando bem aplicado, o fará avançar, mas será insuficiente em um determinado nível.

Getúlio Vargas tem apenas dois rivais na história, o fundador do Brasil, D. Pedro I e Lula da Silva, o primeiro operário a liderar o Brasil. Lula é similar a Getúlio em diversos níveis, o mais importante talvez seja esse empirismo político. Sua natureza política é buscar acordos, formas blocos e conciliar. Isso o fez entrar no sindicalismo quando nenhum sindicalista combativo podia sair na rua, o fez líder de greves quando o povo se insurgiu contra a ditadura, uma vez generalizado o anseio por uma mudança popular, por um protagonismo das classes exploradas, ele fundou o Partido dos Trabalhadores e a Central Única dos Trabalhadores. Lula é uma expressão da consciência política das massas brasileiras. Lula da Silva é um Getúlio Vargas dos proletários. A questão é, terá ele o mesmo fim de Getúlio Vargas? 

Tentaremos responder este vital questionamento no próximo artigo. Peço aos leitores que tenham uma semana de paciência e agradeço desde já a atenção dispensada.

Gostou do artigo? Faça uma doação!

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Diferentemente de outros portais , mesmo os progressistas, você não verá anúncios de empresas aqui. Não temos financiamento ou qualquer patrocínio dos grandes capitalistas. Isso porque entre nós e eles existe uma incompatibilidade absoluta — são os nossos inimigos. 

Estamos comprometidos incondicionalmente com a defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo pobre e oprimido. Somos um jornal classista, aberto e gratuito, e queremos continuar assim. Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Diferentemente de outros portais , mesmo os progressistas, você não verá anúncios de empresas aqui. Não temos financiamento ou qualquer patrocínio dos grandes capitalistas. Isso porque entre nós e eles existe uma incompatibilidade absoluta — são os nossos inimigos. 

Estamos comprometidos incondicionalmente com a defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo pobre e oprimido. Somos um jornal classista, aberto e gratuito, e queremos continuar assim. Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.

Quero saber mais antes de contribuir

 

Apoie um jornal vermelho, revolucionário e independente

Em tempos em que a burguesia tenta apagar as linhas que separam a direita da esquerda, os golpistas dos lutadores contra o golpe; em tempos em que a burguesia tenta substituir o vermelho pelo verde e amarelo nas ruas e infiltrar verdadeiros inimigos do povo dentro do movimento popular, o Diário Causa Operária se coloca na linha de frente do enfrentamento contra tudo isso. 

Se já houve um momento para contribuir com o DCO, este momento é agora. ; Qualquer contribuição, grande ou pequena, faz tremenda diferença. Apoie o DCO com doações a partir de R$ 20,00 . Obrigado.