Deixando de lado a pompa, os puxões planejados teatrais nas cordas do coração e a tagarelice retórica, a visita do presidente ucraniano Vladimir Zelensky a Washington pode de fato ser um marco para a estrutura da “segurança europeia”. Um artigo recente do veterano diplomata germano-americano Henry Kissinger ofereceu uma nova perspectiva ao afirmar que um status neutro para a Ucrânia não pode mais servir como assunto para negociação, pois o assunto não é mais relevante.
A Ucrânia está formando uma força armada poderosa e capaz, ativamente assistida pelo Ocidente, principalmente pelos EUA, de modo que seu status formal – seja membro da OTAN ou não – não importa mais. É o aliado militar de fato, se não de jure, dos Estados Unidos, além de ter uma experiência prática única em um confronto direto em larga escala com a Rússia. Pode-se acrescentar: é motivado a persegui-lo.
Elaborando esse pensamento, é razoável supor que, para os EUA, é ainda mais confortável para a Ucrânia permanecer fora da aliança formal, pois amplia o espaço para a ação político-militar. Não há compromissos legais, o nível e a escala do apoio podem variar de acordo com a situação em cada momento, e o grau de lealdade de Kiev a Washington como principal garantidor de recursos provavelmente superará até mesmo o demonstrado por Varsóvia ou pelos estados bálticos. Assim como o grau de dependência da ajuda externa. A Ucrânia, como a Polônia e os Bálticos, provavelmente ficará cada vez mais desconfiada da Europa Ocidental continental, já que Kiev interpretará suas inevitáveis contradições internas como um desejo implícito de fazer a paz com a Rússia.
Para os EUA, esse tipo de “porta-aviões inafundável baseado em terra” será útil. Um satélite tão treinado e leal, por um lado ao lado da Rússia e por outro apontando para a Europa Ocidental – e a narrativa de Kiev de que, graças aos seus esforços, o resto da Europa pode viver em paz e não sob as bombas russas – abre muitas oportunidades. A configuração territorial da Ucrânia neste contexto não é importante para Washington. Além disso, a preservação de parte do território ucraniano reconhecido internacionalmente sob controle russo cimenta o conflito e deixa o traseiro com um motivo para continuar lutando.
Para isso deve ser equipado e treinado, mas não necessariamente todos os seus desejos precisam ser atendidos. Quanto à preparação de suas forças, é crucial, para Washington, aumentar as próprias capacidades da Ucrânia para que quaisquer fases subsequentes do confronto possam continuar sem o envolvimento direto de unidades dos EUA e da OTAN. Este é um ponto muito significativo.
O esquema é, em princípio, bastante racional. Não há garantia de que funcione, porque a Rússia tem poder para impedir (mesmo que, até agora, isso não tenha sido muito visível), mas há poucos riscos para os EUA. E o famigerado sistema de segurança europeu – cuja reforma foi a principal demanda da Rússia há um ano – se algum dia voltar à agenda, será em circunstâncias muito diferentes. As velhas abordagens e demandas não serão mais aplicadas.
Fonte: RT
* As opiniões expressas nos artigos reproduzidos não representam necessariamente a posição deste diário