Um esquerdista desavisado é perigoso como um carro desgovernado. Não é de hoje que as redes sociais apresentam a tese de que o Brasil está dividido. Não entre as classes sociais, mas entre as regiões do País. Repete-se que o Sul e o Sudeste são de direita e o Nordeste de esquerda, com variações sobre esse mesmo tema, substituindo esquerda por Lula e direita por Bolsonaro, por exemplo.
Nas redes sociais uma turba de esquerdistas repete essa ladainha. Numa mistura de pieguismo e demagogia, vemos um “obrigado, Nordeste, por salvar o País”, “vou me mudar pro Nordeste” e coisas desse gênero.
O que esses esquerdistas não percebem é que esse mito de que o País está dividido entre regiões não é uma ideia da esquerda, mas uma política impulsionada pela burguesia e a direita. A origem mais recente disso é o golpe de Estado de 2016, mais precisamente o processo golpista.
Para atacar os governos do PT e justificar a política golpista, a burguesia envenenou a classe média brasileira com a ideia de que o PT e Lula tinham apoio na população pobre, portanto principalmente a nordestina, por conta das políticas sociais dos governos petistas. Na realidade, a direita chamava essas políticas de “clientelismo”, “populismo” ou qualquer coisa assim, insinuando que o apoio da população pobre ao PT e a Lula era uma espécie de compra de votos.
Para reforçar essa ideia, a direita elegeu o Nordeste como o principal “curral eleitoral” de Lula e do PT, usando como base dois fatos: primeiro, a região possuiu os estados mais pobres do País, o que naturalmente a transformou num alvo importante das políticas sociais do PT; segundo, para governar, os PT fez muitas alianças com os antigos oligarcas desses estados, o que garantiu também ao partido um certo controle da máquina eleitral na região.
A melhor manipulação é quela que está baseada em algum fundo de verdade. Embora fosse correto que o nordeste se beneficiou das políticas sociais do PT, não é correto dizer que essas políticas não ajudaram massivamente a população mais pobre das outras regiões.
A mentira da direita golpista que a esquerda acreditou
Para a direita era preciso criar uma divisão falsa no País para angariar uma parte de apoiadores e fortalecer a classe média reacionária contra o povo e a esquerda. Exatamente a classe média que serviria, em todas as regiões do País, como base social para o golpe. Ao mesmo tempo, a burguesia não poderia fazer a propaganda de que a esquerda tinha o apoio do povo pobre, dos trabalhadores e a direita o apoio da classe média, era preciso dar um caráter fictício a essa divisão. A melhor maneira de fazer isso é dividir artificialmente o eleitorado em regiões.
Essa política da direita surgiu com intensidade nas eleições de 2014 e ganhou força nas movimentações golpistas.
A esquerda pequeno-burguesa, ao invés de denunciar a farsa e o golpe, adotou a política da direita. E adotou com tanto ímpeto que hoje parece ser da esquerda a ideia: “o Sul e o Sudeste são de direita e o Nordeste é de esquerda”.
Uma ideia sem nenhuma lógica
O esquerdista de classe média tem o mesmo defeito de classe do direitista de classe média: se deixa levar pela propaganda feita pela imprensa burguesa, não pensa nas coisas e repete as maiores asneiras.
Mas basta parar para pensar um pouco para notar que a ideia nem lógica tem.
Lula é um nordestino de origem, mas sua carreira política é 100% paulista. A CUT, o PT e os principais partidos da esquerda do País nasceram em São Paulo. As maiores manifestações populares são em São Paulo. Como explicar isso?
Outra fato, não político, mas social. São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais são estados com uma enorme população nordestina. E antes que algum desavisado fale besteira, essa população de origem nordestina não são imigrantes que vieram para cá e se transformaram em classe média, são milhões de nordestinos que compõem a classe trabalhadores do Sudeste e também do Sul do País. Seriam esses nordestinos de direita e os que moram no nordeste de esquerda?
O que dizer, ainda, da classe média e da burguesia nordestinas? Não seriam apoiadores de Bolsonaro? Claro que são!
Rui Costa Pimenta, em um tuíte, resumiu bem a falta de lógica dos esquerdistas que repetem a política da direita:
De acordo com a lógica dos esquerdistas que estão repetindo exaustivamente essa besteira na internet, a burguesia nordestina é boa, a classe operária do Sudeste e do Sul, é ruim. Com essa ideia, a esquerda vai afundar cada vez mais.
Um serviço à divisão do País e ao imperialismo
Aproveitando que a esquerda pequeno-burguesa adotou para si a ideia da divisão regional, o imperialismo agora incentiva tal política. Para o imperialismo, que foi o principal agente do golpe de Estado no Brasil, se os brasileiros acreditarem que uma região é melhor que a outra será uma grande vitória.
O imperialismo, para dominar um País como o Brasil, precisa dividir o povo. Não em classes sociais, pois isso pode resultar em uma revolução, mas em divisões artificiais como a regional. Por isso, alguns esquerdistas também começaram a fazer o serviço do imperialismo e dizer que o tamanho continental do País não tem importância. Outros são chamados na Europa para dizer que a Amazônia deve ser internacionalizada.
Assim, com o País dividido, o imperialismo reina ainda mais. E o pior de tudo, usando a esquerda pequeno-burguesa como base social e ideóloga.
Serve, no final das contas, ao fascismo.