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Antônio Vicente Pietroforte

Professor Titular da USP (Universidade de São Paulo). Possui graduação em Letras pela Universidade de São Paulo (1989), mestrado em Linguística pela Universidade de São Paulo (1997) e doutorado em Linguística pela Universidade de São Paulo (2001).

literatura brasileira

Surrealismo na literatura brasileira contemporânea 

Claudio Willer e Sérgio Lima sempre insistiram na participação significativa do surrealismo na arte brasileira

 Na literatura brasileira moderna, a presença do surrealismo é carente de discussões porque, infelizmente, alguns críticos consideram-no irrelevante para o Brasil, reduzindo-o a manifestações isoladas tais quais alguns poemas de Murilo Mendes e Jorge de Lima, enquanto outros autores, entre eles Claudio Willer e Sérgio Lima, insistem na participação significativa da vertente surrealista na arte brasileira. Segundo eles e demais poetas brasileiros surrealistas, haveria no Brasil contradições entre modernismo e surrealismo, entre elas, a polêmica nacionalismo vs. internacionalismo, a qual não é devidamente problematizada.

Em linhas gerais, independentemente da vertente ser reacionária, a seguida por Menotti de Picchia, Cassiano Ricardo e Plínio Salgado, ou progressista, aquela de Oswald de Andrade, Mario de Andrade e Patrícia Galvão, o tema principal do modernismo é a nação brasileira; o surrealismo, porém, devido a vocações distintas e bem mais abrangentes do que ser predominantemente movimentos literários ou políticos, vai de encontro aos nacionalismos por seu teor universalizante, tanto do ponto de vista psicológico quanto social. Assim, no contexto político brasileiro da primeira metade do século XX, quando se buscava superar as contradições entre os latifundiários e a burguesia nacional ainda em formação, priorizaram-se as polêmicas sobre o Brasil em vez da renovação humana mediante as reflexões e a práxis trazidas pela psicanálise e pelo marxismo, levadas a cabo pelo surrealismo. Em defesas de seus argumentos, os surrealistas brasileiros atuantes no campo da crítica discutem tais contradições, apontando numerosas influências do surrealismo nos poetas modernos além das ocorrentes em Murilo Mendes e Jorge de Lima.

Ligados diretamente à obra de Roberto Piva, quem dialoga em sua poética e seus modos de vida intensamente com o surrealismo, vale a pena lembrar de três poetas brasileiros contemporâneos: Chiu Yi Chih, Rita Medusa e Rubens Zárate. Talvez Chiu Yi Chih seja um dos representantes mais significativos da práxis surrealista, pois sua poesia está quase sempre inserida em performances artísticas, em que música, expressão corporal e artes plásticas estão integradas com o poeta, quem busca transcender os limiares da consciência humana desafiando os limites entre a arte e a metafísica. Eis o poema “Buda-Exu”, do livro “Metacorporeidade”, 2016, sendo ele apenas a semiótica verbal do ato poético realizado também em outras semióticas, constituído pela performance:

uma guerra se trava entre os clavicórdios de teus ossos porém mais do que dilúvio de sangue ou fome indiscriminada talvez seja apenas a inexprimível eclosão de outro império irrefletido pois tampouco se trataria de mero deslocamento do teus nervos senão do algo mais abstrato e desastroso assim como se um súbito inverno voraz viesse a irromper por si mesmo no distúrbio iminente das consciências ou como se o próprio tempo estivesse sendo esmagado por debaixo das águas engomadas de tua astúcia eclipsada tal como se aquela falha inerente jamais pudesse ser estancada no momento em que todas as paredes ovaladas se arqueiam diante do edifício em destroços onde ninguém pretende refazer os venenos da tua came assolada pelo pó das trevas ao mesmo tempo que nada parece se reconciliar com os alumínios do tua miséria mal reconquistada quando apenas o coração lacerado se alastra entre farrapos recalcitrantes tanto nesta língua atravessada pelos olhos calcinados como naquela viela de escamas enrugadas onde cada pétala se estilhaça com as estrelas esfarrapadas de tuas feridas impossíveis

A vertente surrealista, afastando-se do mundo consensual, aproxima-se do sonho e do delírio; isso se evidencia nos poemas de Chiu Yi Chih e Rita Medusa, próximos do fluxo de consciência. Eis o poema “Lucrando com os danos”, de Rita Medusa, do livro “Hipnose para um incêndio”, 2018:

Astronomia nas poças
quimeras elétricas
pátios transitando Salas fechadas
gigantes em sentinela
a altura dos mínimos
afogamento dos rasos
grandiosidade do inútil
como granadas apaixonadas
pelo impacto da explosão
antes de ser ativada
aquecendo a mão insana
como se do precipício
retirassem para um passeio
Uma alegria impregnada de mar
Porque todas as coisas vivas choram
e a vertigem é o delicioso jogo
Dos que não vão embora
Quando o concerto de bombas começa

Por fim, o poema “Nature ne peut conseiller que le crime”, de Rubens Zárate, do livro “Lolita em prado de bode”, 2016, cujas imagens oníricas oscilam entre a selvageria dos lobisomens e a delicadeza dos pavões, duas figuras simbolicamente ricas e complexas:

:: por trás de tua sombra vinha a tarde (cor de vinho)
dos batons :: por trás de tua sombra vinha o sol das
maquiagens ::

:: por trás dela a plumagem dos pavões brancos de
vênus :: os esmaltes aberrantes das histórias de alcateia ::

:: por trás de tua sombra as borboletas violadas :: e a
licantropia do verão vinha por trás de tua sombra ::

:: por trás dela havia um arsenal de arsénico & de
rouges :: c um cutelo (com ternura) fatiava óperas &
alho ::

Os livros citados anteriormente são todos da editora Córrego e podem ser encontrados neste endereço:

https://editoracorrego.com/

 

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*As opiniões dos colunistas não expressam, necessariamente, as deste Diário.

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