A corrente interna do PSOL, Esquerda Marxista, publicou artigo no último dia 28 de outubro, um pouco antes do resultado final das eleições para deixar muito claro que apoiou Lula a contragosto. Apoiaram Lula, dizem seus membros, apenas para colocar um fim no governo Bolsonaro, mas, ainda segundo eles, “é direito e dever dos revolucionários apontar suas críticas à candidatura de Lula, em particular à linha de alianças com a burguesia.”
É fato que os revolucionários têm o dever de criticar uma política errada qualquer que seja. Não há problemas, pelo contrário, em criticar a aliança com Alckmin, as coligações com partidos burgueses e um programa direitista.
Mas para a Esquerda Marxista não se trata de uma simples crítica. Para eles, Lula seria um candidato do imperialismo, “do mercado”. Falam isso usando como gancho a “Carta para o Brasil do Amanhã”, divulgada pela campanha de Lula pouco antes do fim da eleição. Para fundamentar sua acusação, comparam tal carta à “Carta ao povo brasileiro”, divulgada por Lula em 2002 e que representava uma declaração de boas intenções ao mercado financeiro e ao imperialismo.
Mas será mesmo, como diz a Esquerda Marxista, que estamos diante de fenômenos iguais?
A própria Esquerda Marxista começa explicando essa questão: “Na carta de 20 anos atrás, Lula se comprometia com ‘reformas estruturais’, incluindo a ‘reforma tributária’, ‘reforma previdenciária’ e ‘reforma trabalhista’ que, como sabemos, são as contrarreformas de interesse dos capitalistas, além do compromisso com o superávit fiscal primário, ou seja, um claro sinal ao ‘mercado’ de que priorizaria o pagamento da fraudulenta dívida pública”.
É um fato incontestável que a Carta de 2002 era o sinal ao imperialismo de que poderia não apenas confiar no futuro governo do PT, como que esse governo se comprometia a colocar em prática a política exigida pelo imperialismo. Como bem diz a Esquerda Marxista, as reformas, como a da Previdência e Trabalhista, que de fato foram feitas pelo governo Lula.
A Carta de 2002 ainda afirma que:
“Premissa dessa transição será naturalmente o respeito aos contratos e obrigações do país. As recentes turbulências do mercado financeiro devem ser compreendidas nesse contexto de fragilidade do atual modelo e de clamor popular pela sua superação.”
Mais à frente, na tentativa de provar que a carta atual tem o mesmo teor, o artigo da Esquerda Marxista acaba provando o oposto:
“Na nova carta existem belas palavras, ‘democracia’, ‘liberdade’, ‘desenvolvimento sustentável’, ‘esperança’ etc. Mas, no fundo, seu cerne, é mais uma vez o compromisso de que um novo governo Lula respeitará os interesses fundamentais do capital. Curioso é que uma carta dessas ainda seja necessária para acalmar o mercado após 13 anos de governo do PT servindo aos interesses da burguesia, além de ter Geraldo Alckmin como vice. Mas Lula quis dar um sinal a mais.”
Segundo a Esquerda Marxista, enquanto aponta na primeira carta as intenções bem concretas – fazer as reformas, respeitar os contratos internacionais etc -, na carta deste ano o artigo limita-se à acusação de que “no fundo” há um compromisso de que um novo governo Lula respeitará os interesses do capital.
No fim das contas, é uma crítica sobre o que a Esquerda Marxista pensa sobre a carta e as intenções do futuro governo Lula, não uma análise sobre os fatos. Por isso, o artigo descreve espantado que uma carta foi necessária mesmo com Alckmin de vice e com a experiência de 13 anos de governo do PT.
O espanto revela a incapacidade da Esquerda Marxista em analisar a situação política. Deveria ser óbvio que Lula e o PT não são de confiança do Mercado Financeiro e do imperialismo. Independentemente do que foram os anos de governo petista, independentemente da política de conciliação de Lula e do PT e independentemente da presença de Alckmin, a Esquerda Marxista se esquece que em 2016 a burguesia deu um golpe de Estado contra esse mesmo governo do PT. Se esquece que em 2018, essa burguesia prendeu Lula para que ele não voltasse à presidência.
Então, qual o espanto? O espanto está na incompreensão do que acontece no País. Lula não é o candidato do imperialismo nem do Mercado financeiro, mesmo com cartas, com alianças, com Alckmins. E é esse fato inclusive o mais importante a ser levado em conta na hora de comparar as cartas.
A Carta de 2002 era uma exigência do próprio Mercado e do imperialismo que já tinham acordado a aceitar a vitória de Lula. A carta de 2022 é apenas uma tentativa conciliadora em um cenário em que a burguesia aceita, a contragosto, uma vitória de Lula, que naquele momento ainda nem era certa.
A política conciliadora de Lula não o transforma em candidato dos banqueiros. Do mesmo jeito que a presença de Temer como vice de Dilma não impediu o golpe, a presença de Alckmin não transforma Lula em candidato do imperialismo. Da mesma maneira, uma carta de 2022 não é a mesma carta de 2002.
Nesse sentido, a principal tarefa dos revolucionários é levantar as reivindicações dos trabalhadores e do povo. Criticar Lula sem mostrar essa caminho, colocando-o como um elemento da direita, vai lançar a esquerda rapidamente a uma posição golpista.